terça-feira, 31 de maio de 2022

Não é desculpa, é a verdade

Belize - Angola - 1973

Vinte e oito de maio de dois mil e vinte e dois. Esta data vai ficar para o resto da minha vida – que naturalmente não será já muito longa – como um dos dias mais emotivos e felizes que vivi, porque foi aquele em que reencontrei a minha Família de coração que nunca esqueci, mas com a qual não reunia há quarenta e oito anos.

Família de coração porque lhe quero bem e dela fiz parte desde novembro de mil novecentos e setenta e um em Estremoz onde se formou o BCav3871 com destino a Angola, até junho de mil novecentos e setenta e quatro, no RAL 1 em Lisboa, onde nos despedimos uns dos outros no ansiado e definitivo regresso a casa após vinte e sete longos meses.

Unidos na permanente saudade das nossas famílias de sangue e da pacatez das nossas jovens vidas, cercados pela insegurança diária em cada deslocamento e até mesmo dentro dos quarteis, habitámos aquele impenetrável Maiombe que cúmplice acoitou sempre nas suas entranhas o letal e permanente perigo dos guerrilheiros, das traiçoeiras emboscadas, das minas e armadilhas que profusamente semeavam pelos trilhos para matar alguns camaradas e estropear outros.

Nenhum de nós, cada vez que isso aconteceu – aposto tudo quanto quiserem – deixou de equacionar a sombria hipótese de…

- Para a próxima, posso ser eu.

Viver assim meses e meses na corda bamba sem saber onde nem quando o infortúnio poderia desabar sobre as nossas cabeças, sentir necessidade de desabafar com o camarada mais próximo, de falar dos pais, dos irmãos, da namorada ou esposa, alguns dos filhos até, gerou laços de amizade, de irmandade e solidariedade, inquebráveis. Por isso, suceda o que suceder, nem o tempo nem a distância conseguirão apagar essas memórias que viverão connosco enquanto o coração bater.

Voluntário por opção e sendo um dos mais novos Cavaleiros do Maiombe, não foi de todo mais fácil para mim do que para os camaradas mais maduros. Pelo contrário. Mas já passou. Infelizmente – ou felizmente, não sei bem – o objetivo que me levou a ser voluntário não me foi propício porque ao regressar a casa só havia abundância de slogans revolucionários, mas estabilidade e empregos, zero.

Tive por isso mesmo de voltar à estaca zero, imigrar para longe da família e da minha casa, abraçar uma profissão nunca antes imaginada – a de mineiro – na qual permaneci cinco também longos anos, casei, fui pai do primeiro filho o qual só podia visitar duas ou três vezes por mês dada a enorme distância, até que a família conseguiu convencer-me a mudar de vida e ingressei nas forças de segurança em mil novecentos e setenta e nove.

Escusado seria dizer, mas nestes primeiros cinco anos o único contacto esporádico que mantive com o BCav3871 foi através de um dos Cavaleiros do Maiombe a quem convidei para padrinho do meu primeiro filho, o qual aceitou. Depois, nos anos seguintes, já como militar da GNR entendi não me acomodar e decidi ascender aos postos imediatos possíveis. Cabo e depois Sargento. Foi duro, muito duro, porque as habilitações literárias eram as reduzidas ao menor denominador comum.

A quarta classe.

Tive em consequência disso de “marrar” feio e forte durante três anos e meio no Centro de Instrução da GNR da Ajuda, depois na Escola da Guarda em Queluz e posteriormente na Escola Prática de Infantaria em Mafra, nos volumosos calhamaços até altas horas da madrugada todos os dias, para conseguir decorar matérias infindáveis e complexas que tinha de debitar nos testes semanais.

Nunca equacionei a hipótese de chumbar por falta de aproveitamento apesar de o leque de matérias ser muitas vezes desanimador e consegui lá chegar, sem favores de ninguém. E cheguei onde queria, mas não me ficava tempo para mais nada. Lembro-me de, aos fins de semana, em casa, ter de levantar-me às seis da manhã para ir estudar matérias para a sala em silêncio, antes de os filhos – já então dois – acordarem.

