segunda-feira, 29 de junho de 2020

O patrono dos "justos"...

29 de Junho - S. Pedro

Já quase ninguém se deve lembrar, mas lembro-me eu e muito bem, por isso vou deixar o registo. Porque fez parte do trabalho, usos e costumes, do meu Avô José Lourenço e de três dos meus tios maternos, Tio Francisco Lourenço, Tio Joaquim Lourenço e Tio Raimundo Lourenço, entre centenas de guardadores de gados que os pastoreavam ou exerciam outras actividades agrícolas. Por eles e em sua memória, fica registado.

Pelo facto de ser uma Família de guardadores de gado eram mais conhecidos pelo anexim (alcunha) de " Os Cabreiros" do que por "Os Lourenços". Por isso eram comummente apelidados por "Zé Cabreiro", "Chico Cabreiro", "Jaquim Cabreiro" e "Raimundo Cabreiro". Por afinidade, a Avó Amélia da Conceição de Brito era apelidada por "A Amélha do Zé Cabreiro".

Hoje é dia de S. Pedro. E era precisamente o dia em que os Lavradores das Casas de Lavoura do nosso concelho e região celebravam verbalmente com alguns desses seus trabalhadores "tratos" com duração mínima de um ano. Não havia sindicatos nem papéis para assinar porque ninguém sabia escrever, nem tal era necessário. Nesse tempo, um "trato de boca" valia mais do que vale hoje qualquer documento escrito.

A esse "trato" chamava-se "ajuste" por um ano, para determinada função. Pastor de um rebanho de ovelhas - o meu Tio Francisco, no Monte do Matinho. Cabreiro de um rebanho de cabras - o meu Tio Raimundo, metade da sua vida no Monte da Cavalinha e a outra metade nos Aires. Porqueiro de uma vara de porcos - o meu Avô Zé Lourenço, no Monte do Matinho. Carreiro de "carro de parelha" ou de tracção animal - o meu Tio Joaquim, no Monte do Matinho.

Assim era em todas as Casas de Lavoura. Cada uma tinha os seus "justos" cujos "tratos" se iniciavam sempre no dia de S. Pedro de cada ano e terminavam no S. Pedro do ano seguinte. Prorrogável ou não, conforme o interesse das duas partes, normalmente com mais algum acerto (aumento) ou não. Conheci "justos" que nessa condição trabalharam quase toda a sua vida em determinadas Casas de Lavoura, o último dos quais foi precisamente o meu Tio Raimundo, até não há muitos anos atrás.

Cada Herdade (ou Monte) tinha os seus "justos" pagos ao mês, sendo uma parte do ordenado "ajustado" pago em dinheiro e a outra parte em "comedías" (coisas de comer) - farinha ou o cereal para fazerem o pão, uma medida de feijão e outra de grão para as refeições de panela, uma medida de azeite para o tempero, alguns queijos para condutar com o pão, e, por último, a "peara" composta por três ou quatro animais do rebanho que iam pastorear e que passavam a ser propriedade do pastor. 

Ser "justo" não era para muitos. Mas à semelhança do que acontece actualmente com os contratos de trabalho a termo certo, garantia-o pelo menos durante os doze meses de duração. Porém, normalmente e salvo raras excepções, o "trato" inicial ia sendo sucessivamente prorrogado pelos anos seguintes, algumas vezes décadas. Todos os restantes trabalhadores do mesmo patrão trabalhavam "à jorna" entenda-se "ao dia" e recebiam "à semana" ou também  "ao dia" conforme as condições que tinham ajustado.

Sei o que escrevo porque sou com muito orgulho o directo herdeiro, neto, filho e sobrinho, dessa geração de gente humilde mas boa, séria e honesta até à medula, cumpridora, trabalhadora, íntegra. Que Deus os guarde a todos na Sua eterna paz, no descanso que tanto mereceram pelas suas duras vidas de trabalho e sacrifícios. E viva S. Pedro, o "sindicalista" mediador que apadrinhou sempre os seus "ajustes" anuais. 

Talvez, quem sabe, pela sua benção, os "tratos" "batiam" sempre certo...

José Coelho
29.06.2020

domingo, 28 de junho de 2020

Boa semana, Família & Amizades! Tomem cuidado...

Caiu a noite sobre a Beirã - Foto Pedro Coelho, Jun'2020

Da Toca, com amor...

Que bem ficam as alfazemas e rosas no altar e no Senhor Crucificado!
Foto José Coelho

Um dia mais, é sempre um dia a menos...

