terça-feira, 30 de outubro de 2018

A gente nunca mais esquece...

Foto by José Coelho, 16.06.2016

Ressecção endoscópica prostática


16 de Junho de 2016
Hospital Lusíadas Lisboa
Ressecção endoscópica da próstata para me ser retirado um tumor (adenoma).
Acompanhado pela esposa e pela nora Ana Batista que foi levar-me para ser internado às 11 da manhã.
A cirurgia foi marcada para as 18 horas mas teve que ser alterada para as 22 por motivo de força maior.
O cirurgião, Dr João Varregoso, foi chamado a uma situação de urgência devida a um acidente de viação grave.
Para me manterem calmo e alheado das horas, sedaram-me.
Acordei quando a equipa de enfermagem foi buscar-me ao quarto para me levar ao bloco operatório.
Um enfermeiro jovem e sorridente deu-me as boas-vindas no bloco apresentando-se como o enfermeiro chefe assistente e dizendo o seu nome que já esqueci.
Toda a equipa assistente do Dr Varregoso era disciplinada, eficiente e muitissimo simpática.
A seguir veio a Dra cardiologista que me ligou ao electrocardiógrafo.
Depois a Dra anestesista.
- Isto não vai doer nada...
Tudo gente simpática e bem disposta.
Mais parecia a recepção de um hotel do que o bloco operatório do mais conceituado hospital particular do nosso país.
Completamente grogue mas dando conta que a doutora anestesista esteve sempre à cabeceira da mesa de operações do lado direito a falar para mim.
Não recordo nada do que me disse e a sua voz parecia vir do fundo de um túnel.
A doutora cardiologista também esteve sempre à cabeceira da mesa mas do lado esquerdo a controlar os bip bips dos aparelhos a que eu estava ligado.
- Preciso de outro balde, ouvi alguém pedir, daqueles que estavam a assistir o cirurgião, a meio da mesa de operações.
- O doutor está quase a terminar, disse-me a médica cardiologista..
- Já? Demorou tão pouco! Respondi atabalhoadamente.
- Duas horas! Já é meia noite! Respondeu a doutora.
Sem qualquer perceção do passar do tempo dei por mim já operado no recobro cheio de frio.
Depois fui levado para o quarto todo entubado.
Credo...
Como cabem tantos tubos?
Foi duro.
Mas já passou.
Dois anos e meio…
A gente nunca mais esquece
A gente nunca mais fica como era
Ainda assim, há que dar graças
Podia ter sido pior…

José Coelho, Out’18
(Republicado com alguns acertos)

sábado, 27 de outubro de 2018

A mística inexplicável de se nascer Beiranense...

Foto de José Coelho
 27.10.2018 - 19,05 h

Fiz esta imagem com o meu telemóvel no final da missa vespertina do 30º Domingo do Tempo Comum. Desde Setembro de 2016 que assim é. A escassez de sacerdotes e provavelmente também por sermos uma comunidade em vias de extinção que já quase nunca enche o templo, fez com que fosse decidido por quem de direito que a missa de domingo que se celebrava desde que a igreja foi construída há mais de 70 anos até esse mês de Setembro, passasse a ser celebrada às 18 horas de cada sábado.

Sinais dos tempos. Continuo a ir, é claro. O que não tem remédio, remediado está. Mas não fui nem um só sábado alegre e feliz. Levo sempre o coração triste. Cortar pela raiz um hábito que fazia parte da minha vida desde sempre, doeu. Dói ainda. Provavelmente doerá sempre. Ando de volta desta Senhora desde os meus 6 anos de idade. Desde que me conheço que nutro por ela um amor infinito, uma fé inabalável, uma devoção total. A Ela e ao Divino Filho que tem ao colo e habita no Sacrário que está sob os Seus pés, na forma de partículas consagradas.