Depois…

A responsabilidade de comandar o Posto misto de Infantaria/Cavalaria de Nisa, seguida da nomeação para chefiar a secretaria da CCS e simultaneamente ministrar instrução aos candidatos a Guardas no Centro de Instrução de Portalegre, onde permaneci os últimos dez anos de carreira e terminei o meu percurso, passando à situação de reforma.

Entretanto as décadas foram-se somando e passando. Perdi, na voragem dos dias, o contacto com o compadre Cavaleiro, mas tive o grato privilégio de comandar em Nisa outro digníssimo Cavaleiro do Maiombe que todos devem recordar porque foi o Condutor da ambulância da CCS e também militar de Cavalaria da GNR Joaquim Augusto Moreno Lopes, que infelizmente acompanhei à sua última morada já há alguns anos, mas de cujo filho João Gregório Faustino Lopes continuo amigo e em contacto.

O que se resume em meia dúzia de parágrafos contém quarenta e oito anos de ausência desta Família BCav3871 que nunca deixei de estimar. Cada camarada Cavaleiro teve obviamente o seu percurso de vida como eu, com mais ou menos dificuldades, mas que sempre terão comparecido à “chamada” anual de reunir. Não me sinto nem mais, nem menos que nenhum deles, porque estive de facto fisicamente ausente, mas nunca os esqueci. Nem poderia, mesmo que quisesse, porque ano após ano recebi sempre a Carta-convocatória para o Almoço-convívio, além de várias tentativas pessoais do digno camarada e amigo Adelino Magalhães Torres a quem sou grato.

Termino como comecei.

Vinte e oito de maio de dois mil e vinte e dois. Esta data ficará para o que restar da minha vida como um dos dias mais emotivos e felizes que vivi, porque em Peniche me senti de regresso a casa e à minha gente depois de uma longa ausência, exatamente o que em junho de setenta e quatro senti quando, a vir da guerra, cheguei à Beirã. Uma fraterna saudação para todos os Cavaleiros do Maiombe e suas Famílias que estiveram na 48ª Confraternização do BCav3871 em Peniche, outra ainda para todos os que não puderam ou não quiseram comparecer. Talvez a 27 de maio de 2023 possamos reencontrar-nos aqui pelo Alto Alentejo.

Bem hajam todos.

José Coelho

segunda-feira, 30 de maio de 2022

Desiderata

Foto José Coelho

Vai serenamente por entre a agitação e a pressa, lembra-te da paz que pode haver no silêncio.

Sem seres subserviente, mantém-te, tanto quanto possível, em boas relações com todos.

Diz a tua verdade calma e claramente e escuta com atenção os outros, mesmo que menos dotados e ignorantes. Também eles têm a sua história.

Evita as pessoas barulhentas e agressivas, são mortificações para o espírito.

Se te comparas com os outros, podes tornar-te presunçoso e melancólico, porque haverá sempre pessoas superiores e inferiores a ti.

Apraz-te com as tuas realizações tanto como com os teus planos, põe todo o interesse na tua carreira ainda que ela seja humilde, é um bem real nos destinos imutáveis do tempo.

Usa de prudência nos teus negócios, porque o mundo está cheio de astúcia, mas que isso não te cegue a ponto de não veres virtude onde ela existe.

Muitas pessoas lutam por altos ideais e em todo o lado a vida está cheia de heroísmo.

Sê fiel a ti mesmo.

Sobretudo, não simules afeição, nem sejas cínico em relação ao amor, porque em face da aridez e do desencanto, ele é perene como a relva.

Toma amavelmente o conselho dos mais idosos, renunciando com graciosidade às ideias da juventude.

Educa a fortaleza de espírito para que te salvaguarde de uma inesperada desdita, mas não te atormentes com fantasias. Muitos receios surgem da fadiga e da solidão.

Para além de uma disciplina salutar, sê gentil contigo mesmo. Tu és um filho do Universo e tal como as árvores e as estrelas, tens o direito de o habitar.

E quer isto seja ou não claro para ti, sem dúvida que o Universo, é-te disto revelador. Portanto, vive em paz com Deus, seja qual for a ideia que Dele tiveres. E, quaisquer que sejam as tuas lutas e aspirações na ruidosa confusão da vida, conserva-te em paz com a tua alma.

