segunda-feira, 28 de dezembro de 2020


Na medida do possível, Boas Festas



Embora não haja muito para brindar neste sombrio 2020 finalmente prestes a terminar, não deixemos que a nossa coragem, força e fé, nos abandonem. Por isso, olhemos com renovada esperança para 2021 que está aí, mesmo, mesmo, ao virar da esquina...


José Coelho - 28.12.2020

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Desculpe estragar a festa, mas o Natal não existe

Avenida Luísa Todi - Setúbal Dezembro 2018 
Foto Pedro Coelho

Há uma ideia generalizada de que o Natal é a comemoração do nascimento de Jesus. Desculpe estragar a festa, mas Jesus não nasceu no dia 25 de dezembro nem há 2018 anos atrás. Então vejamos.

No tempo do Império Romano, havia uma festa dedicada a Saturno (deus grego Cronos/tempo e da agricultura), denominada de Saturnalia, marcando o solstício de inverno. Era uma data muito importante para os povos agrícolas, como o caso dos romanos. Uma festa popular, para agradar os deuses e pedir que o inverno fosse brando e o Sol retornasse ressuscitado, no início da Primavera, o renascimento da vida. O culto solar era celebrado nos dias 24 e 25 de Dezembro, data de nascimento da divindade. Era um período de suspensão do trabalho, de visitar parentes e amigos, de ser generoso, solidário, de oferecer prendas. Isso lembra o Natal, não?

No século IV, o politeísta imperador Constantino converte-se, oficializa o Cristianismo e nasce, assim, a Igreja Católica. Absorveu e ressignificou práticas pagãs diversas; neste caso, o festejo pagão da Saturnalia, transformando-o numa celebração cristã. O Papa Gregório XIII, no século XVI, com a criação do calendário gregoriano, fez o resto. A partir daí, o nascimento de Cristo (que não nasceu no dia 25 e ninguém sabe a data exata) começa a ser celebrado pelos cristãos.

Portanto, o Natal não existe, pelo menos não da forma como a maioria imagina – o nascimento do menino Jesus.

Em que se transformou, hoje, esta antiga data pagã?

Uma cultura do consumo. Capturada pelo comércio, a data é para vender coisas, na sua grande maioria supérfluas. Uma agressiva propaganda na televisão, jornais, revistas, na internet, provoca uma azáfama, planos, listas de compras, centros-comerciais lotados, lojas abarrotadas de gente, ávidas para comprar. As crianças de hoje, exageradamente mimadas, exigem e obtêm, um sem número de prendas. Às vezes, são tantas que não conseguem abri-las todas ou valorizam mais as embalagens do que os próprios brinquedos.

É a época dos políticos e governos, maioritariamente corruptos, que passam o ano a roubar e a esbanjar os impostos e, nesta data, mandam belas mensagens e participam em jantares junto com os pobres, com os sem abrigo, miseráveis estes que os próprios políticos e agentes do governo criaram (ou ajudaram a criar) ao desviar o dinheiro que poderia garantir a comida e o bem-estar deles o ano todo. É lógico que esta ‘solidariedade’ natalina dos políticos deve ser sempre acompanhada por uma ampla cobertura da imprensa.

É a época das pessoas famosas, do jet-set, atores/atrizes, jogadores de futebol, que passam o ano a ganhar milhões e a sonegar impostos (prejudicando os contribuintes e os mais pobres), aparecerem na TV em programas ‘beneficentes’ para dar a entender que são solidários. Ficam sempre bem vistos perante a sociedade.

As autarquias gastam imenso dinheiro com enfeites de Natal e deixam os desabrigados a dormir na rua. Por exemplo, Lisboa gasta todos os anos mais de um milhão de euros, quantia que dava para abrigar/proteger, tirar da rua, definitivamente, todos os moradores de rua da cidade.

Todos, decisores políticos ou não, deviam assistir ao emocionante filme Cardboard Boxer (2016) para ter uma ideia da vida miserável destes excluídos da sociedade. Mas há outros filmes do género marcantes: deixem para lá o já cansativo Sozinho em Casa (1990), que repete todos os anos e assistam The Saint of Fort Washington (1993), Accidental Friendship (2008), The Soloist (2009), Time Out of Mind (2014), alguns baseados em dramáticos factos reais e todos expondo, de maneira super realista, a extrema dureza da vida de uma pessoa sem um lar para chamar de seu e sem um Shelter (2014), um endereço fixo, para mandar uma carta ao Pai Natal.

O que podemos fazer então para celebrar o Natal? Simples: é ser (genuinamente) solidário com os mais necessitados e, seguindo os verdadeiros ensinamentos de Cristo, respeitar e amar uns aos outros. E, se pensarmos bem, por que é que temos de esperar pelo Natal para fazermos isso? Ah, e o mais importante de tudo: não precisamos de dizer a toda a gente e postar no Facebook as fotos da generosidade. Não se esqueçam da lição de Antoine Saint Exupéry, no Principezinho: “o essencial é invisível aos olhos”.

Donizete Rodrigues, Professor de Sociologia, Universidade da Beira Interior, in Observador.pt - 22.12.2018