Não sei quantas imagens d'Ela publiquei já. Sei que foram muitas e que todas foram imediatamente vistas pelos muitos Beiranenses que vivem um pouco por toda a parte. É também a pensar neles que o faço, para que nunca se esqueçam d'Ela. Há uma mística inexplicável de profundo amor a esta Senhora no coração de quem aqui nasceu e cresceu, ainda que muitos possam nem sequer frequentar já a igreja como frequentaram aqui. Algo ficou gravado na memória, no coração, na saudade, no que quer que seja, algo que não se apaga nem com a ausência nem com a distância.

Mas o mais complexo dessa inexplicável mística é que não só quem nasceu Beiranense ficou agarrado à Beirã, à Senhora do Carmo, a estes usos, costumes, gentes e lugar. Houve quem por cá passou e permaneceu pouco tempo, outros alguns anos, outros ainda algumas décadas, mas todos, todos, levaram a Beirã no coração para sempre. Provavelmente acontecerá o mesmo noutros lugares, não sei. Eu nasci aqui, moro (ainda) cá, faço o que posso para manter viva a memória de tudo isto, apesar de cada dia, cada semana, cada mês e ano que passa, mais se torne visível o despovoamento da aldeia e o consequente silêncio que vai tomando conta das ruas.

Naturalmente, a afluência à igreja é consonante com a afluência de gente nas ruas e nas casas. Pouca. Daí a não merecermos (digo eu) ter missa ao domingo como as comunidades maiores ainda têm. Jesus bem disse que "onde estiverem reunidos em Meu Nome dois ou três, Eu estarei no meio deles" mas se calhar (digo eu) não previu que iria haver uma União Europeia que iria concentrar tudo nas cidades do litoral despovoando o interior e que também deixaria de haver pastores suficientes para os Seus rebanhos de fiéis como está a acontecer. Já cheguei a pensar que a Beirã ia morrer diante os meus olhos e primeiro que eu, mas à velocidade a que vejo as pessoas a desaparecerem à minha volta, acho que qualquer dia me vai tocar a mim também e Deus queira que sim.

Para terminar, a propósito disso, tenho uma vizinha amorosa já velhinha que me viu nascer e adoro, a qual uma vez me disse algo que nunca mais esqueci. Foi num dia em que a vi andar a regar as suas laranjeiras (e são muitas) indo buscar a água ao chafariz público do outro lado da rua com dois pequenos baldes que não levariam mais de cinco litros cada um. Eram o que a sua força lhe permitia para assim mitigar a sede do seu querido pomar. Despejava dois baldes em cada laranjeira. E explicou-me, em poucas palavras, com duas lágrimas furtivas nos seus doces olhos, porque é que se dava a tanto trabalho: - Não quero que elas morram primeiro que eu...

Apesar do estado avançado de abandono em que se encontra já a minha Beirã, principalmente do lado de cá da linha, eu também não quero que ela morra primeiro que eu. Já me chega o barulho ensurdecedor do silêncio que campeia pela Rua Fernando Namora e por todas as outras adjacentes.


José Coelho, 27Out'18

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

A quem se deu ao trabalho de por aqui passar...


Bom fim de semana...

Tarde tormentosa por aqui hoje. Agasalhem-se...

Meu vício de ler...

No meu canto predilecto a fazer o que mais gosto


NÃO MORREMOS ASSIM DE QUALQUER MANEIRA

A semana passada deixei de comer chouriços. E presunto. E fiambre. E mortadela! Esta semana deixei de comer queijo. “Afecta a mesma molécula das drogas duras" dizia um estudo. Eu não quero ter nada a ver com isso, gosto muito de queijo, mas não quero ter nada a ver com drogas, muito menos ser visto como um agarrado ao queijo. Acabou-se com o queijo cá em casa. Também já tinha acabado com o pão, por isso…

O mês passado deixei de beber vinho branco. Um estudo dizia que fazia mal a não sei quê. Se calhar era cancro também. Passei a beber só tinto que dizia um estudo ser ideal para uma série de coisas. Esta semana voltei a beber branco porque entretanto saiu um estudo a dizer que afinal o branco até tem propriedades que fazem bem e muito tinto é que não. Comecei a reduzir no tinto mas, também, acho que compreendem, não quero morrer assim de qualquer maneira.

