quinta-feira, 28 de junho de 2018

Aldeia...

Foto by José Coelho


Nove casas,
duas ruas,
ao meio das ruas
um largo,
ao meio do largo
um poço de água fria.
Tudo isto tão parado
e o céu tão baixo
que quando alguém
grita para longe
um nome familiar
se assustam os pombos
bravos
e acordam ecos
no descampado

Manuel da Fonseca

Boa noite, durmam bem...

Uma das minhas primeiras fotos - Cabeçuda - Outono 2006
(O velho sobreiro foi vencido pelo vento e já desabou)

quarta-feira, 27 de junho de 2018

A minha Família há 50 anos...

Dos 8 que aqui estivemos, restamos 5

Excertos...

Caminho de contrabandistas - Foto by José Coelho

(...)

Eu e a minha irmã mais velha fomos também contrabandistas ainda que em pequena escala e por conta exclusiva dos nossos pais que nos mandavam levar para Espanha certos produtos – 3 ou 4 dúzias ovos por exemplo – em   troca de coisas que trazíamos na volta para cá, essencialmente comida, latas de azeite, toucinho a granel ou pão. Também uma boa parte dos enxovais das minhas irmãs – louças de pirex, esmaltes, sertãs e outros utensílios de cozinha – vieram de Espanha por essa via. Aos poucochinhos. Hoje trazíamos o tacho, para a semana a cafeteira, depois a frigideira…

Porém, os profissionais das madrugadas caminhavam curvados pelo peso de, no mínimo, 30 kg de carga, acompanhados sempre pelo receio de serem detetados pelos guardas fiscais portugueses ou pelos carabineiros espanhóis. Com os olhos tinham que vigiar o caminho e com os ouvidos escutar atentamente qualquer ruído que os pudesse alertar da proximidade dos fardados para que não lhes saltassem ao caminho, pois, se tal acontecesse, era largar a carga, desatar a fugir e esconderem-se logo que pudessem. Perdiam o fôlego, perdiam a carga, perdiam a jorna da noite, perdiam também o esforço de muitas horas de caminho. Mas outras viriam! O que interessava era não se deixarem “ganfar” pelos guardas porque seriam imediatamente presos e teriam problemas sérios.

Era assim por todas estas aldeias e lugarejos da raia! Beirã, Cabril, Bica, Pereiro, Barretos, Vales, Vale de Milho, Ranginha, Cabeçudos, Relva da Asseiceira, Aires, Tapadão de Mato e muitos outros, porque nesse tempo era tudo habitado onde quer que houvesse uma casinha, por mais isolado que fosse o lugar. Ao escurecer formavam-se os grupos no local de encontro que só eles sabiam, traçavam-se os percursos, vigiavam-se os movimentos dos guardas e desaparecia-se na noite para se ganhar o preço previamente negociado.  Assim que os mais novos tinham forças para “alombarem” com as cargas e pernas para caminharem as longas distâncias, entravam para o grupo. Era assim com eles, porque assim tinha sido com os seus pais e avós, assim seria provavelmente também mais tarde com os seus filhos quando os tivessem.

Mulheres contrabandistas também as havia e muitas, se bem que com cargas mais leves. E também elas atravessavam rios e ribeiros nas noites de chuva ou de bom tempo para ajudarem no sustento das casas se fosse preciso. Muitas vezes vi a minha mãe e as minhas tias enrolarem-se em peças da “pana” a que hoje chamamos bombazina para assim passarem, debaixo da roupa, metro a metro, peças inteiras do tecido que iam trazendo aos poucos das lojas do outro lado do rio, como a loja do Batão, a do Bravo, ou a do Pinadas, e que assim eram fornecidas diretamente aos alfaiates das aldeias para as transformarem em calças, casacos ou fatos completos muito apreciados nesse tempo por serem mais quentes e durarem muito mais tempo que os tecidos portugueses.

Vi também, com os dois olhos que Deus me deu e a terra irá comer, alguns vizinhos guardas fiscais e até alguns guardias-civis espanhóis também, a ajeitarem um quilo do café em grão “Guapa” em cada um dos bolsos laterais do casaco da sua farda, na loja do sr. João Batista e na loja da Ti Zabel, minutos antes de embarcarem nos comboios que iam patrulhar entre a estação da Beirã e a de Valência de Alcântara. Eles próprios faziam também contrabando – eu vi, como já afirmei, ninguém me contou – provavelmente porque os seus ordenados não seriam por aí além muito famosos.

