quinta-feira, 28 de maio de 2020

Coincidência (ou talvez não)


Vitral da Basílica de S. Pedro - Roma

Retomamos no próximo sábado dia 30 de Maio as semanais celebrações eucarísticas ou outras também regulares na Igreja Paroquial de Nossa Senhora do Carmo da Beirã, interrompidas abruptamente quase ao início da quaresma deste ano da (des)graça de 2020. Pensava eu que já tinha visto tudo e que pouco mais haveria para me surpreender neste complexo mundo, numa vida a entrar pelo "outono" adentro e a aproximar-se a passos largos de somar sete dezenas de primaveras.

Pensava, mas estava tão enganado! O inimaginável surgiu subitamente e a vida de todos nós, de todas as pessoas de todos os continentes, foi subitamente ameaçada por um inimigo invisível, letal e altamente contagioso que ninguém conseguiu ainda conter, pelo menos desde que da pior maneira se deu a conhecer até ao momento em que estou a escrever estas letras. A ciência global luta tenazmente com todas as suas capacidades, avança e recua, mas a solução ainda não foi definitivamente encontrada. Nem sabemos se será.

O mundo inteiro foi obrigado a parar por completo e a confinar-se em casa para tentar proteger-se enquanto uma sucessão imparável de contagiados entupiam os sistemas de saúde de cada país e as baixas somavam muitos milhares por dia, sobretudo os mais vulneráveis, velhos, doentes crónicos debilitados por outras patologias, mas não só, porque também os mais jovens têm sido vítimas, ainda que felizmente em menor número. Vi imagens que dificilmente irei esquecer no resto da minha vida. Mortos amontoados em câmaras frigoríficas à espera de vez para serem sepultados ou cremados, pilhas de caixões a entupir morgues, funerais sem acompanhantes, colunas militares a transportar mortos para sepultar noutros cemitérios em virtude de os locais terem colapsado na sua capacidade de resposta.

As notícias do dia a dia eram pura e simplesmente aterradoras. Não sei se algum dia saberemos a verdadeira dimensão desta tragédia mas o pouco que já sabemos é suficientemente mau para ficarmos inquietos e perplexos. Nunca imaginei nada assim, ninguém poderia imaginar, julgo eu. Mas uma coisa ficou bem patente para a humanidade inteira. Somos pó. Somos nada. Somos muito mais frágeis e impotentes do que alguma vez imaginámos e não há imunidade que nos possa valer em situações desta natureza. 

E outras pandemias virão, diz-se.

Ninguém está a salvo ou escapa à força da natureza quando ela se manifesta. Não há ricos e pobres, há apenas seres humanos reduzidos à sua vulnerabilidade e dimensão. Ainda não acabou o perigo, ainda não estamos livres desta ameaça e o futuro é uma enorme incógnita, mas sirva esta pandemia e tudo o que dela já conhecemos para ao menos nos fazer reflectir e sermos capazes de mudar algumas coisas. Um pouco mais de humildade para quem se julga superior aos outros, um pouco mais de fraternidade para quem julga não precisar de nada nem de ninguém.

Sinceramente nunca senti medo de morrer desta. Aprendi à minha custa e a duras penas a superar essa fraqueza lá longe, com vinte tenros anos, quando a vida me colocou no meio de uma guerra em África. Algum receio que eventualmente possa perturbar o meu subconsciente não é por mim mas pelos filhos, pelas netas, pela família, sobretudo pelos mais novos. Eu já vivi bastante, já penei muito e também já fui imensamente feliz. Por tudo isso não tenho medo. Mas quero, naturalmente, que a vida seja propícia e venturosa para os que amo.

Começou esta tragédia humanitária global em plena quaresma. Um tempo de reflexão por excelência para toda a comunidade cristã na qual me incluo. Quaresma estranha, atípica, onde seguramente muita gente questionou:
- Porquê, meu Deus? 
  Ou... 
- Onde está Deus? 
Arrepiante foi ver o nosso Papa aparentemente tão frágil e tão tristemente só na imensa praça de Roma que congrega há dois mil anos milhões de fiéis para ali reviverem a paixão e morte de Cristo ano após ano. Da solitária homilia do Sumo Pontífice retive uma carismática frase: "Acreditámos que podíamos continuar a viver saudáveis num mundo doente..."

E quase a seguir, um treze de Maio com o recinto de Fátima sem peregrinos! Que perplexidade! Dessa atípica celebração retive também da homilia do Cardeal D. António Marto, duas partes: "O Santuário de Fátima que costuma ser um mar de luz, transformou-se num deserto escuro." E... "Fica connosco Senhor que se faz noite." Dificilmente esqueceremos tudo isto mas já sinais de esperança começam a aflorar ainda que não haja remédio reconhecido para combater eficazmente a ameaça. Lentamente, rodeada de mil cautelas, a vida das pessoas começa a desconfinar. O resultado logo se verá, não podemos permitir que o medo nos paralise indefinidamente .