Cortei nas azeitonas porque um estudo dizia que têm demasiada gordura, são muito insaturadas, ou lá o que é, mas não parece nada bom.

Andava praticamente a peixe até perceber que os portugueses comem peixe a mais e são, por isso, prejudiciais ao ambiente. Eu sei que não moro no continente mas como sou português, e ainda contam todos para o estudo, sei lá, os que estão e os que não estão, e como eu não quero ser acusado de inimigo do ambiente, ando a cortar no peixe também. Especialmente no atum que está cheio de chumbo e o bacalhau também porque causa daquele estudo que saiu sobre a quantidade de sal mas, também, acho que compreendem, não quero morrer assim de qualquer maneira.

Esta semana saiu um estudo a dizer que afinal o vinho em geral faz mal. Fiquei devastado. Há dois meses foram as couves roxas. Vi até um especialista na televisão dizer que não devíamos comer nada cuja cor seja roxa; “é sinal que não é para comer”, dizia. Arroz também quase não como porque engorda, quanto mais esfregado pior, e saiu um estudo a dizer que implica com uma função qualquer mais ou menos delicada. Não é a reprodutora porque acho que essa é com a soja. Dá hormonas femininas aos homens, e consequentes mamas, o raio da soja (!) e prejudica as funções todas. Não, soja nem pensar!

Leite também já há muito que me livrei dele. Foi, salvo erro, desde que saiu um estudo a dizer que o nosso corpo não está preparado para leites. Por isso, leite não. Sumos de frutas também dispenso enquanto não resolverem o problema levantado no estudo que apontava para… não sei muito bem para quê, mas apontava e não era nada excitante mas, também, acho que compreendem, não quero morrer assim de qualquer maneira.

Carne vermelha, claro, também não. Ataca o coração, diz o estudo. Galinha nem sonhar porque umas estão cheias de gripe e as outras encharcadas de antibióticos. Além de que carne de galinha a mais, como dizia outro estudo, impacta com o desenvolvimento dental, o que até parecia óbvio mas ninguém percebia, pois as galinhas não desenvolvem dentes. Cortei a galinha há muito tempo. Porco? Só a brincar. É óbvio que não há cá porco. Não chegassem as salsichas e afins ainda veio este outro estudo, ou ainda não leu? Pois então, diz que o excesso de carne de porco pode provocar uma diminuição de massa cinzenta e o aumento dos ciclos atópicos do mastoideu singular. Ninguém quer passar por isso! Você quer? Eu não mas, também, acho que compreende, não quero morrer assim de qualquer maneira. Esqueça-se a carne de porco, pelo amor da santa!

Ah!… Já me esquecia do glúten! Glúten, também não. É que nem pensar! Durante muitos anos nem sabia que existia, mas desde que me apercebi da existência de semelhante coisa arredei tudo o que tivesse glúten. Deixa-me pouca escolha mas, também, acho que compreendem, não quero morrer assim de qualquer maneira.

Ovos! Claro que também não como ovos. Primeiro porque não sou nenhum ovíparo e depois por causa das quantidades de coisas que aquele estudo que saiu a semana passada dizia. É um rol senhores, um rol e colesterol! Vão ver e admirem-se! Os ovos! Quem diria os ovos… Enfim, é a vida: ovos nem vê-los! Como a manteiga: é só gordura! Desde que acabei com o pão e com o queijo, a manteiga também, por assim dizer, deixou de fazer falta. Ainda a usava para fritar ovos mas agora também não se pode comer ovos… Pois, a manteiga, dizia o estudo, é só gordura animal e animais não devem comer a gordura uns dos outros. Pareceu-me um bom fundamento e acabei com a manteiga.

Ia fazer uma salada. Sem muito azeite, claro, porque, compreendem, não quero morrer assim de qualquer maneira, sem sal, naturalmente e vinagre só do orgânico, porque, compreendem, não quero morrer assim de qualquer maneira…

É quando recebo um email com o título “Novo Estudo Aconselha a Ingestão Moderada de Saladas e Hortaliças”.