O sol a nascer por detrás da Anta - Beirã
Foto José Coelho'2020

Mais um domingo. Acordei cedo como sempre. Muito cedo. A casa dos meus sonhos, construída aos poucos e à medida das possibilidades ao longo das últimas décadas, tem um traçado que foi na íntegra por mim concebido cheio de janelas, com as mais amplas viradas ao nascente. Por isso, logo que a aurora começa a clarear por detrás dos canchos da Anta e da Murta, a sua suave luminosidade filtrada pelas persianas e cortinados – associada ao cantar dos também madrugadores galos da vizinhança – fazem-me despertar. Claro que não me ponho a pé a essa hora, embora já não consiga dormir mais. Deixo-me ficar sossegado para não acordar a “patroa” enquanto vou dando conta do matinal bulício de toda a natureza que faz também parte destes meus domínios.

O metálico debicar dos pardais na caça aos insectos para o pequeno almoço da sua prole no algeroz onde este ano construíram um monumental ninho, vingando-se talvez por eu não ter permitido que o construíssem nos tubos do motor do ar condicionado no verão passado. Também pelas redondezas vive há muitos anos um numeroso bando de rolas turcas que nidificam no arvoredo – em 2019 até na nossa laranjeira – e pousadas nos telhados ou nas chaminés cantam, cantam, cantam, de manhã à noite sempre atentas às sementes do quintal e ao comedor da cadela Suri que com elas reparte a trinca e o granulado, bem como os dois baldes de água fresca onde todas bebem à vez. Ah! E chegaram já também há alguns dias os famintos estorninhos que chiam como ratos e devoram os figos-lampos da figueira sem os deixarem sequer amadurecer!

Longe vai o tempo em que tinha de me levantar às seis da manhã para cortar a barba, tomar um duche e o pequeno almoço antes de marchar às minhas obrigações profissionais. Muitos dias houve também que, em função das mesmas, o nascer do dia era exactamente a hora em que a minha ronda nocturna terminava. Aí então, em vez de acordar, essa era hora para deitar e dormir. Por isso agora é tempo de descanso e de desfrutar da paz e tranquilidade dos meus dias, naquele que para mim é também o melhor lugar do mundo. Aqui nasci, aqui passei inquestionavelmente os momentos mais doces da minha vida, aqui me despedi para sempre dos entes mais queridos, aqui tenho a grata bênção de poder agora envelhecer. Se não é uma vida perfeita, porque não é mesmo, seguramente é a vida menos má que poderia ambicionar.

Os problemas – principalmente de saúde – são idênticos aos de tanta outra gente que conheço, com as mesmas limitações ou constrangimentos, minimizadas quanto possível mas sempre aceites com ânimo e resignação. Queixumes não adiantam, porque nada resolvem. Por isso vou vivendo, desfrutando e agradecendo, um dia de cada vez. Ainda que já com algumas limitações entendo a Vida como um dom valioso que me é permanentemente concedido e que tenho o dever de aceitar, de a fazer valer a pena, mesmo nos momentos mais difíceis. Nem sempre é fácil, nem todos os dias consigo estar alegre e bem-disposto, mas todos os dias tento superar o que me puxa para baixo, levantar a cara e enfrentar decididamente o que me perturba.

O perigoso momento que vivemos actualmente é a mais evidente prova do quão somos impotentes perante a força da natureza, que nunca saberemos do que ela é capaz para nos remeter à insignificância e se defender das nossas constantes agressões. Deveríamos ser mais cuidadosos e respeitá-la nos seus ciclos naturais sem os corromper abusiva e sucessivamente. A presente pandemia é uma resposta tão contundente como letal à ousadia de o ser humano estar convencido de que pode fazer tudo, alterar tudo, substituir tudo. Não pode. Está – acho eu – a mexer com o que não deve e a caminhar para a autodestruição. Nunca, jamais ou em tempo algum, o Homem conseguirá substituir a Natureza. Poderá imitá-la, poderá até substituir alguns dos seus efeitos por outros similares, mas nunca conseguirá superá-la. E de tanto ousar vai perder o controle e sofrer as consequências. Quem sabe o Covid 19 não seja já um aviso.