Com toda a sua falsidade, escravidão e sonhos desfeitos, o Mundo é ainda maravilhoso.

Sê cauteloso, luta para seres feliz.


Max Ehrmann

Pensamento do dia

Foto José Coelho - 30.05.2022

"Quando uma porta se fecha, outra se abre. Mas nós, muitas vezes, ficamos tanto tempo tristes a olhar para a porta fechada, que nem damos conta da outra que se abriu."

Alexander Grahan Bell

Eucaristia pelos Camaradas falecidos

domingo, 29 de maio de 2022

De coração cheio

Só os camaradas da guerra
Foto Carlos Gonçalves

Camaradas da guerra e suas Famílias
Foto Valter Anão

Missa pelos camaradas falecidos 
Foto Carlos Gonçalves

Oração dos Fiéis na Missa pelos camaradas falecidos
Foto Pedro Coelho

Amigos desde 1971 com as maridas no almoço-convívio
Foto Valter Anão

Com a namorada que já era quando fui para a guerra
Foto Valter Anão

  A confraternizar com os companheiros da guerra Tito Caetano,
Francisco Gomes, Adelino Torres e Telmo Fonseca, após o almoço.
Foto Manel Coelho

Bolo do 48º Aniversário do nosso regresso a casa
Foto Mário Sousa

Cartão de identificação porque as fisionomias naturalmente mudaram
Foto José Coelho

No jardim da Messe de Oficiais no Belize em 1973


Para o ano haverá mais! Até lá, Camaradas.

quinta-feira, 19 de maio de 2022

Tão oportuno como sensato

Coisas que se leem e fazem bem

Foto José Coelho

"Benditos sejam, os que chegam à nossa vida em silêncio e com passos leves para não acordarem as nossas dores, não despertarem os nossos fantasmas, não ressuscitarem os nossos medos. Benditos, os que se dirigem a nós com leveza e gentileza, falando o idioma da paz, para não assustar a nossa alma. Benditos sejam, os que tocam o nosso coração com carinho, nos olham com respeito e nos aceitam inteiros, com todos os nossos erros e imperfeições. Benditos sejam, os que podendo ser qualquer coisa na nossa vida, desejam ser doação. Benditas sejam, essas pessoas que chegam à nossa vida como amigos, que dão asas aos nossos sonhos e, tendo a liberdade de ir, escolhem ficar. Bendito és tu, hoje, por mais este novo dia que Jesus te concede. Seja este dia que se avizinha, um dia de dor ou alegria, mas bendito és tu; porque hoje, tens de novo, em tuas mãos, a oportunidade de mudar o teu mundo, vincares o teu amor pelos que te rodeiam, estender as tuas mãos aos que te pedem, sorrir a quem ontem desviaste o olhar, abraçar a quem ontem afastaste… não desperdices o amor que te foi concedido e corre nas tuas veias, não deixes que nada nem ninguém interrompa esse fluxo de energia poderoso que há em ti. A tua vida não é só insuflar oxigénio para que te mantenhas vivo, a vida verdadeira é conseguires ser tu, no meio de tantos diferentes de ti mas que todos têm o nome de pessoa. Escuta o teu coração, sente cada pulsar de vida que te estremece o peito… deixa que acelere na alegria e entusiasmo mas abrande ritmado diante das dificuldades. Não tenhas receio de não ser compreendido, nem tudo precisa de resposta: sê apenas tu, com todo o teu amor! Um dia muito feliz para todos, com Jesus no coração."

 Pe Ricardo Esteves

quarta-feira, 18 de maio de 2022

Cada um colhe aquilo que semeia!



Terceira colheita de ervilhas da horta e mais três baldes delas já cheias de grossos e suculentos grãos para congelar.
18.05.2022

Cosas que leo y me gustan


"Si te preguntan que fuimos, diles que fuimos las ganas de serlo TODO. Pero al final, no fuimos NADA"

#Escritos amargos

terça-feira, 17 de maio de 2022

Happy birthday!



Hoje é dia de festa para os filhotes seniores. E para nós também! A pipoca Filipinha cumpre o seu 17° aniversário. Parabéns, um dia feliz para os quatro e até mais logo, meus queridos...

