No dia 17 de janeiro de 1976 no casamento de uma prima-irmã minha e sobrinha da moça que era minha namorada há cinco anos, saímos do banquete depois do almoço para irmos dar uma volta até à ponte existente à entrada da Beirã.
Sem prévio aviso olhei-a nos olhos e perguntei-lhe se queria casar comigo. Olhou-me atarantada pela inesperada surpresa, pediu que a deixasse pensar um bocadinho. Não foram necessárias muitas horas de meditação porque quando regressávamos para o salão do banquete pouco depois, olhou-me também nos olhos como eu havia feito e respondeu:
- Sim, quero casar-me contigo.
Nesse mesmo dia fizemos os nossos planos e marcámos a data do enlace para dali a sete meses, no dia 14 de agosto. O passo seguinte foi informar as nossas famílias. O meu pai desatou num choro de felicidade e correu a abraçar a nora que tanto queria ter:
- Dá cá um abraço cachopa que vais ser minha nora!
Assim se cumpriu o que a Vida havia destinado para nós. Voltei para as Minas feliz e iniciei todos os preparativos. Anel de noivado, alianças, convites. Em menos de um ai chegou agosto, o casamento, a viagem de núpcias até Madrid para casa dos cunhados e a seguir para o Gerês sempre na companhia dos compadres do Porto e do seu Toyota novinho em folha.
Provavelmente o nosso primogénito é espanhol, pois deve ter sido concebido na lua de mel em Madrid porque nove meses e onze dias depois, chegou ao nosso colo.
Eu havia solicitado à entidade patronal três semanas de licença sem vencimento para poder acompanhar o final da gravidez da esposa, o nascimento do filho ou filha e foi-me concedido o tempo solicitado sem me descontarem um cêntimo sequer do ordenado base pelo que só não me foram pagas horas extraordinárias – noturnas – porque não as havia feito.
Houve um tempo em que algumas empresas tinham consideração pelos seus funcionários.
No dia 24 de maio de 1977 pela manhã, a Maria Manuela pegou num alguidar de roupa para ir lavar ao lavadouro público a poucos metros de casa. Não teve tempo para isso porque inesperadamente rebentaram-lhe as águas e começou a sentir ligeiras contrações. O passo seguinte foi chamar o táxi do Zé Moura de Santo António das Areias e seguir para a maternidade do então Hospital Dr José Maria Grande – atualmente ULSNA – de Portalegre.
Ali chegados, estava de serviço às urgências da obstetrícia um excelente e competente doutor, velho amigo e conhecido desde 1974 que imediatamente tomou a seu cargo cuidar da parturiente que, entretanto, já era acometida de contrações mais fortes em trabalho de parto. Fui autorizado a acompanhá-la no quarto onde se encontrava só ela e onde poderia ficar até às vinte e três horas.
Pude ver o zelo inexcedível de todas aquelas pessoas que incansavelmente iam e vinham, entravam e saíam do quarto a monitorizar ao segundo a situação.
Tão diferente dos dias de hoje.
Às onze horas tive de sair. Era a regra. Felizmente mais uma vez a sorte esteve do nosso lado porque antes de eu sair tinha já chegado a minha madrinha de batismo e casamento, a tia Jacinta, uma das quatro irmãs da minha mãe que trabalhava naquele piso e ia entrar no turno da meia-noite às oito.
- Toma a chave da minha casa e vai para lá descansar um bocado que eu tomo conta da tua Manuela. Do que houver, te direi.
E eu fui. Pouco dormi na excitação da espera, na preocupação de que tudo corresse bem, que o ou a bebé viesse saudável e perfeitinho/a. E antes de regressar a casa para o seu merecido descanso depois de oito horas de trabalho noturno, a madrinha ligou para o telefone da sua casa. E eu corri a atender, quase na certeza que seria para mim.
Era mesmo…
- Já aqui tens um belo cachopo à tua espera que nasceu às duas da manhã e correu tudo muito bem. Anda para baixo, diz na receção do hospital que és o pai do bebé da senhora que está no quarto número tal que eles deixam-te entrar e podes cá ficar com eles todo o dia outra vez…
Desci a correr a Rua do Comércio mais feliz do que os pardais que debicavam os pedacinhos de pão e bolos que caíam das mesas das esplanadas onde os portalegrenses desjejuavam tranquilamente àquela matutina hora. Numa loja de flores que acabara de abrir, uma senhora acondicionava num balde com água, um braçado de cravos… Azuis! Ele há coisas… Nunca tinha visto cravos daquela cor.
Sem hesitar um segundo sequer pedi-lhe que me fizesse um bouquet com alguns deles para oferecer à recém-mamã do nosso menino. E lá estavam à minha espera os dois e uma senhora enfermeira que ao ver-me chegar com flores comentou divertida:
- O seu marido é um romântico! Espere que vou ver de uma jarra para pôr os cravos na mesa de cabeceira. A Manuela sorridente com uma ou outra careta de dor quando se mexia e o nosso pequenito ferrado a dormir no berço ao lado da cama da mamã.
- Que lindo! Exclamei. Olha tem o lábio inferior metido debaixo do superior. E como dorme!
Fiquei lá o dia todo com eles mas foi necessário vir a casa buscar coisas que faziam falta e tive de deixá-los por volta das dezoito horas para apanhar o autocarro da Beirã. Nunca me tinha sentido assim. Feliz, incrédulo por já ser pai, emocionado e profundamente grato por tantos dons maravilhosos. Deus é bom. O tempo passou, em menos de nada já andava e falava. Como te chamas, filho?
- Manãe. Chamo-me Manãe…
Hoje 25 de maio de 2025, cumprem-se as tuas 48 primaveras.
Pai já também.
Amo-te incondicionalmente, desde a primeira vez que te tive no meu colo.
Parabéns, filho.