Sem qualquer pretensão de me julgar mais perfeito que os demais tenho no entanto plena consciência que sempre a respeitei. Sou provavelmente um dos seus mais fiéis seguidores e admiradores. Que o digam as milhares de imagens do meu acervo fotográfico onde mais de noventa por cento são a fauna e a flora, paisagens rústicas, urbanas ou ambientais, o céu, azul ou nublado, o nascer ou o por do sol, a chuva, a geada, a seca ou as enchentes das linhas de água, as diferentes cores e estados de cada estação do ano. Para mim as cores do por do sol sempre diferentes cada dia, são a obra-prima mais incrível que se pode contemplar, a magnificência da Mãe Natureza em todo o seu esplendor. Mas também acho imponentes as cores rosa vivo da aurora até o astro-rei dourado se elevar na linha do horizonte. Curiosamente, o nascer de cada dia trás consigo o despertar de toda a vida sobre a terra, enquanto o por-do-sol a emudece por completo. Poucas coisas neste mundo me surpreendem mais.

Se em cada acordar tenho o hábito de agradecer o novo dia, antes de adormecer dou também sempre graças pelo que vivi. Pelo meu e pelo de todos os que amo, ou fazem parte da minha vida. E não é por beatice mas por absoluta convicção do meu dever de gratidão. Acho que ser grato, atento e disponível, fazem parte do meu ADN. Vivo serenamente cada dia como se fosse o último, não por ser agora tão recomendado em virtude da pandemia, mas porque sempre pensei e senti assim. Cada dia que amanhece e soma mais um à nossa existência é simultaneamente menos um no total dos que temos destinados para viver. Seguramente essa deve ser a mais precisa equação matemática do mundo. Nunca vos esqueçais dela. E tentem ser felizes, mesmo que não consigam ter tudo o que vos parece ser necessário para poderem sê-lo…

José Coelho
28.06.2020

sexta-feira, 26 de junho de 2020

Saudade...

 José Coelho - Jun'2020

Minha mãe, minha mãe! Ai que saudade imensa
do tempo em que ajoelhava, orando ao pé de ti.
Caía mansa a noite; e andorinhas aos pares
Cruzavam-se, voando em torno dos seus lares,
suspensos do beiral da casa onde eu nasci.

Era a hora em que já sobre o feno das eiras
dormia quieto e manso o impávido lebreu.
Vinham-nos da montanha as canções das ceifeiras,
e a lua branca, além, por entre as oliveiras,
como a alma dum justo, ia em triunfo ao Céu.

E, mãos postas, ao pé do altar do teu regaço
vendo a lua subir, muda, alumiando o espaço
eu balbuciava minha infantil oração,
pedindo ao Deus que está no azul do firmamento
que mandasse um alívio a cada sofrimento,
que mandasse uma estrela a cada escuridão.

Guerra Junqueiro

sexta-feira, 19 de junho de 2020

Bom fim de semana...


Se amas a vida, eleva o pensamento
Às excelsas regiões iluminadas.
Desvia o teu olhar do céu nevoento,
Contempla as rutilantes alvoradas.

Prolonga, perpetua o teu momento
De ventura e as terás multiplicadas.
Olha os lírios à margem das estradas.
E as estrelas florindo o firmamento.

Busca as fontes perenes da beleza.
Voa até onde a tua mente alcança,
Num sonho de arte, além da Natureza.

Não guardes velhas mágoas na lembrança
E os ritos de desânimo e tristeza
Transforma-os num sorriso de esperança.

Bastos Tigre

quinta-feira, 18 de junho de 2020

Do meu fotógrafo favorito...

Topo da Calçada do Calvário e Rua de S. Tiago - Marvão
Foto Pedro Coelho - 13.06.2020

Antiga Igreja de Santa Maria e actual Museu Municipal de Marvão
Foto Pedro Coelho - 13.06.2020

Escarpa e Castelo da Vila de Marvão
Foto Pedro Coelho - 13.06.2020

Ponte quinhentista do Séc. XVI  na Portagem - Marvão
Foto Pedro Coelho - 13.06.2020

segunda-feira, 15 de junho de 2020

Coisas que li e gostei...


Por do sol na auto-estrada na zona de Vendas Novas 
 Foto José Coelho

Por vezes é preciso parar 

Aqueles que fazem a pausa-análise percebem que toda a sua vida, até àquele dia, foi passada caminhando pelos passos dos outros e pelas vontades dos outros. Percebem que aquela vida não foi (na sua maioria) escolhida por eles mas por uma sociedade que os rodeia

Há um momento na vida em que temos de parar. Um momento em que temos de largar todos os companheiros de estrada, libertarmo-nos de todos pesos e amarras, sentar calmamente e analisar a nossa vida e a nós próprios.