É chegado o tempo...


... das frescas saladas. Hoje, de bacalhau com grão. Falta o branco alentejano fresquinho que só excecionalmente se pode degustar.
Foto José Coelho
17.05.2022

Primavera 2022

Com tanto calor, as rositas já estão a perder a cor!
Foto José Coelho - 17.05.2022

segunda-feira, 16 de maio de 2022

Mais vale prevenir

Selfie José Coelho em Nisa

Nós vamos continuar a usá-las sempre que entendermos ser o mais aconselhável, porque ambos temos problemas crónicos de saúde e exames para fazer periodicamente, consultas e exames previamente agendados pelos médicos que nos tratam. É complicadíssimo perder qualquer consulta ou desmarcar exames que depois será muito difícil voltar a remarcar a tempo. A Covid continua aí entre nós e quem tem telhados de vidro, não pode atirar pedras!

Por vezes há que refletir

Foto Pedro Coelho

Passei a maior parte da minha vida a colocar as necessidades dos outros em primeiro lugar. 

Algumas pessoas diziam-me:

- Pensa mais em ti!

Outras, pelo contrário, exigiam mais, cada vez mais, sem nada retribuírem.

Finalmente entendi que quem vivia errado era eu porque devo pensar sempre primeiro em mim e nas minhas necessidades.

Isso não impede, contudo, que sinta orgulho por ter agido de boa-fé e com o coração.

Memórias que nunca se apagam (2)

A camarata onde tomava duche e descansava depois dos turnos na Mina

Agosto de 1978. Sendo o mês das férias para todo o efetivo da Celtex, a fábrica de calçado onde a minha Maria trabalhava, mais uma vez ela e o nosso filho rumaram às Minas da Panasqueira para passarem comigo essas semanas na casa do meu chefe José Mouro, a cuja família nos afeiçoámos como se da nossa se tratasse. Como já vinha sendo hábito, em Setembro vinha eu com eles para casa também de férias, sendo essa a única maneira possível, desde que casáramos, de conseguirmos ficar dois meses inteiros juntos. E foi nesse ano que, não sei como nem por quem, a minha mãe e a minha cara-metade souberam que estava aberto concurso para admissão de praças à GNR.

 

Cada uma delas, à vez, foram-me azucrinando aos ouvidos que aquela sim era uma vida decente e que ser mineiro era andar como as toupeiras sempre debaixo do chão sem ver a luz do dia, e mais isto, e mais aquilo. Para deixar de as ouvir, mais do que por convicção, lá fui tratar da papelada necessária ao posto de Santo António das Areias onde fui primorosamente atendido pelo guarda Pouca Roupa – hoje já falecido – que era o comandante interino porquanto o cabo estava de baixa.

 

Preenchido e entregue o requerimento nunca mais me preocupei com aquilo, e, aqui para nós, sinceramente, nunca tencionei enveredar por tal carreira pois não me via de novo fardado e muito menos de polainas nas pernas e com uma feia espingarda às costas a patrulhar caminhos. Regressei por isso depois das férias às Minas e logo pus o meu chefe ao corrente do que tinha feito, confidenciando-lhe que fora mais para calar as mulheres do que pela intenção de mudar de profissão.

 

Para meu espanto ele ficou um grande bocado a pensar em silêncio, e, passado esse tempo de reflexão, respondeu-me num tom algo solene:

- Olha Zé Manel! Sinceramente tenho muita pena que te vás embora porque nos afeiçoámos a ti, não só eu e a minha família, mas também os teus camaradas mineiros e amigos, o teu primo João e a família, o Antero e a família, o Zé Maria, o Pinto e o pessoal das Preparações que muito te estimam todos. Mas acho que deves empenhar-te a sério e que deves tentar entrar. A mina não te leva a lado nenhum. Vais é apanhar silicose como todos nós. Andas para aqui desterrado longe da família, uma vez que a tua mulher não quer para cá vir viver. Por isso, pensa bem. É um futuro melhor, mais limpo e muito menos arriscado…

 

