segunda-feira, 29 de agosto de 2016

O cachopo que teve pressa...

Gaiato ainda mas já cabo na guerra e com um ar tão feliz!

A gente muda. Muda tanto! Mas não mudamos porque queremos. É a Vida que nos obriga a mudar. Os tombos que damos, os abanões que levamos, as certezas que deixamos de ter, as injustiças e as deslealdades oriundas tantas vezes das origens mais insuspeitas, a perda e ausência daqueles que amávamos, tudo isso e muito mais faz com que as nossas convicções oscilem, abram brechas irreparáveis ou desabem de vez. E das duas uma. Ou tudo aquilo que nos fere, nos sara, nos solidifica, torna mais forte a nossa estrutura física e moral, nos faz ficar mais resistentes aos infortúnios, mais imunes ao desassossego e mais seguros de nós mesmos, ou estilhaça as nossas convicções em mil pedaços fragilizando-nos, transformando-nos em seres indiferentes, apáticos e conformados com a nova ordem das coisas em que acreditávamos, sem força anímica para resistir ou lutar seja pelo que for.

Na minha meninice e adolescência fui uma pessoa completamente diferente daquela que sou hoje. Até ir para a tropa era um moço alegre e bem-disposto, sonhador e cheio de projetos. Nem a humildade de berço nem a precaridade de habilitações literárias toldavam no meu pensamento ou diminuíam no meu coração, a enorme esperança que depositava numa vida melhor e num futuro não muito distante que tencionava conseguir alcançar. Ansiava por esse motivo por ir à luta e batalhar pelo que queria para mim. Tinha porém plena consciência que havia um obstáculo incontornável a vencer para só então depois conseguir definir e conquistar as minhas metas e objetivos. E esse obstáculo nada tinha a ver com as parcas habilitações literárias ou com a humilde condição social de que era detentor.

Em finais dos anos sessenta e com a guerra de África no seu auge, o serviço militar resolvido era meio caminho andado para novos rumos de vida e para a realização (ou não) de muitos projetos ou sonhos de qualquer jovem como eu em idade de incorporação nas fileiras das forças armadas. Idade que estava quase a alcançar. Mas faltava ainda o quase. E aí começou a minha aspiração de me autopromover a adulto o quanto antes. Tinha 17 anos acabados de completar quando o edital a convocar, para os diversos ramos das forças armadas, exército, armada e força aérea, todos os mancebos da freguesia da Beirã que naquele ano tinham ficado apurados nas “sortes” para estes se irem apresentar nas unidades que a cada um era indicada, afim de iniciarem o seu serviço militar obrigatório. Que inveja! Aquele papel timbrado com o escudo da república portuguesa exposto na vitrina da junta de freguesia espicaçou por completo o meu espírito aventureiro e nunca mais me deu sossego.

Sabia lá eu então, provinciano ingénuo do profundo interior norte-alentejano de onde quase nunca tinha saído o que era a tropa, o que era o mundo, o que era a guerra. Mas decidi que estava na hora de começar a vencer o principal e intransponível obstáculo que se agigantava entre mim e o futuro, como, de resto e de igual modo, se interpunha também entre todos os mancebos da minha geração e o futuro deles. Mas cada um sabia de si e na parte que me dizia respeito eu estava absolutamente determinado a meter os pés à ribeira para resolver o assunto o mais depressa possível. E aquele enorme edital tinha escrito, entre outras coisas, a hipótese de voluntariado e as condições requeridas para se poder cumprir antecipadamente o serviço militar também em qualquer dos ramos das forças armadas.

Assim sucedeu que, com tão só os meus ingénuos e sonhadores 17 anos recém cumpridos dei por mim poucos dias depois a pedir ao meu pai que me deixasse ir voluntário para a tropa. Sim, tive que pedir, porque, naquele tempo, qualquer jovem só era dono do seu nariz a partir dos 21 anos. Até esse dia era menor e dependente da autorização dos progenitores para quase tudo. Depois de vencidos os protestos da ti Florinda que não compreendia nem se conformava com a maluquice do seu querido menino querer ir já para a tropa sofrer, como se não tivesse muito tempo para isso quando chegasse a sua vez, lá levei comigo o meu pai – grande e inesquecível amigo sempre pronto a apoiar-me – a  Marvão na “cáminete da carrêra” meter os tais papéis que ele teve que assinar com o dedo porque não sabia escrever, a conceder a tal autorização por virtude de eu ser menor.