Desde muito cedo que seguimos caminhos já trilhados por outros, caminhos pré-definidos. Os caminhos da nossa vida encontram-se traçados, praticamente, desde o nascimento. Quatro meses após abrir os olhos para o mundo e a maior parte de nós já entrou na rotina. Começamos pelo berçário, infantário, pré-escola, primeiro, segundo e terceiro ciclos, ensino secundário e, se a tanto nos chegar a vontade, a universidade. Rotinas pré-definidas desde o início. Pelo meio surgirão alguns namorados e, quando a idade for aquela que é considerada adequada, surgirá um namorado que permanecerá na nossa vida mais tempo do que o habitual e seguiremos o caminho natural que é o casamento. A seu tempo surgirão a casa, os filhos, o carro, quem sabe até o cão. A completar este quadro está um emprego que, grande parte das vezes, é rotineiro. Um emprego e uma vida que nos fazem contar os dias que medeiam entre a segunda e a sexta-feira, os dias para o próximo feriado, os dias para as próximas férias, ou os dias para ser realmente feliz.

E, um dia, acordamos e pensamos que a vida não tem sido mais que uma vagarosa sucessão de dias: dias que decorrem lentamente à espera de um “ser feliz” que não acontece. Percebemos que a vida se está a tornar rapidamente insípida e sem cor. Percebemos que não sabemos bem quem somos — nem quem fomos. Não sabemos para onde vamos. E é nesse momento em que acordamos para a realidade que percebemos que parar é essencial. Parar para pensar, parar para analisar, parar para fazer o balanço do que tem sido a nossa vida, parar para nos encontrarmos ou, quem sabe, reencontrarmo-nos.

Algumas pessoas percebem essa necessidade à medida que vão atingido a maturidade. Outros há, porém, que nunca irão dar esse espaço para parar e, como tal, nunca irão dar espaço para encontrar o seu verdadeiro eu.

Aqueles que fazem a pausa-análise percebem que toda a sua vida, até àquele dia, foi passada caminhando pelos passos dos outros e pelas vontades dos outros. Percebem que aquela vida não foi (na sua maioria) escolhida por eles mas por uma sociedade que os rodeia. E é nessa tomada de consciência que muitas vezes as pessoas param e atiram uma vida de segurança pela janela, mudando radicalmente a sua existência. Mudam de emprego, divorciam-se, mudam de cidade ou até de país. Criam grandes alterações na sua vida, a nível pessoal, profissional ou a todos os níveis. Por isso a sociedade das regras, a sociedade dos caminhos trilhados e seguros considera, muitas vezes, que aquela pessoa enlouqueceu. Só a loucura poderia explicar esse acto de audácia e coragem! E poucos percebem que aquela pessoa não enlouqueceu. Poucos percebem que ela apenas decidiu parar (porque sentiu essa imperativa necessidade), para pensar e analisar a sua vida. E foi precisamente nesse momento que percebeu que não estava a viver a sua vida mas a vida que outros tinham pensado para ela. E revoltou-se contra esta situação. Decidiu oferecer-se tempo para pensar e tomar as atitudes necessárias a fim de se soltar dos pesos e amarras que lhe pesavam e começar a trabalhar, todos os dias, para ser feliz.

Tomada esta atitude, percebe-se que se adquiriu tempo e vontade para observar os caminhos que se quer seguir, as encruzilhadas que se poderá encontrar. Sabe-se que a vida foi tomada nas próprias mãos. A pessoa percebe que já não vive de acordo com as regras de uma sociedade bacoca mas de acordo com as suas próprias regras. Trilha caminhos desconhecidos. Só o poder de tomar esta decisão já lhe traz calma e felicidade. É serena. Não sabe se é feliz a 100% mas sabe que trabalha todos os dias para isso. Não se deixa cair na rotina e no marasmo.

A essa pessoa, e a todas aquelas que perceberam que é preciso parar, que tiveram a coragem de reflectir nesse momento de pausa e de mudar aquilo que não lhes fazia bem, apresento a minha maior admiração. Merecem a felicidade que possuem nas mãos.

Estefânia Barroso - 11/10/2017 - Jornal Público

sábado, 13 de junho de 2020

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Tempo de recuperar afectos...