Enchi um copo de água, filtrada, naturalmente, de garrafa de vidro e sorvi um golo ávido. Espero que não me faça mal.”


Encontrei este texto na net e desconheço o seu autor

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Excertos...


As duas meninas a quem ofereci um dia o meu almoço

(...)

Angola é linda. Um sonho de terra. Conheci as cidades de Luanda e Cabinda, depois as vilas do Caxito, Ambriz e Ambrizete. Independentemente da guerra e das suas vicissitudes a África é um continente maravilhoso. O próprio Maiombe no exotismo da sua diversificada e luxuriante vegetação tem recantos de sonho. 

A fauna é nele existente é muito rica. Abundam as grandes jibóias e muitas outras cobras mais pequenas mais ou menos venenosas mas todas elas vistosas, elefantes, pacaças, gorilas e uma infinidade de raças de outros macacos também de diversos tamanhos, o mais pequeno dos quais é o saguí, além de milhares de outros bichos e aves exóticas. E nos diversos rios que por ele serpenteiam, abundavam ainda os crocodilos.

Também os indígenas locais não são como os caricaturavam muitas vezes. São boa gente. Conversávamos com eles pelas sanzalas principalmente com os mais idosos que eram iguais aos anciãos das nossas terras, conselheiros sábios, prudentes e experientes. As mulheres meigas e afáveis como as nossas, as crianças irrequietas e curiosas, também. 

Ali, nós é que éramos os estranhos, os estrangeiros na sua terra, apesar de na instrução militar nos terem feito a lavagem ao cérebro para nos convencerem a vermos em cada um deles o “turra”, o inimigo perigoso. Nos cenários de guerra há, sempre houve e sempre haverá infiltrados, obviamente. Porque, tentar conhecer as fraquezas do inimigo, é uma das regras do jogo, estrategicamente utilizada pelas partes em conflito. 

Apesar de tudo isso, convivendo de perto no dia a dia com a população, percebia-se perfeitamente que a esmagadora maioria queriam apenas viver a sua vida em paz. E os habitantes daquelas sanzalas isoladas no interior da floresta eram quase sempre tão vítimas da guerra, como nós.

Demasiadas vezes foram tratados pelo homem branco com uma superioridade que na realidade este nunca teve. São apenas pessoas e a diferença na cor da sua pele em nada os faz menos merecedores da consideração e do respeito devido a qualquer ser humano. 

Deixei algumas amizades por lá, maioritariamente entre as jeitosas moças fiotes, uma das quais a bonita Madô (Madalena) que foi aquela que cuidou das minhas roupas durante os dois anos que lá estive, mas não só. A amargura que por lá vivi e as marcas irreparáveis que a guerra me deixou, nada têm a ver com o povo africano, nem com a sua terra. 

São marcas que ficaram na alma para sempre e foram deixadas por uma vida insana, desumana e injusta que se vivia em tais condições, naquele tempo e lugar. Hoje talvez até gostasse de lá voltar e poder ver como está tudo aquilo sem o espectro da maldita guerra com o perigo a espreitar por todos os cantos.

(...)

José Coelho in Inferno verde 
(do livro Histórias do Cota)

Meu aconchego ...

Foto by José Coelho

Hora de inverno 2018...


Noite de sábado 27 para domingo 28 de Outubro

Relíquia que tenho em casa...

...de quando eu fugi à mestra e me apresentei nos ensaios!
(clicar sobre a imagem para ampliar)

147 anos depois (quase) nada mudou...




