domingo, 30 de outubro de 2022

Família, lar, aconchego

Foto Maria Coelho


Está a lareira da Toca dos Coelhos já à espera dos sólidos madeiros de azinho que irão amenizar o ambiente e tornar acolhedores os nossos dias e serões do inverno, porque, urrando como animais enfurecidos, os ventos agrestes e gelados costumam atirar-se desalmadamente contra as altas paredes da casa parecendo querer derrubá-las a sibilarem como víboras por frestas invisíveis aos nossos olhos mas que eles conseguem sempre achar nas portas e janelas por mais bem calafetadas que sejam.
Neste último domingo de Outubro a aproximar-se do fim, como em todos os outros domingos do ano, seria cá em casa dia de almoço em família, pois quase desde que me conheço esse foi sempre o dia da nossa fraterna união.
Em tempos ainda não muito distantes a grande mesa da nossa sala de jantar ficava tão rodeada de gente que as suas oito cadeiras nunca eram suficientes e tínhamos de acrescentar os lugares para o dobro e às vezes mais.
Como era salutar e reconfortante esse valioso convívio com todos os entes queridos.
Ainda assim e mesmo sendo já muito menos os comensais, um domingo sem ter família cá em casa, nem parece domingo. Tento, a todo o custo, não deixar extinguir a velha tradição que herdei do Senhor meu Pai de tão grata memória, a quem nada dava mais felicidade e alegria do que ter à sua volta o filho e as filhas, a nora e os genros, as netas e os netos e demais família, ainda que as suas posses fossem modestas e o rancho não fosse, porque não podia mesmo ser, muito diferente do que era nos restantes dias da semana.
Importante, porém, muito mais do que qualquer iguaria que se pusesse nos pratos para se comer, era mesmo o facto de estarmos juntos, amigos e felizes. Tudo o resto, com toda a certeza, estava sempre bom e era mais do que o suficiente. Foi nessa escola de valores e tão benéfica simplicidade que aprendi a dar mais apreço ao amor fraterno do que a qualquer outro bem material.
Foi também em razão desse implícito exemplo paterno que formei no meu espírito a certeza da importância vital que a união familiar pode ter na moldagem do carácter dos nossos filhos e netos, assim como na transmissão aos mesmos desses imprescindíveis valores e princípios fundamentais.
Porque, naturalmente, quem aprende a amar e a respeitar os seus, aprende também sem dificuldade a amar e a respeitar os outros.
Sei que é uma batalha em vias de extinção porque no atual conceito da vida em sociedade e para conseguirem fazer face às inúmeras despesas do dia-a-dia, os pais têm de trabalhar os dois. E isso veio alterar por completo os velhos preceitos da vivência familiar.
As crianças que antes eram criadas apenas na intimidade e conforto do seio familiar pelos pais e quase sempre também com a preciosa ajuda dos avós, são atualmente entregues aos cuidados de instituições públicas que têm pessoal devidamente qualificado para as acolher e delas cuidar desde muito tenra idade, mas, a meu ver, pouco ou nada têm de comum com o ancestral colinho dos pais e avós.
Inevitavelmente os mesmos motivos que levam à separação prematura de filhos e pais estendem-se depois aos avós que não podem já também contar com qualquer apoio dos filhos no limiar das suas vidas e têm de terminar os seus dias em instituições - infelizmente nem sempre qualificadas - que deles tratam mas são também completamente diferentes do normal ambiente familiar.
É o que temos e há que aceitá-lo, concordemos ou não.
Ainda assim, enquanto eu puder, irei tentar manter aquilo que aprendi a esse respeito e tanto me enriqueceu com incontáveis momentos da mais genuína felicidade, rodeado quase sempre por todos aqueles que incondicionalmente amei mas já partiram, que amo porque ainda os tenho e vou continuar a amar até ao último dia da minha vida.
Tenham, se puderem um excelente resto de domingo.

30.10.2022

sábado, 29 de outubro de 2022

Logo à noite, não se esqueçam

Às 2 da madrugada o tempo volta (mesmo) para trás e passará a ser só ainda a 1
 

Bom fim de semana


Preciosa relíquia esta "estação meteorológica" em cartolina que tenho na parede do meu escritório e muito estimo, porque veio de Barcelona em 1999 para me ser oferecido por uma querida amiga que já não se encontra entre nós. Continua a funcionar na perfeição como se pode observar, porque tendo deixado de chover há dois dias, o braço do frade com o ponteiro levantou imediatamente para o "revuelto" de nuvens com vento, mas sem chuva. Não falha nunca!

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

FIBRA ÓTICA – Odisseia de uma avaria

Um inesperado regresso ao passado - Foto José Coelho

Dia 23 de Outubro de 2022 – 08:00 detetei a falta de sinal na televisão, no telefone e na internet. Pensando poder ser alguma interrupção temporária na rede fibra como já tem sucedido algumas vezes, aguardei que o serviço fosse restabelecido.