Entretanto, a Vida quis de novo surpreender-me. O requerimento para ingresso na GNR que preenchera em Setembro fora deferido em pouco mais de quinze dias e quando voltei a casa no fim de semana seguinte fui chamado ao posto de Santo António das Areias a fim de ser notificado para ir prestar provas de admissão em Novembro. Logo que regressei ao trabalho na segunda-feira seguinte, fui entregar cópia da notificação na Secção de Pessoal da Beralt Tin & Wolfram a solicitar rescisão do contrato de trabalho no prazo legal, para serem processados em tempo os honorários que me fossem devidos. Fi-lo com infinita pena pois sentia no meu íntimo que estava a encerrar um dos melhores capítulos da minha vida e que provavelmente nunca mais iria encontrar amigos tão leais e verdadeiros como os que ali tivera o privilégio de conhecer.

 

Era de facto uma mudança de rumo por mim decidida, mas que me entristecia bastante. Não pela qualidade do trabalho, muito pelo contrário, porque o serviço do mineiro seja em que mina for, é um serviço muito sujo e desempenhado nas profundezas da terra entre lama, humidade, poeiras suspensas, máquinas e escuridão. Porém, a forma como fora recebido pelos meus conterrâneos quando ali cheguei, a estabilidade financeira que se instalara na minha vida graças ao então muito bem remunerado trabalho, as sinceras amizades que se estabeleceram entre mim, a minha família e os mineiros, bem como a minha enorme gratidão pelo conjunto de todas essas circunstâncias, tinham tocado no mais profundo do meu ser.  Não foi por isso nada fácil dizer-lhes adeus.

 

Lá deixei, sem dúvida alguma e para sempre, um bocadinho do meu coração. Nunca havia sido tratado com tanto respeito e dignidade, nunca conhecera pessoas tão generosas, nunca me tinha adaptado tão bem em lugar algum. Mas tinha também a obrigação de refletir que havia mais vida para além das Minas da Panasqueira e a família de quem vivia longíssimo há quase cinco anos também tinha uma palavra a dizer. Depois aquele tão sensato como íntegro conselho do Zé Mouro calou fundo no meu íntimo e mexera comigo. Pensara maduramente em tudo quanto me dissera e compreendera que era chegado o momento de encerrar aquele capítulo da minha vida porque estavam destinadas novas páginas que precisavam ser escritas.

 

E assim foi.

 

Fui a Lisboa – Santa Bárbara prestar as provas de admissão exigidas para ingressar no quadro efetivo da Guarda Nacional Republicana. Sem dificuldades de maior – passe a imodéstia da afirmação – consegui passar todas as provas e fui notificado nesse mesmo dia para me ir apresentar a 22 de Janeiro de 1979 no Comando da Companhia Territorial de Portalegre onde ia ser ministrado o 1º Curso de Formação de Praças desse novo ano.

 

Continuava apesar de tudo sem motivação alguma para aquela profissão completamente desconhecida para mim. A alergia à farda mantinha-se viva pois o Maiombe ainda estava demasiado fresco na memória. Em contrapartida, a família estava feliz, muito feliz. Achavam que aquela sim era uma profissão segura e com futuro, por ser “Estado”. E porque tinham conseguido finalmente levar a melhor e tirar-me do buraco da Mina onde temiam que eu pudesse morrer entaipado algum dia, esquecendo aquele ditado popular que vaticina que “quem tem de morrer em palheiro, nunca erra a porta”.

 

Mas pronto. Venceram.

 

A euforia familiar era compreensível. Contudo, nunca, jamais, em tempo algum, eu imaginara que um dia iria ser guarda e muito menos da GNR, com quem nunca tivera qualquer afinidade. Para mim, fardas, quando muito, só civis. A de carteiro ou a de ferroviário, que essas sim, eram profissões que eu conhecia desde menino e com as quais me identificava e sonhava, sendo qualquer delas a principal motivação que me levara a oferecer-me voluntário para o serviço militar aos 17 anos.

 

Assim que regressei da guerra, logo enviei cartas para as respetivas chefias dos CTT e da CP, onde solicitava inscrição para emprego. Infelizmente, ambas me deram por resposta num lacónico ofício:

Com os melhores cumprimentos lamentamos informar V. Exª que não está presentemente aberto qualquer processo de admissão de pessoal aos quadros desta empresa...