Um excerto de "As Farpas"


"Aproxima-te um pouco de nós, e vê. O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, os carácteres corrompidos. A práctica da vida tem por única direcção a conveniência. Não há pprincipio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias em cada dia. Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima abaixo! Toda a vida espiritual, intelectual, parada. O tédio invadiu todas as almas. A mocidade arrasta-se envelhecida das mesas das secretárias para as mesas dos cafés. A ruína económica cresce, cresce, cresce. As quebras sucedem-se. O pequeno comércio definha. A indústria enfraquece. A sorte dos operários é lamentável. O salário diminui. A renda também diminui. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo. Neste salve-se quem puder a burguesia proprietária de casas explora o aluguer. A agiotagem explora o lucro. A ignorância pesa sobre o povo como uma fatalidade. O número das escolas só por si é dramático. O professor é um empregado de eleições. A população dos campos, vivendo em casebres ignóbeis, sustentando-se de sardinhas e de vinho, trabalhando para o imposto por meio de uma agricultura decadente, puxa uma vida miserável, sacudida pela penhora; a população ignorante, entorpecida, de toda a vitalidade humana conserva unicamente um egoísmo feroz e uma devoção automática. No entanto a intriga política alastra-se. O país vive numa sonolência enfastiada. Apenas a devoção insciente perturba o silêncio da opinião com padre-nossos maquinais. Não é uma existência, é uma expiação. A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências. Diz-se por toda a parte: o país está perdido! Ninguém se ilude. Diz-se nos conselhos de ministros e nas estalagens. E que se faz? Atesta-se, conversando e jogando o voltarete que de norte a sul, no Estado, na economia, no moral, o país está desorganizado - e pede-se conhaque!"


in Farpas, por Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão, com publicação em Junho de 1871.

Unidade de Cuidados Continuados - Beirã

Foto by Maria Coelho

domingo, 21 de outubro de 2018

Esta nôte ninguém drome...

O Guarda António Bizarro comigo no CIP/Portalegre em 1987


Um dos flagelos que atormentava as populações dos povoados mais afastados de Nisa era o roubo frequente de fios de cobre das linhas telefónicas que cruzavam o interior das matas para levarem as comunicações aos seus habitantes. Rara era a semana em que não desapareciam misteriosamente algumas centenas de metros de várias dessas linhas, deixando incomunicáveis as aldeias e causando toda a uma série de transtornos para além de nos deixar também constantemente a nós, autoridades locais, num embaraço que muito me confrangia e perturbava. 

Cada vez que isso acontecia sentia como se fosse algo de minha propriedade que havia sido vandalizado.

Passei a nomear mais patrulhas nocturnas em prejuízo das diárias, algumas noites até mais do que uma, onde eu me incluía também.  Andámos nisso mais de três meses e nada de resultados. Na verdade, conseguimos apenas que a frequência desses roubos diminuísse um pouco, mas, daqui que dali e quando menos esperávamos, zás… Mais um! Despertou porém a minha atenção uma peculiar mudança. Os roubos passaram a acontecer já quase à luz do amanhecer, depois de as patrulhas recolherem, após uma noite inteira de vigilância.

Deduzi por isso que o gatuno ou gatunos seriam de Nisa e vigiavam a saída e entrada das patrulhas, coisa assaz muito fácil, dada a localização do velho posto, com a saída de pessoal, cavalos e viaturas, sempre pelo mesmo portão, bem no centro da vila. Não era por isso difícil, de qualquer ângulo ou local próximo, fazer esse controle sem se ser visto. Tive que estudar outra estratégia, recusando resignar-me àquele estado de coisas e mais empenhado que nunca em capturar e se possível em flagrante delito, o, ou os energúmenos.

Combinei com o Guarda Bizarro, um dos melhores militares do posto, Nisorro de gema, profissional cinco estrelas, homem de forte carácter e por isso mesmo o único que se prontificou a colaborar no novo plano que decidi por em acção. Consistia em ele não entrar no posto, e, sem se fardar, aguardar no seu Datsun preto a minha chegada vestindo também à civil, em local e hora previamente combinados. Nenhum outro guarda se disponibilizou, por receio que o seu carro aparecesse mais tarde danificado, por vingança. 

Eu saía do posto à civil como se fosse passear para o jardim mas ia ter ao local onde estava já o referido camarada à minha espera. Circulávamos depois toda a noite pela vila e arredores, tentando não levantar suspeitas. Enquanto isso, os jipes saíam normalmente com as patrulhas do costume, aparentando a maior naturalidade.