Liberdade! - Foto Pedro Coelho

Com as netas a encher a nossa Toca de luz e de contagiante alegria desde o princípio do mês, não tem sobrado tempo para escrita porque a prioridade mesmo tem sido recuperar do isolamento imposto a todas as famílias em cumprimento das restrições sanitárias por mor do Covid 19. As pequenitas respiram um alívio e felicidade totais depois de mais de dois meses sem poderem sair à rua, fartas de verem a toda a hora os semblantes preocupados e as conversas em surdina dos adultos sobre “o bicho” que anda à solta e escondido por todo o lado, contagiando pessoas e coisas. Por isso e para ele não entrar nas nossas casas, tivemos de ficar fechados muitos dias longe uns dos outros e sem nos podermos visitar nem dar abracinhos.

Depois, em casa dos avós, normalmente, as regras e horários são muito mais flexíveis, o que torna a estadia ainda mais saborosa e descontraída. Não há horários fixos para levantar nem para deitar, porque já basta ter de madrugar e deitar cedo em tempos normais de escola, para elas, e de trabalho, para os papás. Na casa dos avós cada um levanta-se quando acorda e raramente antes das nove da manhã, só se vai para a cama quando chega o sono e também raramente antes das onze da noite. Com as comidas, cada uma escolhe o que mais lhe apetece e gosta para o almoço ou para o jantar, além de muitos mimos extra, brincadeiras cúmplices, abracinhos e guloseimas, tudo à mistura.

Para os avós é igualmente uma bênção! O confinamento obrigatório foi algo inimaginável porque nunca conhecemos nada assim. E, se na aldeia, um espaço naturalmente protegido pelo escasso número de habitantes, casa sim, casa não, é mau, imagino na cidade entre quatro paredes sem quintais ou jardins onde espairecer ou apanhar algum sol e ar puro. Obviamente para as crianças foi ainda pior. Foi como cortar as asas aos passaritos habituados a voarem em liberdade de ramo em ramo. E aquelas famílias com os pais em teletrabalho e os filhos em teleescola todos em simultâneo, nem dá para imaginar…

Felizmente o pior parece já ir de vela e, embora ainda com mil cuidados e preceitos para cumprir, pudemos finalmente reunir para o almoço familiar da Páscoa em vésperas de Santo António. Curiosamente somos quase o número exacto – menos um – de convivas autorizado para as primeiras reuniões de grupo.  Como somos nove, ainda podia vir outro. Fartas de estar confinadas em casa, as netas decidiram, por sua exclusiva iniciativa, ficarem connosco na Toca, enquanto os papás foram cada um ao seu trabalho. A Francisca prometeu ficar cinco meses e a Mariana trinta dias. Já lá vão quinze e tem sido uma festa permanente, vamos ver como vai ser no próximo domingo quando os papás regressarem de novo a casa.

Esta Família herdou dos seus antepassados o gosto por reunir-se frequentemente e sempre que possível com todos os seus ramos. Bisavós e bisnetos, avós e netos, pais e filhos, irmãs e irmãos, cunhadas e cunhados, sobrinhas e sobrinhos, tios e primos. Muitas vezes nos juntámos à mesa mais de trinta. É seguramente a nossa mais valiosa herança, só que, infelizmente, cada vez vai sendo mais difícil de realizar, porque cada vez vamos sendo menos. E dos poucos que restamos, alguns tiveram de rumar a outras longínquas paragens em busca de melhores condições de vida para si e para os seus.

São, por isso, actualmente, menos concorridos os encontros, resumido-se a pequenos núcleos de cada um dos ramos desta velha árvore. Eu com os meus filhos, noras e netas, as minhas irmãs com os seus. Dos avós e tios maternos ou paternos pouco mais resta do que as suas queridas e inesquecíveis memórias, assim como tudo aquilo que de bom nos ensinaram e deixaram nesta herança imaterial que procuramos preservar e transmitir aos mais novos. Mas, com tudo o que de espantoso tem sucedido ultimamente, é impossível prever seja o que for.

Vamos por isso viver um dia de cada vez, procurar usufruí-lo o melhor que consigamos em união com os que amamos, vamos acreditar também que a nossa normalidade tão abruptamente interrompida vai regressar. Oxalá, entretanto, tenhamos compreendido melhor o que ou quem amamos verdadeiramente, o que ou quem mais conta nas nossas vidas, o que ou quem é de facto imprescindível para nosso equilíbrio físico e emocional. E, finalmente, que tenhamos ainda também entendido que nada é certo ou seguro, porque basta uma microscópica criação da Natureza para nos reduzir à nossa humana insignificância e fazer parar o mundo…

José Coelho
12.o6.2020

segunda-feira, 8 de junho de 2020

Novo visual


O meu "companheiro" diário. 
Foto José Coelho

Já havia um par de anos que não mudava a "fatiota" nem as definições deste "Meu vício da escrita" e foi a última actualização do Windows 10 que me inspirou para a mudança porque também mudou radicalmente quase tudo, em termos de apresentação e desempenho dos diversos produtos associados. 