 


José Coelho – Histórias do Cota

O pastor

Foto Estúdio Cardinho Ramos
Castelo de Vide 1964

Foto José Coelho

Pastor, pastorinho,
onde vais sozinho?

Vou àquela serra
buscar uma ovelha.

Porque vais sozinho
pastor, pastorinho?

Não tenho ninguém
que me queira bem.

Não tens um amigo?
Deixa-me ir contigo.


Eugénio de Andrade

domingo, 15 de maio de 2022

Memórias que nunca se apagam (1)

Com os primos Augusto Coelho e Fernanda Varela na Casa de Fados "O Campino" em Luanda, na noite de 10.03.1972 

Passei a adolescência sem quase dar por isso. Dos 10 aos 16 anos não tive grandes aventuras. Era um rapazola como todos os outros, trabalhava, namoriscava e lia calhamaços com centenas de páginas que me eram emprestados pela biblioteca itinerante Calouste Gulbenkian. Os Miseráveis de Vitor Hugo, Guerra e Paz de Leão Tolstoi, O Monte dos Vendavais de Emily Bronte, a Ilha Misteriosa ou as Vinte Mil Léguas Submarinas de Júlio Verne… E muitos, muitos outros que trazia sempre comigo no bornal da merenda atrás das ovelhas e passava tardes inteiras a ler enquanto os animais pastoreavam. Ou então no meu quarto ao serão e à luz do candeeiro a petróleo, já depois de andar a trabalhar na equipa do meu pai. Entretanto ia sonhando – sempre fui sonhador – com um futuro mais risonho e promissor do que aquele havia tido até então, ciente sempre que a tropa era o obstáculo que tinha forçosamente de ser transposto primeiro, ou nada feito!

 

A guerra colonial era uma ameaça muito séria à vida de todos os mancebos apurados “nas sortes” desse tempo, pois só escapavam da mobilização um número ínfimo dos incorporados em qualquer dos ramos das forças armadas desde 1961. No cemitério da nossa aldeia como no de tantas outras por esse país fora repousam alguns desses heróis e entre eles alguns amigos de infância. Não havia, porém, outra hipótese de se conseguir um emprego estável, porque a regra de ouro para qualquer concurso de admissão era obrigatoriamente o serviço militar resolvido.

 

Provinciano ingénuo mas também aventureiro, nunca tive medo de enfrentar o que quer que fosse. Mal completei 17 anos pedi aos meus pais autorização para me alistar como voluntário no exército. Se aquele era um caminho que tinha de ser percorrido, que o fosse o quanto antes! O meu pai não se opôs, mas a minha mãe ficou logo lavada em lágrimas argumentando que eu teria muito tempo de ir para lá padecer quando chegasse a minha vez. Porém a minha determinação – se calhar teimosia pois sempre fui teimoso – conseguiu ser mais persuasiva e lá levei o meu pai comigo à Câmara de Marvão para assinar com a sua impressão digital – por não saber escrever – o consentimento paterno obrigatório por lei em virtude de eu ser de menor idade uma vez que à época a maioridade só se atingia aos 21 anos.

 

A necessidade de carne para canhão – como diziam – nas forças armadas era imensa porque a guerra estava no auge. Em todas as frentes se combatia e todas as armas eram por isso poucas. Entretanto e para agravar ainda mais a necessidade de novos contingentes para rendição dos combatentes nas frentes dos conflitos, muitos jovens fugiam para o estrangeiro, descartando-se das suas obrigações para com o serviço militar obrigatório evitando dessa forma irem parar àquele inferno.

 

Por isso ou porque tinha de cumprir-se o meu destino  fui pouco depois convocado para comparecer na inspeção militar no hoje extinto Regimento de Infantaria Nº16 de Évora onde fiquei apurado sem qualquer problema e me foi entregue logo uma guia de marcha já preenchida para ir apresentar-me na incorporação seguinte no Batalhão de Caçadores Nº 3 em Elvas a frequentar a recruta.