Não foi preciso muito tempo nem perder muitas noites. Certa madrugada, ao transitarmos pela estrada que vai de Nisa para Tolosa vimos um indivíduo vir em absoluto silêncio a rolar um rolo de fio como se fosse um daqueles arcos de ferro com que nós brincávamos quando éramos gaiatos.

Conheci-o imediatamente. Nada mais nada menos que um velho cadastrado por um sem número de furtos domésticos. Roubos de cabritos, borregos, frutas e legumes das hortas, mas não só. Como não conheceu o carro nem imaginava que fôssemos nós, não tomou quaisquer precauções.

Parámos por isso mesmo ao lado dele e eu saí do carro dando-lhe ordem para parar. Quando me reconheceu ficou perplexo, dono da mais absoluta surpresa. Só passados uns instantes, sibilou entre dentes: - Se viesses no jipe não me tinhas apanhado…

Dei-lhe voz de detenção e constituí-o arguido cumprindo todas as normas em vigor e chamei de seguida pelo rádio que trazia sempre comigo a patrulha que circulava pelas redondezas num dos jipes afim de recolher o rolo de cobre mais o detido e transportar tudo para o posto.

Foi fácil conseguir depois que confessasse todas as "espertezas" que tinha cometido e que tantas dores de cabeça nos vinha causando há uma série de meses, sem contar com o transtorno às populações afectadas que ficavam sempre depois vários dias incomunicáveis enquanto a PT não restabelecia as linhas vandalizadas.

E foi tão mais fácil ainda porque ao ver-se encurralado ele se dispôs voluntariamente a contar tudo, na condição de eu o deixar ir depois para casa. Não lhe disse logo que após de lhe ter dada voz de detenção só já um juiz o poderia libertar, porque não me convinha afugentar a sua aparente cooperação. Por isso respondi-lhe apenas: - Primeiro o senhor conta o que quer contar e eu tomo nota. Depois resolvemos esse cambalacho que propõe. Uma coisa de cada vez!

E assim fiquei a saber que era mesmo ele que roubava as linhas telefónicas. Aquele rolo com que eu o apanhei em flagrante era o produto de um dos seus últimos assaltos à própria sede da EDP de Nisa e que tinha escondido por ali nas proximidades para o ir buscar naquela noite, conforme foi.

- Mas se você não viesse naquele carro preto, nunca me ganfava! Frisou mais uma vez, veementemente.

Contou que possuía um par de garras dentadas de electricista daquelas que se aplicam nos pés para subir aos postes, cortava duas ou três linhas entre dois ou três postes, fazia aqueles rolos que escondia por perto para os ir buscar depois e levá-los para casa, onde os cortava em pedaços de 40 cm para os acondicionar numa mala de viagem. A seguir ia no expresso a Lisboa vendê-lo a determinado sucateiro de Sacavém ao preço de trezentos escudos o quilo. Como a mala de viagem levava  40 Kg, cada viagem rendia-lhe doze contos de réis. E como fazia duas viagens por semana, conseguia muitas vezes um ordenado maior que o do presidente da câmara! Disse-me isto tal e qual, com manifesta satisfação.

A máquina de escrever até deitava fumo. Ele ia falando, eu dactilografando e inquirindo mais e mais, num clima de afabilidade como se tivéssemos andado juntos à escola. Criei propositadamente um tal clima de admiração pelos seus valiosos dotes e esperteza que o indivíduo se envaideceu e confessou até onde tinha mais cobre escondido. E que em casa tinha mais algum já cortado, pronto para "emalar".

A patrulha do jipe passou o resto da noite a acarretar cobre dos esconderijos que ele ia indicando para o posto, afim de o entregarmos no Tribunal no dia seguinte junto com o detido. Era quase dia quando tudo ficou pronto. Só depois disse ao indivíduo que não o poderia libertar e que uma vez constituído arguido, só o senhor doutor juiz determinaria o que entendesse. E disse ao plantão que o conduzisse à cela.