Nunca havia reparado num pormenor que para mim faz toda a diferença. A segurança. E foram as mudanças introduzidas pela nova actualização (demorou quinze horas e trinta minutos a concluir) que me apercebi de algo nunca antes tinha visto.

Após actualizar e instalar as muitas novidades, foi a primeira vez que dei por bem empregues os sessenta e nove euros anuais que pago à Microsoft por este serviço e foi também a primeira vez que ao abrir o blogue vi escarrapachado, a anteceder o seu endereço electrónico, o aviso de "Não seguro".

"Dé, pode lá sê?..." 

Exclamei intrigado, à moda de Nisa, a Vila do meu coração, depois de Marvão. 

E tanto andei, tanto mexi que resolvi!  O resultado é o que vos apresento aqui. Um novo visual. 

O já algo usado fato Awersome Inc, deu lugar ao novo - e em meu entender muito mais adequado - Simple Literate, da loja Blogger. Porque não há escrita sem leitura, uma moldura com estantes cheias de livros fica mesmo a condizer. Depois foi só acertar as cores para dar um ar sóbrio e despretencioso, et voilà...

O toque final foi mudar o http para https para erradicar o inestético e inquietante "Não seguro."

Sejam sempre muito bem-vindos.

José Coelho
08.06.2020

sexta-feira, 5 de junho de 2020

Se...



Se podes conservar o teu bom senso e a calma,

num mundo a delirar, para quem o louco és tu.

Se podes crer em ti, com toda a força de alma,

quando ninguém te crê. Se vais faminto e nu,

trilhando sem revolta um rumo solitário.

Se à torva intolerância, à negra incompreensão,

tu podes responder, subindo o teu calvário,

com lágrimas de amor e bênçãos de perdão!

 

Se podes dizer bem de quem te calunia,

se dás ternura em troca aos que te dão rancor;

(Mas sem a afectação de um santo que oficia,

nem pretensões de sábio a dar lições de amor).

Se podes esperar, sem fatigar a esperança,

sonhar, mas conservar-te acima do teu sonho.

Fazer do pensamento um arco de aliança,

entre o clarão do inferno e a luz do céu risonho!

 

Se podes encarar com indiferença igual,

o triunfo e a derrota, eternos impostores.

Se podes ver o bem, oculto em todo o mal,

e resignar sorrindo, o amor dos teus amores.

Se podes resistir, à raiva e à vergonha,

de ver envenenar, as frases que disseste.

E que um velhaco emprega, eivadas de peçonha,

com falsas intenções, que tu jamais lhes deste!

 

 Se podes ver por terra, as obras que fizeste,

vaiadas por malsins, desorientando o povo.

E sem dizeres palavra, e sem um termo agreste,

voltares ao princípio, a construir de novo.

Se puderes obrigar o coração e os músculos,

a renovar um esforço há muito vacilante.

Quando no teu corpo, já eivado em crepúsculos,

só exista a vontade a comandar avante!

 

Se vivendo entre o povo, és virtuoso e nobre.

Se vivendo entre os reis, conservas a humildade.

Se inimigo ou amigo, o poderoso e o pobre,

são iguais para ti, à luz da eternidade.

Se quem conta contigo, encontra mais do que conta.

Se podes empregar os sessenta segundos,

do minuto que passa, em obra de tal monta,

que o minuto se espraia em séculos fecundos!

 

Então, ó ser sublime, o mundo inteiro é teu!

Já dominaste os reis, os tempos, os espaços,

mas ainda para além, um novo sol rompeu,

abrindo o infinito ao rumo dos teus passos,

pairando numa esfera acima deste plano!

Sem receares jamais que os erros te retomem,

quando já nada houver em ti que seja humano,

alegra-te, meu filho, então serás um homem!

 

Rudyard Kipling

quarta-feira, 3 de junho de 2020

Para a vida toda...


A Mãe Florinda com a sua Mãe Amélia e minha Avó

"Não nos tiram o amor das pessoas que partem para sempre. Ele fica em nós, naquilo que elas nos deixam: a memória. É na memória, que guarda o amor, que as pessoas vivem para sempre.

Sérgio Lizardo"