(...)
                                                               Do Livro Histórias do Cota

terça-feira, 26 de junho de 2018

Miradouro da Beirã, o presente a honrar o passado...

 Mandado construir na primeira metade da década de 90 
pelo executivo da Junta de Freguesia de Beirã

... em simultâneo com uma sócha, ex-libris da nossa região,
no cimo do "cancho da escola" bem no centro da aldeia.

Recentemente mas já sob a orientação de um outro executivo, foi ajardinado o
espaço, construídos, electrificados e optimizados os acessos, tornando a zona
muito mais acolhedora e atraente, como documentam estas imagens.

Créditos fotográficos:
Foto 1 - Maria Coelho
Fotos 2 e 3 - Junta de Freguesia de Beirã

sábado, 23 de junho de 2018

Bom fim de semana...

Tapada da Lagem Alta - Beirã, onde me picou o tal lacrau!
Foto by José Coelho

Tesouros da minha Beirã (2)...

Poço do Monte velho já seco mas com dois bebedouros muito valiosos:
Uma sepultura e uma cuba de moer grão escavadas no granito.
Foto by José Coelho

quinta-feira, 21 de junho de 2018

Recordar (também) é viver...

Porque há dias inesquecíveis e este foi um deles para mim

Meu vício da leitura

Fim de dia na Alto do Areal - Marvão
Foto by José Coelho


O Tempo


A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando de vê, já é sexta-feira!
Quando se vê, já é natal...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê passaram 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado...
Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas...
Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu o amo...
E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo.
Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz.
A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará.


                                                                        Mário Quintana

Meu vicio da leitura...



Solstício: o dia mais longo do ano anuncia 93 dias de verão

Às 11h07 desta quinta-feira, dia 21 de junho, ocorreu o solstício de verão, um evento astronómico marcado pela posição da Terra em relação ao sol e que marca o início do verão no hemisfério norte e do inverno no sul. É o dia mais longo do ano - em 2018 a duração foi de apenas mais um segundo - mas sobretudo marca a cadência dos dias que se seguem: teremos luz durante mais horas. A partir de hoje o verão prolonga-se por 93 dias até ao próximo equinócio, a 23 de setembro de 2018.

Segundo o Observatório Astronómico de Lisboa, a duração do dia no solstício de verão é "efetivamente a mais longa" do ano. A 21 de junho de 2018 o disco solar nasceu às 6:11 horas e o pôr do sol será às 21:04.

O Observatório explica: solstícios são "pontos da eclíptica em que o sol atinge as alturas (distância angular) máxima e mínima em relação ao equador, isto é, pontos em que a declinação solar atinge extremos: máxima no solstício de Verão (+23° 26′) e mínima no solstício de Inverno (-23° 26′)". No dia em que o hemisfério norte entra no verão, é possível observar que o sol está muito alto no céu.

A palavra é de origem latina (solstitium) e está relacionada com o facto do sol travar o seu movimento diário de afastamento ao plano equatorial e "estacionar" ao atingir a sua posição mais alta ou mais baixa no céu.

A razão pela qual há um solstício no verão é a mesma que justifica a existência de estações. A Terra também gira em torno do sol e esse movimento - denominado translação - é o que determina a duração dos anos. Associado à inclinação do eixo de rotação da Terra, demanda que tenhamos estações diferentes ao longo de 365 dias.

In: https://www.dn.pt 

Excertos...