Berrou e esbracejou furioso, acusando-me que eu o tinha enganado. E uma vez dentro da cela, começou aos pontapés na porta, ameaçando:
- S'eu nã for "dromir”prá minha cama, esta “nôte” aqui “tamém” ninguém “dróme”! E vá de dar pontapés na porta da cela com as botas de cabedal, fazendo um estrondo ensurdecedor.

Habituado ao comportamento imprevisível destes senhores, pedi ao plantão que abrisse a porta e encarei-o de frente para lhe ordenar, sem dar lugar a dúvidas, que tirasse imediatamente as botas. 

Não queria, mas tirou. Que remédio! Saí sob o seu olhar furibundo mas sem pestanejar disse-lhe ainda antes de me retirar:

- Agora já pode dar os pontapés na porta que quiser e com toda a sua força. Se achar que não faz barulho suficiente, dê-lhe também com a cabeça!


 José Coelho in Histórias do Cota
Nota: Esta é mais uma História do Cota que não vem no livro.

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Parabéns, Pipoquinha...

Foto by José Coelho

Rodeada do carinho dos papás, mana, vôs e vós, tios e também os papás de alguns dos amiguinhos e amiguinhas que compareceram à festinha do seu 4º aniversário natalício, a netinha Mariana estava felicíssima. 

Todos nos divertimos à grande mas para o insuflável gentilmente cedido pela CMCastelo de Vide só podiam ir pular os convidados pequenos. 

Ooooohhhh....

Para o ano queremos um para nós também podermos ir saltar e dar cambalhotas.

Pode ser?

Beijinhos, minha querida. 

Que sejas sempre muito feliz.

Adoramos-te!

Chuva d'Outono...

Foto by José Coelho

Agora que o sol já não queima a terra,
pelo pasto seco vai surgindo o verde,
cobrem-se de neblinas o vale e a serra,
os sedentos solos vão matando a sede.

Foram-se as cegonhas com as andorinhas,
e a copa das árvores amareleceu,
soltam-se as folhas que voam sozinhas
levadas p'lo vento que as desprendeu.

Aqui e ali espreita uma semente,
já amolecida pelas noites frias,
fica o prado verde, o gado contente,
crescem as noites, encolhem os dias.

As quatro estações levam de vencida,
ano atrás de ano, o nosso existir,
e assim passamos toda a nossa vida
vendo-as chegar p'ra depois partir.

E o senhor tempo lá passou por nós,
sem se apresentar, sem nada dizer,
quem não percebeu como ele é veloz,
quando deu conta nada havia a fazer.


José Coelho 15.Out.18

A luz que ilumina o caminho...

Foto by Pedro Coelho in Santuário de Fátima


A fé é a força da vida. Se o homem vive é porque acredita em alguma coisa.
Tolstoi

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Bom fim de semana, Família & Amizades...

 As árvores do nosso contentamento nas encostas de Marvão
Foto by Pedro Coelho

Raízes...

Foto by José Coelho

Monte da Cavalinha de Cima. No rés do chão daquela casa lá no alto, moraram a Avó Amélia e o Avô José Lourenço antes de irem morar para a casinha da passagem de nível. 

E no primeiro andar morou o tio Joaquim Lourenço mais a tia Maria José.

Ali comecei eu a dar os meus primeiros passos sob a sua atenta vigilância enquanto a minha mãe ia mondar trigo deixando-me a cargo deles. 

Meu berço, minhas memórias, minha tão grande saudade. 

Deles.

De mim...

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Já nada é como era...

Foto by José Coelho

Aleluia! Uns pingos de chuva! Com quinze dias de atraso, o Outono resolveu por fim tomar conta do que é seu. E amanheceu assim, cinzento, a chuviscar com pouca vontade, mas parece de facto ser hoje o primeiro dia outonal de 2018. 

Já não é sem tempo...

Não lembraria ao diabo andar a regar a nabiça e as árvores do quintal Outubro adentro. Sei que é um lugar-comum mas o tempo já não é e nem nunca mais será o que era, vou mesmo ter que desistir de uma vez por todas de cultivar seja o que for. 

