terça-feira, 6 de maio de 2025

Levaremos o que trouxemos

Foto José Coelho *com filtros

 

Cada ano de vida que passa para cada ser humano, é, entre outras realidades, menos um que lhe resta de vida. Indiferente aos seus projetos ou sonhos, o tempo continua a passar sem se deter um instante. E esse mesmo ser humano, quase sempre mais indiferente ainda do que o tempo, nunca projeta ou sonha viver cada dia da sua vida como se fosse o último, preferindo quase sempre adiar tudo para depois.

Assim chega ao depois, onde se detém a olhar irremediavelmente para trás com imensa nostalgia, quando se apercebe de tudo o que podia ter feito melhor, mas não fez.

E desculpa-se:

- Se eu soubesse o que sei hoje! 

- Pois!

Sopas depois do almoço...

Somos assim mesmo. Não sabemos desfrutar pacificamente quanto de bom nos rodeia nem aproveitar o dom que nos é concedido de estarmos vivos. Preferimos complicar. E não me refiro só a mim, ou a vocês que me estais a ler, mas à humanidade inteira. Olhem o que temos vindo a fazer ao nosso planeta. Asfixiamos com gases tóxicos todos os dias a sua atmosfera sem olhar a meios nem medir as consequências.

Basta reparar no que está a acontecer frequentemente.

Catástrofes nunca imaginadas provocadas por chuvas diluvianas, fogos apocalípticos um pouco por todo o planeta, terramotos devastadores onde nunca tinha havido, calores tórridos, pandemias letais. Dizem os cientistas em coro que vai ser pior. Podíamos tê-lo evitado? Podíamos. Mas preferimos não fazer caso, porque nos habituamos à comodidade e não queremos prescindir dela.

Para hoje há, para amanhã Deus dará.

Não somos apenas maus hóspedes para com a Terra-Mãe. Somo-lo também uns para com os outros. Pensem quantas guerras em curso e nas devastações que provocam. Cidades inteiras calcinadas, varridas da face da terra. Milhares de mortos, estropiados, refugiados. Ah e tal, é lá longe. Vemos todos os dias, em todos os noticiários. Coitados! Lamentamos. Mas se calhar até mudamos de canal porque a crueza ”daquilo” incomoda a nossa sensibilidade, o nosso íntimo.

Enquanto isso, por lá o inferno continua, sem fim à vista. Gente aos milhões sem ter o que comer, onde dormir, sem um mínimo de condições e segurança. Crianças nascem, vivem e morrem naqueles caos. Velhos frágeis e doentes são literalmente abandonados à sua sorte. Por isso fogem e imploram auxílio. Mas ninguém os quer à porta, assim como ninguém ouve os inúmeros apelos para a paz dos responsáveis pelas organizações mundiais, ou do papa, ou dos governantes das nações não beligerantes.

Não fazer a ninguém, o que não queremos que nos façam a nós!

Beatices? Talvez! Mas se for beatice, em nada diminui a sua importância ou minimiza a verdade e justiça que o mandamento encerra. Porque fazer a alguém o que não queremos que nos façam a nós é da mais aberrante hipocrisia, da mais censurável crueldade e injustiça.

As guerras são todas fruto da ganância humana. Da força bruta do forte sobre as fragilidades do fraco. Dos interesses económicos que não olham a meios para atingir os fins. Toda a gente sabe quem, quando, onde, como e porquê, está por detrás disso tudo. Mas não interessa nada porque o que realmente interessa é fomentar o fabrico ou venda de armas para em simultâneo exibir o músculo militar dos donos do mundo e gerar lucros astronómicos, na exata proporção do sofrimento que deliberadamente provocam.

Entretanto e no meio de toda a imundice que grassa pelo planeta, os ricos são cada dia mais ricos e os que já não tinham muito, cada vez vão tendo menos. O séc. XXI está a inverter por completo tudo o que de bom nos trouxe o seu antecessor. Pode ser que eu esteja enganado, mas não auguro um futuro tão promissor como o que teve a minha geração, para os nossos vidouros.

Conforta-me porém saber que existem duas cruas realidades comuns e irreversíveis a todo o ser humano. O nascer e o morrer. Ricos ou pobres, rodeados de riqueza ou de humildade, todos nascemos e morremos da mesma forma, trazemos e levamos sempre conosco, exatamente o mesmo.

Nada.

José Coelho