Cada ano de vida que passa para cada
ser humano, é, entre outras realidades, menos um que lhe resta de vida. Indiferente
aos seus projetos ou sonhos, o tempo continua a passar sem se deter um
instante. E esse mesmo ser humano, quase sempre mais indiferente ainda do que o
tempo, nunca projeta ou sonha viver cada dia da sua vida como se fosse o
último, preferindo quase sempre adiar tudo para depois.
Assim chega ao depois, onde se
detém a olhar irremediavelmente para trás com imensa nostalgia, quando se apercebe de tudo o que podia ter feito melhor, mas não fez.
E desculpa-se:
- Se eu soubesse o que sei
hoje!
- Pois!
Sopas depois do almoço...
Somos assim mesmo. Não sabemos
desfrutar pacificamente quanto de bom nos rodeia nem aproveitar o dom que nos é
concedido de estarmos vivos. Preferimos complicar. E não me refiro só a mim, ou
a vocês que me estais a ler, mas à humanidade inteira. Olhem o que temos vindo
a fazer ao nosso planeta. Asfixiamos com gases tóxicos todos os dias a sua
atmosfera sem olhar a meios nem medir as consequências.
Basta reparar no que está a
acontecer frequentemente.
Catástrofes nunca imaginadas
provocadas por chuvas diluvianas, fogos apocalípticos um pouco por todo o
planeta, terramotos devastadores onde nunca tinha havido, calores tórridos,
pandemias letais. Dizem os cientistas em coro que vai ser pior. Podíamos tê-lo
evitado? Podíamos. Mas preferimos não fazer caso, porque nos habituamos à
comodidade e não queremos prescindir dela.
Para hoje há, para amanhã Deus
dará.
Não somos apenas maus hóspedes
para com a Terra-Mãe. Somo-lo também uns para com os outros. Pensem quantas
guerras em curso e nas devastações que provocam. Cidades inteiras calcinadas,
varridas da face da terra. Milhares de mortos, estropiados, refugiados. Ah e
tal, é lá longe. Vemos todos os dias, em todos os noticiários. Coitados!
Lamentamos. Mas se calhar até mudamos de canal porque a crueza ”daquilo” incomoda
a nossa sensibilidade, o nosso íntimo.
Enquanto isso, por lá o inferno
continua, sem fim à vista. Gente aos milhões sem ter o que comer, onde dormir,
sem um mínimo de condições e segurança. Crianças nascem, vivem e morrem
naqueles caos. Velhos frágeis e doentes são literalmente abandonados à sua
sorte. Por isso fogem e imploram auxílio. Mas ninguém os quer à porta,
assim como ninguém ouve os inúmeros apelos para a paz dos responsáveis pelas
organizações mundiais, ou do papa, ou dos governantes das nações não
beligerantes.
Não fazer a ninguém, o que não
queremos que nos façam a nós!
Beatices? Talvez! Mas se for beatice,
em nada diminui a sua importância ou minimiza a verdade e justiça que o mandamento
encerra. Porque fazer a alguém o que não queremos que nos façam a nós é da mais
aberrante hipocrisia, da mais censurável crueldade e injustiça.
As guerras são todas fruto da
ganância humana. Da força bruta do forte sobre as fragilidades do fraco. Dos
interesses económicos que não olham a meios para atingir os fins. Toda a gente
sabe quem, quando, onde, como e porquê, está por detrás disso tudo. Mas não
interessa nada porque o que realmente interessa é fomentar o fabrico ou venda de
armas para em simultâneo exibir o músculo militar dos donos do mundo e gerar lucros
astronómicos, na exata proporção do sofrimento que deliberadamente provocam.
Entretanto e no meio de toda a imundice que grassa pelo planeta, os ricos são cada dia mais ricos e os que já não tinham muito, cada vez vão tendo menos. O séc. XXI está a inverter por completo tudo o que de bom nos trouxe o seu antecessor. Pode ser que eu esteja enganado, mas não auguro um futuro tão promissor como o que teve a minha geração, para os nossos vidouros.
Conforta-me porém saber que existem duas cruas realidades comuns e irreversíveis a todo o ser humano. O nascer e o morrer. Ricos ou pobres, rodeados de riqueza ou de humildade, todos nascemos e morremos da mesma forma, trazemos e levamos sempre conosco, exatamente o mesmo.
Nada.
José Coelho