Por cá pelo profundo e esquecido Alentejo também começámos a deixar de espreitar por detrás do postigo e já nos atrevemos a assomar o nariz à porta, mascarados e com luvas, não vá o "bicho" estar por aí pousado nalguma flor dos canteiros. E retomamos sábado - já não pode ser aos domingos porque não há sacerdotes - a única celebração comunitária semanal a que ainda temos direito, a missa vespertina do domingo seguinte, às seis da tarde. Curiosamente - ou talvez não - celebra-se nesse dia a Solenidade do Pentecostes, a descida do Espírito Santo sobre os Apóstolos e Maria Santíssima reunidos no Cenáculo.

À luz dos factos é apenas uma coincidência, à luz da minha fé é um sinal de esperança. O Espírito Santo nunca fez mal a ninguém nem sequer àqueles que não crêem n'Ele. É bom voltar à igreja nesse dia e para essa celebração. Como faço há décadas vou entoar no ambão mesmo com a máscara e como melhor for capaz a sequência do Pentecostes "Vinde ó Santo Espírito, vinde amor ardente, acendei na terra, vossa luz fulgente" e depois o salmo responsorial "Mandai Senhor o Vosso Espírito e renovai a terra". Vou ainda preparar os cânticos do coro apropriados para esta solenidade "O Espírito do Senhor, encheu todo o universo... " entre outros.

Vai ser um regresso ansiado por todos nós e vai ser também um regresso com regras para cumprir impostas pela Direcção Geral de Saúde e também pela Conferência Episcopal Portuguesa para protecção de todos. Temos que começar a atrever-nos a sair de casa, a reunir nos locais públicos, a orar juntos, em suma, a continuar a viver, atentas as necessárias e imprescindíveis cautelas...

José Coelho
28.05.2020

segunda-feira, 25 de maio de 2020

Um dos meus escritores favoritos...


Muro que cerca o povoado alto-medieval do Monte Velho - Beirã
Foto Pedro Coelho

"Há muros que separam nações, há muros que dividem pobres e ricos. Mas não há hoje no mundo muro que separe os que têm medo dos que não têm medo. Sob as mesmas nuvens cinzentas vivemos todos nós, do sul e do norte, do ocidente e do oriente. Citarei Eduardo Galeano acerca disso que é o medo global: “Os que trabalham têm medo de perder o trabalho. Os que não trabalham têm medo de nunca encontrar trabalho. Quando não têm medo da fome, têm medo da comida. Os civis têm medo dos militares, os militares têm medo da falta de armas, as armas têm medo da falta de guerras.” E, se calhar, acrescento agora eu, há quem tenha medo que o medo acabe."

Mia Couto

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Juntos de novo...

Ponto de encontro ancestral da Família - Foto José Coelho


Nada fazia mais feliz o meu pai, o ti Pexorra. Mulher, filhas, filho, genros e nora, netas e netos, cunhadas e cunhados, sobrinhas e sobrinhos, sogros ou mesmo até alguns primos chegados ou mais afastados. Para todos havia um lugarzinho no seu coração, para todos havia sempre também um lugar na sua casa, à sua volta, à sua (nem sempre farta) mesa ou ao redor do lume naquela belíssima e espaçosa chaminé que tinha a nossa cozinha para os serões frios do inverno.


No verão, era na varanda do quintal que tinham lugar as tertúlias familiares já que o calor convidava a procurar ali o fresquinho da noite. Não muito dado a grandes conversas, mimos ou sorrisos, era o senhor meu pai quase sempre portador de um semblante sério, sisudo, a dar assim para o mal encaradito às vezes. Mas isso nunca o impediu de ter bom íntimo e de ser capaz de dar a camisa que trazia vestida a quem dela necessitasse mais do que ele.


Herdei dele, com certeza, esta apetência viral para reunir a família regularmente cá em casa. Quantos mais, melhor. Nada me dá mais prazer. Filhos, noras, netas, irmãs, cunhados, sobrinhos ou tios, algumas vezes também alguns bons amigos com as respectivas famílias, pese embora sejamos por estas bandas cada vez menos, quer da hoste familiar, quer da dos amigos, já que não vai sobrando ninguém...