Torneira de taberna antiga com chuveiro para lavar copos

(…)
Era na rua da igreja como todos na Beirã sempre lhe chamámos, ou, então, por ser mais fino, Rua Vivas de sua graça. Situava-se muito perto da Estação de onde recebia o seu maior fluxo de fregueses. Ferroviários e passageiros dos comboios.
Era uma taberna pequenina com uma só divisão de 5 ou 6 metros quadrados e nela havia apenas uma mesa redonda de ferro onde os fregueses jogavam cartas; ao truque, às copas ou à sueca. No vão da janela perfilavam-se duas pipas de vinho daquelas grandes e antigas em ripa de madeira, uma do branco, outra do tinto.
Tinha a toda a largura da divisão um enorme balcão, de parede a parede, em frente a uma estante de madeira cheia de prateleiras onde se alinhavam os copos – daqueles muito antigos que até a meio era só fundo – em vidro muito grosseiro, à mistura com garrafas de ginja, de anis, de abafado ou de aguardente, porque os vinhos branco e tinto eram depositados em jarros de vidro com tampas de plástico, vermelha a do tinto e verde a do branco, pousados permanentemente em cima do balcão, prontos a usar. Na parede do lado e por dentro do balcão tinha como grande modernice naquela época, uma pia de marmorite com torneira de água canalizada onde eram lavados os copos.
Atrás do balcão, sentado num banquito de madeira, era comum encontrar-se quase sempre como taberneiro ti Afonso, já que a ti’Arora, merceeira, estava sempre mais no outro lado, na divisão contígua onde tinham também uma pequena mercearia que comunicava com a taberna por uma porta interior.
Era dali, daquela mercearia, que vinha quase tudo o que comíamos em nossa casa. Arroz e açúcar avulso, massas, farinhas, banha caseira ao quilo, manteigas, azeite e vinagre também a granel, toucinho, morcelas, chouriço e farinheiras, sal ou bicarbonato, feijão, grão, sardinhas em lata ou atum.
A pronto pagamento ou fiado porque o dinheiro nesse tempo escasseava em quase todas as bolsas. Mas nunca naquela loja se negou o avio necessário ao sustento a nenhuma família, a minha incluída, sem necessidade de fiadores e sempre com bons modos, confiando (apenas) na certeza do completo ajuste de cada conta logo que as jornas fossem recebidas pelos chefes das famílias devedoras.
E era naquela taberna que o meu pai se entretinha depois do sol-posto até à hora da janta, onde com os seus amigos jogava cartas ou bebia o seu copito, algumas vezes até mais do que a conta.
(…)
                                                         Do Livro Histórias do Cota

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Sonho que cumpri...


Debaixo das tuas telhas 
cheguei ao mundo, nasci
memórias a ficar velhas
mas eu permaneço aqui

As tuas paredes brancas
desde o dia que cheguei
abrigaram vidas tantas
que eu sempre lembrarei

Casa modesta de pobre
ninho doce de meus pais
gente boa pura e nobre
de sentimentos leais

Em granito construída
outra mais linda não vi
 por isso na minha vida
  foste sonho que cumpri.


José Coelho, 20 junho'18

segunda-feira, 18 de junho de 2018

Para sempre...

 Foto by Pedro Coelho

Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.

Carlos Drummond de Andrade

Há coisas c'a gente...

... nunca mais esquece...
… e nunca mais fica o mesmo!
 Fotos by José Coelho

domingo, 17 de junho de 2018

Meu vício de ler...

Fotografia de Valter Bento


Fazer da cal o bilhete de identidade. Comer o primeiro u de Augusto. Às Marias chamar Bias. Petiscar ao fim do dia. Acreditar em Deus e no Partido Comunista. São coisas de alentejanos.

Explicar Deus como “alguém que manda” nisto. Casar pela Igreja. Baptizar os filhos. Ser indiferente à missa. Não faltar à procissão. Desprezar a confissão. Cantar ao Menino pelos Reis. Chamar magana à morte. Dizer dos familiares que lhe morreram: “o meu pai que Deus tem” ou “a minha Joaquina que Deus tem”. Tirar o chapéu diante do cemitério. Temer as trovoadas como os gauleses do Astérix. Benzer o pão antes de entrar no forno. Não derramar azeite. São coisas de alentejanos.

Estar apaixonado quando está triste. “Andar atrás de” quando está apaixonado. Chamar boda ao casamento e ao copo d’água função. Anteceder os nomes dos filhos do pronome possessivo meu ou minha: o meu João, a minha Ana. Da mulher dizer apenas “a minha”, ignorando-lhe o nome. Não ter trambelho para os trabalhos domésticos. Enforcar-se quando se vê viúvo. São coisas de alentejanos.

