Conhecemo-nos de toda a nossa vida. É um pouco mais nova que eu - cerca de três anos - e recordo-me perfeitamente de a ver a brincar com as outras crianças no recreio da Escola Primária da Herdade do Pereiro onde eu já trabalhava ao lado da sua mãe, a enchermos as estufas dos secadeiros de pimentos vermelhos que depois de moídos produziam o tão afamado pimentão doce, Flor do Pereiro.
Recordo-me ainda de um certo dia uma sua prima ter comentado com a sua mãe:
E ela, olhando bem para mim, discordou peremptoriamente:
- Não, não o quero, que é já muito velho!
De facto eu já teria talvez... doze ou treze anos.
Como as nossas mães eram grandes amigas, visitavam-se de vez em quando. Claro que a Maria Manuela acompanhava sempre a mãe. Por isso convivíamos regularmente.
Recordo também ainda outro momento caricato que sucedeu numa dessas visitas, desta vez protagonizada pelo meu pai, o qual, não sei por que carga d'água, lhe prometeu carinhosamente:
- Se casares c'o meu Zé, dou-te cinquenta escudos Maria Manuela...
De onde e porque terá vindo aquela inspiração, não sei, nem faço ideia. Mas cumpriu a sua promessa. No dia do nosso casamento muitos anos depois, chamou-a à parte para lhe oferecer os cinquenta paus, MESMO.
Naquela época poucos ou quase nenhuns rapazes como eu pensavam casar antes de cumprir o serviço militar, pela consequente hipótese da ida para a guerra em África que já matara alguns conterrâneos amigos que jaziam no talhão dos combatentes do cemitério da Beirã.
Entretanto mal acabei de cumprir os dezassete anos ofereci-me voluntário para a tropa. A meio do Curso militar de Transmissões de Infantaria que frequentava em Lisboa, a tia Chica Loucena foi acometida de um ataque cardíaco e faleceu poucos dias depois.
A seguir fui eu para a guerra em Angola e na tentativa de ajudar a minha amiga a superar a perda inesperada da mãe, tornei-me seu afilhado de guerra e nunca mais deixámos de nos relacionar até que voltei de novo para casa.
Daí a ficarmos noivos foi um passo, mas, apesar de a Manuela ter um bom emprego, só depois de eu conseguir estabilizar a minha vida com um trabalho certo e um vencimento que permitisse constituir família, decidimos casar.
E juntámos os nossos trapinhos no verão de 1976.
Quer isso dizer que estamos quase, quase, a chegar às Bodas de Heliotrópio - 49 anos de casados.
(Que raio de nome)...
E para o ano, se lá conseguirmos chegar, vão ser as Bodas de Ouro.
Uma vida inteira juntos.
Estava escrito no livro das nossas vidas que assim teria de ser. Por isso foi e será até que Deus queira ou a vida nos separe.
_______José Coelho