Longe vai já o tempo em que tinha de levantar-me às seis e meia da manhã para cortar a barba, tomar um duche rápido e o pequeno-almoço antes de pegar no carro para percorrer os trinta quilómetros que me separavam das minhas obrigações profissionais. Muitos dias houve também em que, por função das mesmas, era o nascer do dia exatamente a hora em que a minha ronda noturna terminava.
Por isso agora é tempo de descansar e desfrutar desta paz e tranquilidade dos meus dias, naquele que para mim é também o melhor lugar do mundo. A Toca dos Coelhos na sossegada aldeia que me viu nascer e onde passei inquestionavelmente os momentos mais felizes da minha vida, me despedi para sempre dos entes mais queridos e tenho agora a grata bênção de envelhecer também.
Se não tenho uma vida perfeita porque acho que ninguém tem, é seguramente a vida menos má que poderia ambicionar.
Os problemas – principalmente de saúde – são idênticos aos de tanta gente que conheço com as mesmas limitações e constrangimentos, minimizadas quanto possível, mas sempre aceites com ânimo e resignação. Para quê queixumes se nada adiantam nem resolvem?
Por isso vou vivendo, desfrutando e agradecendo, um dia de cada vez.
Mesmo com algumas limitações, entendo a Vida como um dom valioso que me é concedido e tenho o dever não só de aceitar como também de fazer valer a pena. Até mesmo os dias mais difíceis. Nem sempre é fácil, nem sempre consigo estar alegre e bem-disposto, mas todos os dias tento superar o que me puxa para baixo, levantar a cara e enfrentar seja o que for que me perturbe.
O perigo que recentemente vivemos é a mais evidente prova do quão somos impotentes perante a força da natureza e que nunca saberemos do que ela é capaz para se defender de tantas agressões e para nos remeter à nossa insignificância. Deveríamos ser mais cuidadosos com ela e respeitar os seus ciclos naturais sem os corromper abusiva e constantemente.
A recente pandemia foi uma tão contundente como letal resposta à irresponsável ousadia de o ser humano achar que pode fazer tudo, alterar tudo, substituir tudo.
Não pode.
Quem não reparou também já na ameaça que, não sendo tão nova e desconhecida como foi a Covid19, está cada vez mais a deixar de ser meramente pontual e a tomar proporções pandémicas em crescendo ao nosso redor?
Qual é?
A que vem causando a maior percentagem de óbitos entre a nossa população, a eito e sem se importar que sejam mais novos ou mais velhos.
O cancro.
Melanoma, adenoma, linfoma ou outras denominações que terminam em “oma” que arrepiam os sentenciados e ceifam mais vidas do que nunca, sem apelo nem agravo.
Quem de vós não ouviu já falar daquele ou daquela pessoa, mais nova ou mais velha, de mais perto ou de mais longe, que está doente com “a tal doença ruim” cujo nome até evitamos pronunciar não vá ela pegar-nos também?
Andamos – acho eu – a mexer há demasiado tempo com o que não devemos e a caminhar para a autodestruição. Nunca, jamais ou em tempo algum, o Homem conseguirá substituir a Natureza. Poderá imitá-la, poderá substituir alguns dos seus efeitos por outros similares, mas nunca conseguirá superá-la.
E de tanto ousar, vai perder o controle e sofrer as consequências.
Quiçá estejamos apenas no começo.
Sem qualquer pretensão de me julgar mais perfeito que os demais, tenho no entanto plena consciência de que sempre a respeitei.
Sou provavelmente um dos seus mais fiéis seguidores. Que o digam os milhares de imagens do meu acervo fotográfico onde mais de noventa por cento são a fauna, a flora, as paisagens rústicas e ambientais que me rodeiam, o céu azul ou nublado, as cores do por do sol, essa obra-prima incrível que todos os dias se pode contemplar e em si encerra, em toda a magnificência, o Mundo que habitamos.
Mas não só, porque também acho imponentes as cores da aurora desde o amanhecer até o astro-rei se elevar radioso na linha do horizonte. Poucas coisas raras das que conheço, admiro mais do que a essas.
Por isso ao acordar tenho por hábito agradecer sempre o início de mais um dia de vida. E de igual modo, antes de adormecer, o dia vivido. Não o faço por beatice, mas por absoluta convicção desse dever de gratidão.
Ser grato, atento e disponível, fazem, sempre fizeram e farão, parte integrante do meu ADN.
Vivo cada dia serenamente não por isso ser agora muito recomendado em virtude dos medos, sustos guerras e pandemias que vão surgindo, mas porque sempre assim pensei e entendo que cada dia que amanhece soma mais um à nossa vida, mas também, simultaneamente, é
menos um no total daqueles que estão destinados para completar o nosso terreno ciclo de vida.
Essa é, seguramente, a mais precisa e imutável equação de cada ser vivo sobre a terra. Nunca se esqueçam dela. E procurem ser felizes, mesmo quando for difícil alcançar o que entenderem necessário para o conseguir.
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