Estávamos em meados de 1969.

Tardou muito pouco a convocatória acompanhada de uma guia de marcha a mandarem-me apresentar a 22 de Dezembro desse mesmo ano para ser submetido a inspeção médica no já extinto Regimento de Infantaria 16 de Évora. Apurado sem qualquer problema como era expectável, em Maio do ano seguinte frequentava a recruta no BC8 em Elvas, seguindo-se a especialidade de transmissões no BC5 em Campolide, onde fiz um brilharete e por tal fui promovido a cabo. Porém ainda mal havia terminado a especialização quando fui mobilizado para integrar o BCAV3871 que se formou no RC3 em Estremoz e passou depois por Santa Margarida até embarcarmos num Boeing 747 a caminho da guerra de Angola com destino ao Belize e às profundezas do Maiombe no enclave de Cabinda, a floresta do povo fiote, do abacaxi doce como açúcar, do pau-da-tesão, do pau preto para as mobílias caras, do petróleo da Cabinda Gulf Oil, do minimosquito miruim quase invisível à vista mas que nos picava e deixava todos cobertos de comichosas bolhas, das jiboias e jacarés, dos gorilas e saguis, do calor sufocante e do cacimbo pegajoso, tantos mimos incontáveis e alcançáveis apenas por uma só estrada alcatroada e recentemente inaugurada com duzentos e muitos quilómetros desde o Miconje a norte até à cidade de Cabinda a sul, toda ela bordejada de cima a baixo por aquela imponente segunda maior floresta do mundo, de mato denso e impenetrável, de árvores gigante cujas copas parecem tocar o céu, entrecortada aqui e ali por muitas e pantanosas picadas onde os nossos unimogs e berliets se atascavam até à carroçaria, mas também profícua em imperceptíveis carreiros ou veredas por onde os guerrilheiros – nós chamávamos-lhes turras – do  MPLA, da UPA ou da UNITA se emboscavam, se escondiam, colocavam minas e armadilhas para nos fazerem ir pelos ares ao menor descuido ou nos esperavam emboscados no mato como se nós fossemos meros animais para abate, tornando com isso num inferno completo todos e cada um dos muitos dias das muitas semanas e dos muitos meses das nossas então jovens e inexperientes vidas.

Foi sem dúvida o meu inferno na terra. O que por lá vi, vivi e padeci, mudou para sempre a minha maneira de ser, de estar, de ver, de encarar o mundo e a vida. Sim, escrevi e bem, “o meu inferno na terra” porque duvido que algo pior possa acontecer-me alguma vez, desde então e até ao final dos meus dias, por mais ruim que possa parecer. Conforta-me também um pouco pensar que ao chegar a minha última hora irei certamente direitinho ao céu, uma vez que já paguei todos os meus pecados cá em baixo durante aqueles intermináveis 28 meses. O tal menino que quis armar-se em adulto antes do tempo e que para o conseguir se vestiu de soldado, pagou elevado preço pela sua pressa de chegar ao futuro…
                                                                                     

                                    (Continua, um dia destes)                                                                                                            

sábado, 27 de agosto de 2016

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Coisas (bué da giras) que leio...

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Os Lambe-cus

Noto com desagrado que se tem desenvolvido muito em Portugal uma modalidade desportiva que julgara ter caído em desuso depois da revolução de Abril. Situa-se na área da ginástica corporal e envolve complexos exercícios contorcionistas em que cada jogador procura, por todos os meios ao seu alcance, correr e prostrar-se de forma a lamber o cu de um jogador mais poderoso do que ele.

Este cu pode ser o cu de um superior hierárquico, de um ministro, de um agente da polícia ou de um artista. O objectivo do jogo é identificá-los, lambê-los e recolher os respectivos prémios. Os prémios podem ser em dinheiro, em promoção profissional ou em permuta. À medida que vai lambendo os cus, vai ascendendo ou descendendo na hierarquia.

Antes do 25 de Abril esta modalidade era mais rudimentar. Era praticada por amadores, muitos em idade escolar, e conhecida prosaicamente como «engraxanço».

Os chefes de repartição engraxavam os chefes de serviço, os alunos engraxavam os professores, os jornalistas engraxavam os ministros, as donas de casa engraxavam os médicos da caixa, etc. ..

