Uma das últimas sóchas que foi moradia familiar na aldeia dos Cabeçudos
Desconheço o autor da foto.
Vai longe o tempo em que o tempo parecia uma eternidade e nunca mais era sábado para a gente ir outra vez para o baile na Sociedade Recreativa, ou domingo para ir namorar. As semanas já tinham sete dias mas pareciam ter catorze. Os dias também já tinham vinte e quatro horas mas pareciam ter trinta e seis. E os meses, esses então, tinham para aí oitenta dias.
Ainda assim as pessoas eram minimamente felizes e bem-humoradas.
E eu também.
Do Natal até à Páscoa demorava uma eternidade.
Os Invernos duravam seis meses, de outubro a março, quase sempre a chover e frios de rachar.
Os Verões tinham só três: junho, julho e agosto.
Os outros três, abril, maio e setembro, eram de tempo ameno sem ser inverno nem verão, sem estar frio, mas também sem estar demasiado calor.
E toda a gente percebia os sinais dos astros e dos ventos.
Das estrelas, do sol, da lua, do suão.
Aos cinco ou seis anos eu já conhecia a estrela boieira ou da manhã, aquela que há milénios indica que o dia está prestes a romper a escuridão da noite, pois muitas vezes a aurora nos surpreendia já de mão dada, a mim e à minha mãe, a caminho das tapadas para onde ela ia sachar milho e feijão preto, de sol a sol.
O astro avermelhado ao fim do dia no verão anunciava que o seguinte seria ainda mais quente. E no inverno a mesma cor rosada no céu poente dava como certo um dia seguinte também gélido.
A lua e os seus quartos, guardavam alguns segredos. O minguante era o das sementeiras, o crescente o de fazer crescer e amadurecer os frutos, mas também de fazer crescer a sorte ou as dificuldades em que as pessoas se encontrassem naquele quarto de lua. Por sua vez a lua cheia tão romântica no verão para os namorados, era temida no inverno por causa dos lobisomens cujo uivar se confundia com o do vento.
O tempo! Ah! O tempo...
Às vezes nem parece o mesmo de quando nasci.
Está tudo tão diferente!
Para pior, acho eu.
Naquela época não havia casa, casebre ou sócha que não contivesse lá dentro uma família.
Fosse uma pessoa para onde fosse, da Beirã ao Cabeço de Seixo, da Beirã à Atalaia, da Beirã às Amendoeiras, da Beirã à Retorta, por todos os lugares dos quatro pontos cardeais havia gente a morar, a trabalhar, a viver.
Por toda a parte se ouviam vozes de gente a conversar, pastores a assobiar aos gados, searas a ondular ao vento nas tapadas, pomares e abundantes hortas a bordejarem os ribeiros e regatos.
Chamava-se a isso...
- Vida.
Tudo deixou de existir.
Bastaram cinquenta anos.
Tudo foi sendo varrido destas paragens como se um vento ruim por aqui tivesse passado, levando quanto havia com ele.
E não sei se não foi mesmo.
É contranatura vermos morrer antes de nós a nossa terra, as nossas tradições, a nossa cultura, os nossos hábitos, usos e costumes.
Porque eles são – ou deveriam ser - a identidade perene do povo da nossa região e país.