Às 9:36 como nada sucedia, liguei pelo telemóvel para as Avarias e fui atendido por um atencioso assistente que me indicou para ficar junto do equipamento. Seguindo metodicamente as suas instruções desliguei o router, desliguei o cabo fibra do router e em seguida desliguei o cabo fibra da tomada na parede, após o que, seguindo as suas indicações voltei a ligar tudo como estava.

O assistente foi pedindo para eu aguardar sem desligar, enquanto ele efetuava procedimentos para tentar solucionar o problema, o que não conseguiu, após vários minutos de tentativas. Informou-me então que a avaria não era no equipamento e devia ser no cabo exterior, talvez devido ao mau tempo e que só havia disponibilidade para uma equipa técnica se deslocar a nossa casa a reparar a avaria, no próximo dia 25 de outubro, e que eu iria ser contactado via SMS para confirmação da data e hora da deslocação da mesma.

Efetivamente às 12:03 recebi no telemóvel uma SMS a confirmar o agendamento da deslocação dos técnicos em 25/10/2022 entre as 14:00 e as 17:30.

Entretanto fiquei sem qualquer ligação nos dias 23, 24 e 25.

No dia agendado não apareceu ninguém até que, às 17:12 já pensando que não viria ninguém, recebi uma chamada do nº 9** *** *** a informar que o técnico estava um pouco atrasado e só iria chegar por volta das 18H00. A equipa composta por um técnico e um supervisor chegaram de facto às 18H30. O técnico verificou o equipamento e em seguida foi verificar à caixa ao fundo da aldeia.

Entretanto informei os dois que a caixa da linha se encontra no poste junto à igreja e foi-me respondido que tinham as coordenadas que os levariam lá. Porém as coordenadas registadas levaram-nos para outra caixa existente no Largo do Fontanário à qual supostamente a minha casa deveria estar ligada. Se tivessem seguido a minha indicação precisa e correta, teriam ido ao local que eu indiquei porque as coordenadas inseridas no sistema estavam erradas. Mas obviamente eles não sabiam isso.

Por ser já noite e não havendo visibilidade para continuarem, foi-me informado que teria de ser reagendada a reparação da avaria para dali a dois dias, para quinta-feira dia 27 a partir das 09:00 horas, o que foi confirmado posteriormente por nova SMS da operadora.

Mais 2 dias sem qualquer serviço.

Finalmente hoje dia 27, apesar de a equipa técnica ter sofrido novo atraso por avaria na carrinha que os transportava e terem chegado com algum atraso, às 12:00 horas em ponto o serviço foi finalmente restabelecido depois de una incessante procura da mesma no exterior. A avaria por fim detetada terá sido a fibra que se deteriorou no interior da caixa de ligação que efetivamente estava onde eu havia indicado, junto à igreja.

Assim ficámos domingo, segunda, terça, quarta e quinta até ao meio-dia sem tv, sem telefone fixo e sem internet. Uma só nota de desagrado que oportunamente manifestei junto da operadora. Estamos em pleno séc XXI não imaginava que estávamos pior que no séc XX quando, por motivos de avarias desta natureza, a mesma era reparada normalmente no dia seguinte.

Aproveitámos, eu e a minha marida, para regressarmos ao tempo em que esta casa estava cheia de gente e fomos para a sala do 1º andar passar os nossos serões a ver alguns videofilmes dos muitos que se mantêm nas estantes, exatamente onde os filhos os colocaram: - Dança com lobos – As palavras que nunca te direi – Sete anos no Tibete – O Gladiador e outros, não sem alguma nostalgia daquele tempo em que os víamos em família.

Outra vantagem que esta demorada reparação nos trouxe, foi estarmos todos esses dias sem ver a cara abjeta do presidente russo mais as barbaridades por ele engendradas. Apesar de não achar correta a demora na resolução do problema, nada mais tenho a apontar à operadora. Atendimento sempre impecável e desconto imediato na fatura mensal dos cinco dias sem serviços.

Entretanto a equipa técnica também eficiente e simpática foram dizendo que estas demoras são originadas pela grande escassez de pessoal que não conseguem contratar. De tal modo assim é que eles os dois, da zona de Castelo Branco, chegam a ter de fazer dez ou mais reparações diárias, saindo de casa às sete da manhã para regressaram a ela quase sempre às tantas da noite cansadíssimos e com centenas de quilómetros rodados:

  - Ninguém quer trabalhar, concluíram.

É justo ainda referir que esta foi a única avaria que tivemos em quase quatro anos de clientes desde que foi instalada a fibra ótica em nossa casa, dado que já caminhamos a passos largos para a terceira renovação do contrato. Por muito que nos custe esperar pela resolução de uma avaria, a escassez de mão de obra no mercado de trabalho que todos sabemos existir, as condições atmosféricas adversas, assim como a deterioração dos materiais pelas altas temperaturas dos atípicos verões, não podem, em meu modesto entender, ser imputados às operadoras, que tentam, como podem, resolvê-las. 

- Ah e tal, "eles" só pensam no lucro, só querem é dinheiro! 

Nem sempre será só isso.

O seu a seu dono.

José Coelho - Outubro 2022

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Coisas q'escrevi...