Mesmo assim, eram raros os portugueses com feitio para passar graxa. Havia poucos engraxadores. Diga-se porém, em abono da verdade, que os poucos que havia engraxavam imenso. Nesse tempo, «engraxar» era uma actividade socialmente menosprezada.

O menino que engraxasse a professora tinha de enfrentar depois o escárnio da turma. O colunista que tecesse um grande elogio ao Presidente do Conselho era ostracizado pelos colegas. Ninguém gostava de um engraxador.

Hoje tudo isso mudou. O engraxanço evoluiu ao ponto de tornar-se irreconhecível. Foi-se subindo na escala de subserviência, dos sapatos até ao cu.

O engraxador foi promovido a lambe-botas e o lambe-botas a lambe-cu.
 Não é preciso realçar a diferença, em termos de subordinação hierárquica e flexibilidade de movimentos, entre engraxar uns sapatos e lamber um cu.

Para fazer face à crescente popularidade do desporto, importaram-se dos Estados Unidos, campeão do mundo na modalidade, as regras e os estatutos da American Federation of Ass-licking and Brown-nosing. Os praticantes portugueses puderam assim esquecer os tempos amadores do engraxanço e aperfeiçoarem-se no desenvolvimento profissional do Culambismo.

(…) Tudo isto teria graça se os culambistas portugueses fossem tão mal tratados e sucedidos como os engraxadores de outrora. O pior é que a nossa sociedade não só aceita o culambismo como forma prática de subir na vida, como começa a exigi-lo como habilitação profissional.

O culambismo compensa. Sobreviver sem um mínimo de conhecimentos de culambismo é hoje tão difícil como vencer na vida sem saber falar inglês.

Miguel Esteves Cardoso, in “Último Volume”

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Ó rio das águas claras...

... que te vais lançar no mar,
não leves minha alegria,
leva antes meu penar!

Zeca Afonso

domingo, 21 de agosto de 2016

A beleza rústica e a serena simplicidade dos campos da minha aldeia. Beirã...

Foto by José Coelho
Foto que fiz à cancela de acesso a uma das tapadas no alto da Meirinha na estrada da Herdade dos Pombais, num entardecer de fim de verão...

sábado, 20 de agosto de 2016

Coisas que leio...


Minha Mãe

Minha mãe, minha mãe! Ai que saudade imensa
do tempo em que ajoelhava, orando ao pé de ti.
Caía mansa a noite; e andorinhas aos pares
Cruzavam-se, voando em torno dos seus lares,
suspensos do beiral da casa onde eu nasci.

Era a hora em que já sobre o feno das eiras
dormia quieto e manso o impávido lebreu.
Vinham-nos da montanha as canções das ceifeiras,
e a lua branca, além, por entre as oliveiras,
como a alma dum justo, ia em triunfo ao Céu.

E, mãos postas, ao pé do altar do teu regaço
vendo a lua subir, muda, alumiando o espaço
eu balbuciava minha infantil oração,
pedindo ao Deus que está no azul do firmamento
que mandasse um alívio a cada sofrimento,
que mandasse uma estrela a cada escuridão.

Guerra Junqueiro


terça-feira, 16 de agosto de 2016

Diz quem sabe...

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“Os partidos não existem para nos servir, nem para servir a economia nem o país. Servem muitos interesses, desde sociedades secretas ao sector financeiro, e cada um tem os seus lobbies. Tem de existir uma mudança de mentalidade profunda na forma como o país é pensado, gerido e governado. Não é para se servirem interesses, lobbies, o sector financeiro ou interesses obscuros; nem para andar ao sabor dos partidos e das eleições. Os portugueses terão de agir: sejam jornalistas, professores, médicos ou polícias, já não basta só criticar.”

“Há que reformar e pensar no futuro, no tecido empresarial, pensar mesmo a sério onde é que queremos investir. Temos de mudar o sistema de educação que é uma aberração. Temos de mudar o sistema de saúde que apenas ‘trata’ a doença – não temos nenhuma medicina preventiva. São custos brutais, milhões dados às farmacêuticas.”

Como exemplo da manipulação praticada pelos partidos políticos, Elisabete Tavares falou sobre muitos dos comentários, supostamente deixados por leitores casuais, em sites de notícias como o do próprio Expresso: “alguns partidos têm comentadores pagos só para irem lá comentar se as nossas opiniões não lhes forem favoráveis. É este o país que queremos? É este tipo de ética que queremos? Estas coisas têm de ser ditas.”