Continua ainda assim a ser sempre uma enorme satisfação quando na agenda de compromissos dos poucos que ainda por aqui restamos fica marcado que "tal dia" (normalmente aos fins de semana ou feriados) vai sair um arroz de pato, uma favada com chouriço, umas sopas de cachola, um pernil assado no forno, umas migas com toucinho frito, ou apenas uma sopa caseira de couves do quintal com ossos da soã curtidos em sal à moda da nossa mãe. Normalmente estes "petiscos" são um repescar de memórias e sabores que nos ajudam a viajar no tempo para irmos ao encontro daquele em que fomos tão felizes e não sabíamos.


Com os filhos casados e cada um em sua casa longe de nós, com a debandada de duas irmãs, uma para a cidade e a outra para o estrangeiro com os filhos e os netos, restamos por aqui só eu e a minha companheira de uma quase vida inteira a morar ao "cimo da aldeia". Resta também a caçula Joaquina com o seu Zé a morarem "na parte de baixo da linha" uma vez que as duas filhas de ambos "voaram" já também do ninho na procura de uma melhor vida longe daqui.


Não é fácil conseguir reunir por isso mesmo todo o clã, o que por vezes me deixa melancólico. Mas, tal como diz a Mariza na sua canção, "o tempo não pára e a gente só repara quando já passou". Eu reparo particularmente que a última década da minha vida não passou. Voou. Literalmente. E tantas, mas tantas coisas boas e menos boas aconteceram, que, definitivamente, não sou, nem voltarei a ser nunca mais, a pessoa que fui.


Vivo agora sem projectos e os sonhos também já estão todos sonhados. Por isso vou vivendo um dia de cada vez e tentando adaptar-me a este tempo que, de tão esquisito, se torna lento e infindável. O fim de semana vai ser particularmente bom para mim. Reunir à volta de um almoço e de um jantar cá em casa seis adultos e três meninas, é muito bom mesmo. Nos tempos que correm, reunir nove alminhas em convívio, é quase reunir uma multidão. Duas dessas crianças são as minhas netinhas. A Francisca e a Mariana. Lindas como só elas. E ambas parecem gostar muito de mim. A Filipa já quase uma senhorinha é irmã de mãe da caçulinha, mas para nós é mais uma netinha de coração a quem sinceramente e de igual modo amamos... 


José Coelho - 22.05.2020 in Histórias do Cota - O sagrado culto da Família.
(Excerto do texto original que adaptei ao presente fim de semana depois de mais de dois meses confinados sem nos podermos visitar, ver ou abraçar).

terça-feira, 19 de maio de 2020

Subitamente somos personagens da série Star Trek ao vivo e a cores
Foto José Coelho 19.05.2020

sábado, 16 de maio de 2020

Coisas que leio e saboreio...

Sino grande da Igreja da Beirã - Foto José Coelho

Um sino brada só, na imensidão,
meu velho companheiro desta tarde,
seu triste e longo som traz a saudade,
lembrando, além da morte, a solidão…
Repete em seu repique a lentidão,
abraça toda a terra, a realidade,
e esvai em mim meu ser, minha entidade,
já mal oiço bater o coração!
Soturno, lá badala a sua lei,
dolente no seu som, vago e alheado,
simula a voz dorida de algum rei,
que há muito do seu trono foi tirado..
Parece um sentimento onde encontrei
a face entristecida do meu fado…
Rui Rosas da Silva

Inimaginável e inesquecível...

Noite de 12 de Maio de 2020
Foto Santuário de Fátima

terça-feira, 12 de maio de 2020

Inimaginável e assustador...

Maio de 2019 - Foto José Coelho

Maio de 2020 (desde o início de Março encerrada) 
Foto José Coelho

quinta-feira, 7 de maio de 2020

Abutres...

Imagem copiada do Google

Em tempo de Covid 19 tem-se revelado, lado a lado e a par do medo, o melhor e o pior da sociedade que somos. Enquanto alguns atemorizados e cautelosos até ao exagero nem assomam o nariz à porta – na minha rua e vizinhança sucede isso – outros menos temeratos e mais oportunistas vêem na pandemia uma excelente oportunidade para dela tirarem proventos. São as duas “variedades” mais comuns de pessoas. Os supersticiosos e os xicos-espertos.

Haver cuidado e seguir as orientações das autoridades de saúde e de todas as outras que têm a missão de nos proteger e de velar pelo nosso comum bem-estar, difundidas hora a hora pelos inúmeros OCS é uma coisa, viver apavorado e calafetar até o buraco da fechadura para que o coronavírus por ali não entre, é outra. No meio termo sempre esteve a virtude. Não é por nos escondermos debaixo da cama até que a crise passe que ela se resolverá mais cedo. Há que enfrentar os medos sem deles ficarmos reféns. E a vida tem mesmo de continuar atentas todas as normas e precauções.