 

Completada a recruta e selecionado para a especialidade de Transmissões de Infantaria, rumei ao também hoje já extinto Batalhão de Caçadores Nº 5 que se situava em Lisboa - Campolide por detrás do edifício da Penitenciária. Ali me especializei no manuseamento daquelas velhas máquinas E/R Racal TR28B2, AN/GRC9, ANPRC10 e outras velharias que emitiam tantos silvos de estática que se tornava um problema sério conseguir perceber e receber mensagens fonéticas, tendo por isso que se optar quase sempre pelas mensagens cripto. Ainda assim e em consequência da minha excelente classificação nos testes, fui proposto para a promoção a cabo de transmissões contando a antiguidade  desde o dia em que o curso terminou.

 

Voltei ao BC8 de Elvas já como especialista a prestar serviço na central rádio, mas do final do curso até à mobilização para Angola, foi um passo. Já com quase um ano “de tarimba” fui mobilizado e incorporado no Batalhão de Cavalaria 3871 que se formou no RC3-Estremoz em Dezembro desse ano e onde fizemos a IAO (Instrução para a Actividade Operacional) na Serra d’Ossa, debaixo de chuva, lama, gelo e frio de rachar, finda a qual fomos recambiados para o Campo Militar de Santa Margarida a aguardar embarque para Luanda, de onde só saímos quase três meses depois.

 

Embarcámos no Aeroporto da Portela num Boeing 747 – grande luxo para a época – na chuvosa e fria noite de 7 de Março de 1972, agasalhados com aqueles fortes blusões de lã verde que mais pareciam de serapilheira e recordo a figura que fizemos ao sairmos do avião em Luanda oito horas depois, no meio de um calor tropical de 40 graus celsius. Que ridículos parecíamos agasalhados naquelas vestes que tão bem nos haviam aquecido oito horas antes na gelada Lisboa.

 

Logo a seguir fomos carregados em camiões Berliet – como como se carrega aqui no Alentejo o gado – e foram despejar-nos ao Campo Militar do Grafanil nos subúrbios de Luanda onde permanecemos mais 4 dias. Assim se deu a casualidade de cumprir o primeiro dos três aniversários que completei em África. Chegados na manhã do dia 8 de Março e sendo o meu aniversário a 10, lá completei os 20 com apenas dois dias de comissão em 1972, depois os 21 em 10.03.1973 no Belize, e ainda os 22 em 10.03.1974 já na cidade de Cabinda a aguardar evacuação para a Fazenda Tentativa no Caxito até ao almejado regresso a casa.

 

Naquele primeiro embate com o desconhecido a milhares de quilómetros de casa, porque, querendo ou não, eu era ainda um gaiato além de nunca ter saído do meio das minhas provincianas paisagens, valeu-me bastante o facto de ter tios e primos em Luanda – a irmã mais nova do meu pai, a tia Francisca Coelho que lá vivia com o marido e os filhos havia décadas – e me ter sido permitido pelos meus superiores ir passar esse dia e essa noite em casa deles.

 

Foi um aniversário memorável. Primeiro, porque nunca tinha festejado nenhum pois os meus pais não tinham dinheiro nem tempo para celebrações aniversarias que isso eram coisas de ricos. Segundo, porque o Augusto, o mais novo dos primos, com a sua esposa, a Fernanda Varela – ambos já falecidos – depois de jantarmos todos juntos em casa dos tios, levaram-me com eles à Casa de Fados “O Campino” onde a prima Fernanda era fadista e assim assisti à primeiríssima noite de fados da minha vida, o que só por isso foi uma coisa de todo espetacular para mim. Nessa noite provei também pela primeira vez na minha vida o uísque, bebida que só conhecia dos saloons nos inúmeros livros de cowboys que lera desde os 10 anos.

 

Foi porém sol de pouca dura porque o dia imediato trouxe-me o início do tempo mais duro e complicado da minha vida. Numa “Ariete” marítima – espécie de plataforma achatada que navega, também  chamada LDG – misturados com as nossas bagagens e por entre dezenas de caixotes de víveres para o comércio de Cabinda, rumámos do porto de Luanda à foz do Rio Zaire numa viagem de dois dias e uma noite com destino ao denso e traiçoeiro Maiombe onde nos aguardavam os guerrilheiros – turras como vulgarmente lhes chamavam – da UPA – União dos Povos de Angola, do MPLA – Movimento Para a Libertação de Angola, e da FLEC – Frente de Libertação do Enclave de Cabinda, para nos fazerem a vida negra nos 670 dias que se seguiriam...