(Elisabete Tavares, jornalista do jornal Expresso e da revista Exame, a propósito da actual (e permanente) crise política)

IV Almoço anual dos primos Sérvulo (e seus apêndices)...

10-8-2016 - Restaurante Tabu - Valência de Alcántara

domingo, 14 de agosto de 2016

Bodas de esmeralda. É a celebração menos alegre dos últimos 40 anos, mas...


























... seria injusto que um ano menos bom desvalorizasse os outros 39.
Por isso mesmo, parabéns a nós 2, companheira. E obrigado por me aturares estes anos todos!

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

E lá vou eu outra vez...

Segunda consulta pós-operatório no Lusíadas Lisboa

Não está bem. Continua a obstrução. Vamos
aguardar mais um tempo a ver se normaliza

terça-feira, 9 de agosto de 2016

O adeus de cada dia...

Foto by José Coelho

"Cada pôr-do-sol que vejo me inspira o desejo de partir para um oeste tão distante e belo quanto aquele onde o sol sumiu".

Henry David Thoreau

domingo, 7 de agosto de 2016

E vão passados 4 meses...


De todos os amigos que já vi partirem - e infelizmente  foram muitos - tu és, meu fiel companheiro, aquele de quem mais tenho sentido a falta.

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Bom fim de semana - ou boas férias...

Às vezes é preciso diminuir a barulheira, parar de fazer perguntas, parar de imaginar respostas e aquietar um pouco a vida, para simplesmente deixar o coração contar-nos o que sabe. E ele conta. Com a calma e a clareza que tem.


 Ana Jácomo

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Navegar...


Navega, descobre tesouros,
mas não os tires do fundo do mar,
o lugar deles é lá.

Admira a Lua,
sonha com ela,
mas não queiras trazê-la para a Terra.

Goza a luz do Sol,
deixa-te acariciar por ele.
O calor é para todos.

Sonha com as estrelas,
sonha apenas,
elas só podem brilhar no céu.

Não tentes deter o vento,
ele precisa correr por toda a parte,
e tem pressa de chegar sabe-se lá onde.

As lágrimas?
Não as seques,
elas precisam correr na minha, na tua, em todas as faces.

O sorriso!
Esse, deves segurar,
não o deixes ir embora, agarra-o!

Quem amas?
Guarda dentro de um porta joias, tranca, perde a chave!
Quem amas é a maior joia que possuis, a mais valiosa.

Não importa se a estação do ano muda,
se o século vira, conserva a vontade de viver,
não se chega a parte alguma sem ela.

Abre todas as janelas que encontrares e as portas também.
Persegue o sonho, mas não o deixes viver sozinho.
Alimenta a tua alma com amor, cura as tuas feridas com carinho.

Descobre-te todos os dias,
deixa-te levar pelas tuas vontades,
mas não enlouqueças por elas.

Procura!
Procura sempre o fim de uma história,
seja ela qual for.

Dá um sorriso àqueles que esqueceram como se faz isso.
Olha para o lado, há alguém que precisa de ti.
Abastece o teu coração de fé, não a percas nunca.

Mergulha de cabeça nos teus desejos e satisfá-los.
Agoniza de dor por um amigo,
só sairás dessa agonia se conseguires tirá-lo também.

Procura os teus caminhos, mas não magoes ninguém nessa procura.
Arrepende-te, volta atrás,
pede perdão!

Não te acostumes com o que não te faz feliz,
revolta-te quando julgares necessário.
Enche o teu coração de esperança, mas não deixes que ele se afogue nela.

Se achares que precisas de voltar atrás, volta!
Se perceberes que precisas seguir, segue!

Se estiver tudo errado, começa novamente.
Se estiver tudo certo, continua.

Se sentires saudades, mata-as.
Se perderes um amor, não te percas!
Se o achares, segura-o!

Circunda-te de rosas, ama, bebe e cala.
"O mais é nada"




Fernando Pessoa

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Bem-vindo, agosto...

"Se você é capaz de compreender que a beleza
está nas coisas mais simples, então você saberá
distinguir o que realmente importa na vida".

In @AsCoisasMaisSimplesDaVida