Preocupada mas obediente, quase dois meses de confinamento leva já a população do mundo inteiro, conforme o indicado pelos respectivos governos, à exceção daqueles – felizmente poucos – que têm presidentes iluminados que acham a Covid 19 uma mera e inofensiva gripezinha. Nós, eu e a “minha Maria”únicos habitantes desta Toca no topo da Fernando Namora da Beirã, cumprimos o isolamento social sem quaisquer vestígios de pavor ou hipocondria. Saímos três ou quatro vezes para fazermos compras imprescindíveis de géneros alimentares ou dos medicamentos que tomamos diariamente e por isso é necessário não deixar esgotar, cumprindo escrupulosamente as medidas recomendadas.

Em tempos e quotidianos jamais experimentados sabemos que não é infelizmente previsível qualquer regresso a curto prazo às nossas mais banais rotinas. O imprevisível é e será, nos tempos próximos, sem qualquer sombra de dúvida, a mais sensata expectativa para cada dia, seja para quem for. A qualquer momento tudo se pode precipitar, tudo pode mudar de forma radical e imprevisível. Faz-me lembrar os meus tempos na guerra, quando todos os dias ao levantarmos da cama pela manhã não sabíamos se nela voltaríamos a deitar-nos à noite.

Nunca, por isso mesmo, foi tão acertiva a frase que prudentemente aconselha a vivermos o melhor possível, mas um dia de cada vez.

Entretanto como de costume e para não variar, à pala da pandemia os preços foram logo a seguir inflacionando de modo generalizado em todos os produtos que adquirimos, sejam eles os géneros alimentares em geral e todos os outros nas superfícies comerciais autorizadas a funcionar, sejam mesmo os medicamentos nas farmácias. Os frascos de álcool etílico a 96 º com 250ml que normalmente eram vendidos a oitenta e seis cêntimos até em pequenos comércios locais foram em menos de uma semana subtilmente açambarcados por diversos membros de outras superfícies que indo à vez e como quem não quer a coisa, cada um comprava dez frascos para em poucas horas juntarem várias dezenas que revenderam no dia seguinte a cinco euros a unidade. Mesmo assim 475% mais caros, esgotaram em apenas dois dias.

Com toda a certeza, quem esse “estratagema” montou, ficou podre de rico. E a estas horas anda a gozar os chorudos rendimentos da revenda do álcool pelas Caraíbas, porque o Algarve não era aconselhável uma vez que também por lá anda a pandemia e se calhar até já esgotou o álcool e o gel desinfectante. Oxalá desfrutem da sua enorme esperteza e sejam muito felizes.

Aos primeiros anúncios do Covid19 as pessoas tiveram medo de morrer de fome ou por falta de papel higiénico e esvaziaram literalmente as prateleiras das superfícies comerciais. A seguir veio o pavor de morrer por falta de álcool ou daquele-gel-desinfetante-que-mata-o-virus.  Para uns, a ânsia de açambarcar tudo o que fossem capazes. Para os outros, a irresistível tentação de se aproveitarem desta terrível calamidade mais dos medos irracionais e inseguranças que a mesma semeou.  Para esse tipo de gente, o caos é a oportunidade ideal para encher os bolsos. E por isso, quanto pior, melhor.

Há aquelas duas “variedades” comuns de pessoas que nomeei no princípio deste texto. E há também na natureza umas aves de rapina enormes e muito feias – disso não têm culpa coitadas – que se alimentam dos cadáveres. Mas não o fazem por maldade. É apenas a sua muito peculiar forma de alimentação. Chamam-se abutres…

José Coelho
07.05.2020

sexta-feira, 1 de maio de 2020

Mês de Maria...

Em nossa casa - foto José Coelho

ORAÇÃO DO PAPA FRANCISCO A MARIA 

Ó Maria

Vós sempre resplandeceis sobre o nosso caminho como um sinal de salvação e de esperança.

Confiamo-nos a Vós, Saúde dos Enfermos, que permanecestes, junto da Cruz, associada ao sofrimento de Jesus, mantendo firme a Vossa fé.

Vós, Salvação do Povo, sabeis do que precisamos e temos a certeza de que no-lo providenciareis para que, como em Caná da Galileia, possa voltar a alegria e a festa depois desta provação.

Ajudai-nos, Mãe do Divino Amor, a conformar-nos com a vontade do Pai e a fazer aquilo que nos disser Jesus, que assumiu sobre Si as nossas enfermidades e carregou as nossas dores para nos levar, através da Cruz, às alegrias da Ressurreição. 

Amém.

À Vossa protecção, socorremos, Santa Mãe de Deus, não desprezeis as nossas súplicas na hora da prova, mas livrai-nos de todos os perigos, ó Virgem gloriosa e bendita!

Nossa Senhora do Rosário de Fátima
Rogai por nós!