terça-feira, 22 de setembro de 2020

Outono

Volta do Ribeiro - Beirã - Foto José Coelho

O sol que secou a face da terra

Fazendo em restolho os verdes mais belos

Vai-se já cobrindo no vale e na serra

De limbos de nuvens que imitam castelos

 

Sentem-se no rosto aragens suaves

As folhas das árvores amarelecendo

Juntas em bandos vão migrando as aves

Seu trinar nos campos emudecendo

 

Da árida terra espreitam sementes

Fecundadas já pelas maresias

E os pastos novos aguardam latentes

Crescem as noites, minguam os dias.

 

Estações do ano são tempo de vida

Que ciclicamente se repetirá

Tal não acontece à criatura parida

Ao findar seu tempo não mais voltará.

 

Não chores por aquilo que o tempo levou

Muitas vezes agreste, outras vezes bonança

Vive o teu presente que o ontem passou

O amanhã quem sabe se o tem ou alcança?

 

Sê bem-vindo outono dos dias amenos

Também já cheguei ao outono da vida

Que tal como os teus possam ser serenos

Os dias que eu tiver para a levar vencida.

 

Beirã, outono de 2016

José Coelho

terça-feira, 15 de setembro de 2020

Essa palavra "saudade"...

Cruzamento da Ponte da Murta - Beirã - Foto José Coelho

Saudade é uma das palavras mais presentes na poesia de amor da língua portuguesa e também na música popular, "saudade", só conhecida em galego e português, descreve a mistura dos sentimentos de perda, distância e amor.

 

A palavra vem do latim "solitas, solitatis" (solidão), na forma arcaica de "soedade, soidade e suidade" e sob influência de "saúde" e "saudar".

 

Diz a lenda que foi cunhada na época dos Descobrimentos e no Brasil colónia esteve muito presente para definir a solidão dos portugueses numa terra estranha, longe dos entes queridos.

 

Define, pois, a melancolia causada pela lembrança; a mágoa que se sente pela ausência ou desaparecimento de pessoas, coisas, estados ou ações. Provém do latim "solitáte", solidão.

 

Uma visão mais especifista aponta que o termo saudade advém de solitude e saudar, onde quem sofre é o que fica a esperar o retorno de quem partiu, e não o indivíduo que se foi, o qual nutriria nostalgia. A génese do vocábulo está directamente ligada à tradição marítima lusitana.

 

A origem etimológica das formas atuais "solidão", mais corrente e "solitude", forma poética, é o latim "solitudine" declinação de "solitudo, solitudinis", qualidade de "solus". Já os vocábulos "saúde, saudar, saudação, salutar, saludar" proveem da família "salute, salutatione, salutare", por vezes, dependendo do contexto, sinónimos de "salvar, salva, salvação" oriundos de "salvare, salvatione".

 

O que houve na formação do termo "saudade" foi uma interfluência entre a força do estado de estar só, sentir-se solitário, oriundo de "solitarius" que por sua vez advém de "solitas, solitatis", possuidora da forma declinada "solitate" e suas variações luso-arcaicas como suidade e a associação com o acto de receber e acalentar este sentimento, traduzidas com os termos oriundos de "salute e salutare", que na transição do latim para o português sofrem o fenómeno chamado síncope, onde se perde a letra interna l, simplesmente abandonada enquanto o t não desaparece, mas passa a ser sonorizado como um d. E no caso das formas verbais existe a apócope do e final.

 

O termo saudade acabou por gerar derivados como a qualidade "saudosismo" e seu adjetivo "saudosista", apegado a ideias, usos, costumes passados, ou até mesmo aos princípios de um regime decaído, e o termo adjetivo de forte carga semântica emocional "saudoso", que é aquele que produz saudades, podendo ser utilizado para entes falecidos ou até mesmo substantivos abstratos como em "os saudosos tempos da mocidade", ou ainda, não referente ao produtor, mas aquele que as sente, que dá mostras de saudades.

 

Desconheço o autor

terça-feira, 1 de setembro de 2020

Quando eu era poeta...

Nascer do sol na Beirã 01.09.2019 - Foto José Coelho


Setembro

O sol que secou a face da terra
E deixou sem água ribeiros e fontes
Vai dando lugar na encosta da serra
Às folhas que caem e se juntam em montes
O ar abafado incómodo e quente
É mais fresco agora e bem mais ameno
Com ele se vai a canícula ardente
Bem-vindo Setembro do tempo sereno
Olho à minha volta com ar desolado
Pois tudo o que vejo está diferente
Sobreiros que secam por todo o montado
As terras vazias por falta de gente
Já não há ninguém por estes canchais
Nem fontes cantantes junto dos caminhos
Ó velhos sobreiros que aos pares secais
Onde irão as rolas fazer os seus ninhos?
Setembro é sossego, é melancolia
Silêncio d’outono, sono de criança
Gorjeios de melro ao raiar do dia
O tempo em o tempo se torna mudança
É também o mês em que as madrugadas
Trazem maresias aos sóis da manhã
Gotas que simulam nas folhas orladas
Pérolas em tiara de deusa pagã
Sossega minh’alma que já vem chegando
O tempo em que a terra vai ser fecundada
De chuva, de vento, de noites geando
Natureza ávida de ser saciada
Na roda que gira veloz como o vento
A vida se escoa, o tempo a levou
Deixou a saudade, doce sentimento
Penso aliviado: Setembro chegou...

Beirã, Setembro de 2005
José Coelho