Não vale a pena.

No ano passado por esta altura tinha o quintal plantado de hortaliças de ponta a ponta. Este ano tenho apenas a belga das nabiças todas chamuscadas pelo calor tórrido que se fez sentir até ao dia de ontem. 

É lutar contra a maré.

Fala-se, fala-se, fala-se, nas alterações climáticas. Mas é um bate-boca que só serve para produzir notícias porque ninguém está mínimamente interessado em resolver. E aquele iluminado presidente americano até acha que tudo o que se diz acerca disso, são tretas. 

Como diz o outro, quem vier atrás que feche a porta.

Depois dizem-me algumas pessoas: - Fazer horta para quê se nos hipermercados há tudo o que a gente precisa? É verdade! E as grandes potências agrícolas, coitadas, necessitam escoar os seus excedentes, não é?

Pois...

Que diria o meu velho pai e tão esmerado hortelão se cá estivesse ainda e tivesse que ir fazer um curso fitosanitário que custa mais de cem euros para poder comprar um frasquito de Decis para sulfatar o feijão verde ou um pacotito de Milraz para as parreiras? 

Sem certificado do curso não há anti-parasitas nem anti-míldios e sem eles nada vinga porque as pragas não deixam.

Claro que se produzíssemos o que cada um necessita como era dantes, não teríamos que ir aos hipers comprar o que nos vem da solidária agricultura europeia que não quer que nos falte nada, não é verdade?. 

Para que servem os amigos?

Entretanto até o tempo parece correr a favor dos interesses instalados porque ora chove pedriscadas que esnocam tudo em Junho, ora vem este sol de turrina que até faz cair rolas assadas em Outubro. 

E as plantas, sejam quais forem, não aguentam. As folhas das árvores ficam queimadas e caem precocemente. No meu quintal já morreu a cerejeira e o damasqueiro. E o loureiro, se não levasse dia sim, dia não, uns baldes de água, já teria seguido o mesmo caminho.

Só que entretanto a fatura da água nunca pára de subir, nesta minha inglória luta para que mais nenhuma árvore morra antes de mim, principalmente as que o meu avô e o meu pai plantaram e me deixaram com tanto amor. São elas o mais singular testemunho vivo da sua presença nesta casa onde juntos vivemos e fomos tão felizes. 

Quando eu morrer, quem cá ficar que faça como quiser. Mas questiono-me muitas vezes se valerá a pena tanto apego a tudo isto. Já nada é como era. Nem o tempo, nem o lugar, nem as pessoas, nem sequer os sentimentos...

José Coelho, 11Out'18

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

O dia mais importante da minha vida...


Foi a 08 de Outubro de 1926 o dia bendito em que nasceste minha doce Mãe. Um abraço do tamanho da minha saudade e um beijinho com o amor imenso que te dedicarei até ao dia em que for ter contigo.
       

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Quando eu for pequeno


Quando eu for pequeno, mãe,
quero ouvir de novo a tua voz
na campânula de som dos meus dias
inquietos, apressados, fustigados pelo medo.
Subirás comigo as ruas íngremes
com a certeza dócil de que só o empedrado
e o cansaço da subida
me entregarão ao sossego do sono.

Quando eu for pequeno, mãe,
os teus olhos voltarão a ver
nem que seja o fio do destino
desenhado por uma estrela cadente
no cetim azul das tardes
sobre a baía dos veleiros imaginados.

Quando eu for pequeno, mãe,
nenhum de nós falará da morte,
a não ser para confirmarmos
que ela só vem quando a chamamos
e que os animais fazem um círculo
para sabermos de antemão que vai chegar.

Quando eu for pequeno, mãe,
trarei as papoilas e os búzios
para a tua mesa de tricotar encontros,
e então ficaremos debaixo de um alpendre
a ouvir uma banda a tocar
enquanto o pai ao longe nos acena,
lenço branco na mão com as iniciais bordadas,
anunciando que vai voltar porque eu sou pequeno
e a orfandade até nos olhos deixa marcas.


José Jorge Letria