Ver cair a geada. Chamar charoco ao frio e busaranho ao vento gelado. Dizer que está aspereza quando há temporal. Ao Sol chamar “o astro”, como se fosse o único no céu. Ao calor chamar calma. Viver com o Suão. Chamar às planuras descampados. Cerros aos outeiros. À floresta arvoredo.

Olhar o horizonte e saber ter vagar. Dizer: estou à espera de me ir embora. Declarar com solenidade: devagar que tenho pressa. Abalar no comboio da Cuba. A Lisboa chamar aldeia grande. Ter parentes na Brandoa. São coisas de alentejanos.

Estar de roda do lume. Sentar no chão para conversar. Parar no largo ao olhinho do sol. Ter sempre a navalhinha petisqueira no bolso das calças. Condutar o pão, o vinho e a vida. Beber só em companhia. Cantar quando os outros também cantam. À seca chamar desgraça. Querer a barragem de Alqueva. São coisas de alentejanos.

Porque sim!

Pedro Ferro, in Público, 9 de Outubro de 1995

sexta-feira, 15 de junho de 2018

Bom fim de semana...

Topo da Rua Fernando Namora, Beirã - Junho'18

Um puf de Pipocas...

Duas netinhas, uma sobrinhita-neta e uma quase netinha!
Foto by Manuel Coelho

Coisas qu'escrevo...

Foto by José Coelho


Desassossego


Saio é tardinha vou caminhando e vejo,
cheio de balsas e giestas, o montado
e a brisa morna do meu Norte Alentejo,
traz no seu sopro o leve balir do gado.


Subo a um cerro, sento-me no seu cume,
rodeado de paisagem e de imponência,
estala o restolho como lenha a arder no lume,
 à minha volta só o abandono é evidência.


Ainda cá moro mas tantos já se foram,
minha Beirã embutida em cancho agreste,
têm saudades todos quantos te adoram,
por tão boa hospitalidade que lhes deste.


Espreita ao longe de Castela a serrania,
entre fragas e barreiras corre o Sever,
marcando a raia serpenteia a férrea via,
 fonte de vida que o progresso fez morrer.


Se o grito do silêncio dói no ouvido,
o abandono e solidão esmagam o peito,
o piar do velho mocho soa a gemido,
até no rouxinol o trinar tem outro jeito.


Sem ninguém que deles trate agora,
cobrem as silvas pomares e olivais,
enferrujados os alcatruzes da nora,
 jazem inertes e já não regarão mais.


Que progresso foi este que matou,
tudo quanto na minha terra havia bom?
Pouco trouxe, pouco fez e só deixou,
do silêncio e abandono, o triste som.

José Coelho – Outubro 2016
(Retocado - Junho 2018)

domingo, 10 de junho de 2018

A Beirã, no seu melhor...

Foto by José Coelho, junho'18

O cuidado em cada pormenor! O tema da marcha da Freguesia da Beirã 2018 era a sua linda Estação. As cores e padrão dos tecidos utilizados nos trajes tiveram por isso em conta a singularidade dos riquíssimos painéis de azulejos pintados à mão por Jorge Colaço, em azul e branco, que embelezam a gare de passageiros. Daí o azul das saias das senhoras, o branco das blusas e os folhos em azulejo.

Por sua vez os homens levavam camisas brancas com azulejos a enfeitá-las, calças com risca azul e bonés de Chefe de Estação. Os arcos foram concebidos a imitarem as colunas de granito da gare, com apliques do relógio e do emblematico painel de azulejos com o Brasão de Marvão. No arco da frente, o brazão da Freguesia. Tudo pensado ao pormenor com um empenho digno de registo.

Foto by José Coelho, junho'18
Reparem também na graciosidade dos brincos que são miniaturas dos antigos bilhetes de comboio que se compravam no guichê.

Foto by Carla Viegas, junho'18

Numa das mãos, em jeito de abanico, uma locomotiva a vapor prateada completava o traje feminino.

Tudo isso foi idealizado pelo grupo em reuniões de preparação e onde cada um deu a sua opinião. As senhoras, com particular empenho, idealizaram e confeccionaram os trajes. Os homens encarregaram-se dos adereços. A Junta de Freguesia encarregou-se de mandar vir tudo o que era necessário. Depois de dois meses de convívio, muito trabalho e dedicação, o resultado foi deveras compensador.