 

José Coelho – Histórias do Cota

Dia Internacional da Família


Durante décadas aqui se reuniu a nossa Família Coelho. Hoje já não porque a Vida no seu imparável percurso foi separando e levando a uns e outros um pouco para toda a parte. Não tenho no entanto qualquer dúvida que, no coração de todos e de cada um, vivem guardados esses momentos de união e felicidade que juntos aqui vivemos. Porque a vida tem de continuar, Feliz Dia da Família para todos, onde quer que estejam.

É quanto me basta




Que nunca me falte a estrada que me trouxe até aqui, a força que sempre me levanta, o amor que me humaniza, a razão que me equilibra, e a paz interior que me dá o dormir tranquilo.

terça-feira, 10 de maio de 2022

Coisas que leio (e aprendo)

Foto Pedro Coelho


 Rosa silvestre

A roseira brava (Rosa canina L.), também conhecida como rosa canina, rosa selvagem ou rosa silvestre é um arbusto vivaz, nativo da Europa e regiões temperadas da Ásia e África do Norte e, em Portugal, cresce em sebes e bosques em quase todo o continente e regiões autónomas.

Pensa-se que a origem do seu nome (canina) possa ter um sentido diminutivo em relação a outras variedades de rosas ou então ao facto desta planta ter sido usada em tratamentos de mordidelas de cães, eventualmente raivosos, devido à sua acção anti-inflamatória.

A roseira brava é tradicionalmente utilizada em xaropes, chás e até marmeladas e o interesse medicinal pela mesma está documentado desde o tempo de Hipócrates, tendo a sua importância crescido durante períodos de escassez ou guerra, devido aos seus elevados teores de vitamina C.

Durante a Segunda Guerra Mundial, quando a Inglaterra não podia importar citrinos frescos, o seu governo organizou uma colecta de bagas de Roseira Brava para fabricarem um xarope a ser usado na prevenção do escorbuto (doença provocada pela carência de vitamina C).

Da roseira brava, os pseudofrutos (cinorrodos) são a parte mais utilizada, são bagas pequenas e avermelhadas que, para além de ricas em vitamina C, possuem vitaminas do complexo B, pigmentos amarelos e vermelhos, flavonóides e taninos, entre outros, que ajudam na prevenção e tratamento de debilidades físicas, sindromas gripais, doenças infecciosas e também em casos de carência de vitamina C.

O seu teor de vitamina C (1700 a 2000 mg/100g), superior ao da acerola e dos citrinos, faz da roseira brava uma fonte natural de vitamina C e antioxidante utilizada em suplementos alimentares, tendo valores superiores desta vitamina apenas o Kakadu Plum, um fruto Australiano e o camu-camu, fruto existente na Amazónia.

As folhas de roseira brava na forma de cataplasma (aplicação sobre a pele de uma substância pastosa efectuada com a planta e geralmente quente) promovem a cicatrização de feridas.

Para além de ter actividade antioxidante e diurética, a infusão de roseira brava é uma bebida deliciosa e aromática, com cor e sabor intensos que poderá ser tomada várias vezes ao dia, recomendando-se uma dosagem de 2 a 5 g por chávena.
No caso de pretender a acção diurética da roseira brava, para obter uma melhor extracção, nomeadamente de taninos, poderá ser efectuada uma decocção com uma dosagem de 30 g/L e poderá tomar até 1 litro por dia. Para este preparado deixe ferver os frutos 2 minutos e após mais dez minutos de infusão poderá ser consumido.

In - Roseira brava | Celeiro

segunda-feira, 9 de maio de 2022

Excelente iniciativa




A Federação de Portalegre organizou a iniciativa "PS Presta Contas" em Marvão, na Casa da Cultura.
Este momento contou com a presença do Professor Pedro Adão e Silva, Deputados, Autarcas, militantes e simpatizantes do Alto Alentejo.