A mim coube-me colaborar noutra tarefa. E fi-lo com muito gosto. Estamos pois todos de parabéns. Como sempre, a Beirã e os Barretos, no que têm de melhor:

 A sua gente... 

sábado, 9 de junho de 2018

E foi um sucesso...

Foto by José Coelho, Junho '18

A Beirã e os Barretos são lindooooos...

Foto by José Coelho junho'18

Sob o alto patrocínio da Junta de Freguesia e o empenho de um punhado de pessoas dos Barretos e da Beirã, vamos desfilar pelo segundo ano consecutivo na Avenida 25 de Abril em Santo António das Areias com outras 5 marchas do nosso Concelho.

Linda Beirã, quem me dera a mim, 
viver sempre assim, pela tua mão!
Linda Beirã, meu primeiro amor, 
perfume de flor, no meu coração...

Vestida com tanta graça, 
olhai quem passa, linda Beirã...
Menina mas tão airosa, 
lembra uma rosa, ainda em botão.
Teu nome é como a alvorada, 
da passarada, pela manhã...
Mal surge no horizonte, 
o sol beija a tua fronte, 
linda aldeia da Beirã...

sexta-feira, 8 de junho de 2018

Apesar da anunciada chuva, bom fim de semana...

Auto-retrato no meu cantinho predileto - junho'18

Excertos...

Foto copiada do Google

(...)

O meu pai deu duas ou três grandes passadas, entrou logo atrás de mim e antes de eu poder fazer mais qualquer coisa, agarrou-me pela blusa e jogou-me um chapadão tão grande que fui arremessado contra a parede do corredor. Ainda não me tinha sequer refeito da surpresa e… Bumba! Outro valente chapadão com aquela mão calejada que mais parecia uma tábua. E os meus ouvidos a zunirem que pareciam duas campainhas… Tziiiiiiiiiing!

- Caraças que isto doeu…

Como em toda a minha ainda curta vida e até àquele preciso momento nunca o meu pai me tinha tocado nem com um só dedo – nem nunca mais tocou no resto da sua vida – fiquei deveras acagaçado e só talvez ali é que comecei a perceber que tinha metido a pata na poça (…)

- Seu cabrão! Vociferava ele com os dentes cerrados, completamente danado! Nesta casa somos pobres mas nunca cá houve gatunos… Onde é que estão as pesetas que roubaste à professora?

- Ai agora!  Pensei eu, ainda mais apavorado!

E lá tive que explicar-lhe como as tinha gasto (no pirolito e nos tremoços) e que por isso já não as poderia devolver.

- Muito bem – respondeu ele – eu vou à Virgínia comprar as cinco pesetas mas quem as vai levar à professora na minha frente e pedir-lhe desculpa, és tu. E é agora mesmo!

Dito e feito, lá tive que ir então atrás do ti Antónho Coelho, de rabinho entre as pernas envergonhadíssimo e sem saber como encarar a professora, que, como vocês todos se devem ainda lembrar, não era nada dada a meiguices e tinha também umas mãozinhas muito lampeiras. E eu bem sabia, pois muitas vezes as tinha já experimentado!

- Vou papá-las dela tamém... Pensei, com mau agoiro.

Porém, enganei-me. A professora, talvez pela presença do meu pai, não me tocou e apenas me disse muito carrancuda: 

- Fizeste uma coisa muito feia José Manuel e eu agora já não quero as cinco pesetas. Mas vais entregá-las no próximo domingo na missa ao senhor padre no cesto das esmolas à frente de toda a gente para toda a Beirã ficar a saber…

- Jesus credo, “amalssoadas” pesetas… Pensei em pânico.

Assim teve mesmo que ser. Foi cá um destes vexames… O maior – e  felizmente o único – em toda a minha vida.

Mas foi também, disso tenho absoluta certeza, a melhor e mais dura lição que recebi. Nunca mais, mas mesmo nunca mais, tive tentações de repetir tal esperteza.

Era assim que naquele tempo educavam a gente (...)

                                                                    Do Livro Histórias do Cota