Altar-mor da Igreja matriz de Nisa 


“Pedi e recebereis”


Foi em Nisa, quando me encontrava no desempenho das minhas funções profissionais de comando. As coisas não estavam fáceis. Problemas muito sérios e relacionados com comportamentos desajustados do meu superior imediato, de quem eu era também, sem falsas modéstias, sinceramente amigo.

Profissionalmente entendíamo-nos bem porquanto eu nunca me baldei às minhas obrigações e responsabilidades e talvez por isso o ambiente entre o efetivo que trabalhava sob a minha orientação direta era bastante coeso, disciplinado e eficaz, mas, sobretudo, reinava entre todos um espírito de camaradagem e de equipa que mais se assemelhava ao de uma grande família, coisa que muito me comprazia e de certo modo orgulhava.

Porém, como quase sempre nada é perfeito, o meu superior tinha um feitio algo complicado para lidar com quase tudo. Connosco seus subordinados, com a sociedade civil, até mesmo em sua casa com a família. Era vulgar as pessoas da vila fazerem-me reparos e queixarem-se pela forma prepotente e brusca com que por vezes eram abordadas por ele. Mais vulgar ainda era ter que acalmar os ânimos de alguns subordinados nossos completamente indignados com a rudeza autoritária e desumana como eram por ele vulgarmente tratados.

O que não deveria ser vulgar, julgo eu, era a sua esposa, confidente e grande amiga da minha, entrar frequentemente pela nossa casa dentro com o rosto marcado pela violência conjugal a suplicar-me socorro! E não foi só uma vez que isso aconteceu. Com os filhos de ambos era a mesmíssima coisa. Castigos a mais, alguns dos quais com requintes de crueldade. Sorte dele nesse tempo a violência doméstica não ser praticamente levada em conta, porque, se fosse hoje, todos aqueles comportamentos dariam matéria para um processo-crime com dezenas de testemunhas.

Por tudo isso via-me muitas vezes encurralado entre a amizade e o dever de obediência e lealdade para com ele, enquanto meu superior, mas também para com o incontornável dever de lealdade e defesa dos direitos dos meus subordinados diretos, sistematicamente postos em causa.  Tudo isso mexia muito com a minha consciência e zelo profissionais de todo impossíveis de conciliar com tais irregularidades. Tornava-se evidente a cada dia que passava uma reprovadora e perigosa censura nos olhos de todos, subordinados e civis que se apercebiam de coisas absolutamente reprováveis e impróprias de um responsável direto pelo cumprimento da lei.

Vivia eu por isso muito inquieto. Cheguei inclusivamente a desabafar com o meu médico de família, já então excelente amigo nessa altura, dada a tensão permanente que me assolava o espírito e me provocava distúrbios ao ponto de ter que ser medicado com tranquilizantes para conseguir dormir. Era um dilema. A denúncia ao escalão de comando imediatamente superior a ele, repugnava-me. Nunca consenti bufos a chibarem-se contra camaradas seus, fosse por que motivo fosse. Era por isso impensável eu fazer uma coisa dessas. Mas aquelas atitudes chocavam também contra todos os meus princípios e valores. Dentro dos limites do respeito que lhe devia e tinha, fazendo uso da confiança que a amizade havia instaurado entre nós, algumas vezes tentei chamá-lo à razão. Inutilmente. Ele é que sabia. Quem mandava era ele. Que não me preocupasse.

Que atitude tomar então?

Sem saber para onde me virar e como muitas vezes fiz ao longo da minha vida sempre que disso tive necessidade, procurei a ajuda do divino. Num dia e hora completamente aleatórios e sem prévia programação, dirigi-me à igreja matriz para me recolher no silêncio e na retemperadora paz do seu interior em busca de alguma transcendente inspiração que me aquietasse o espírito e indicasse um caminho. Entrei quando estava a começar uma missa e a celebração envolvia atividades com crianças da catequese.

Deixei-me ficar ao fundo da igreja discretamente rodeado pela assembleia anónima a tentar passar despercebido, mas logo a minha comadre Natária, uma das mais competentes e ativas colaboradoras daquela comunidade há muitos anos, reparou em mim e foi ter comigo para me dizer:

- Ainda bem que aqui estás, compadre. Queres ir fazer uma das leituras da missa?

- Sim, posso fazer, respondi sem pensar duas vezes, porque também na minha paróquia sempre colaborei nessas atividades quando me foi solicitado.

E assim, sem nada ter sido preconcebido, estava já a ser parte interveniente naquela celebração eucarística que nem sabia estar prestes a começar, quando me dirigi à igreja. Senti logo naquele convite um sinal de acolhimento do Senhor. É muito difícil traduzir por palavras esses sentimentos íntimos da nossa alma, mas dir-vos-ei que à luz da minha fé senti assim como que um “fizeste bem vir aqui”. Presunção e água benta cada um toma a que quer, diz a sabedoria popular, mas sem que me ocorra melhor forma de o explicar, senti efetivamente que aquele convite para ir fazer uma das leituras mais não era que um invisível sinal de boas-vindas. A igreja estava repleta de gente, porque fora eu o escolhido?

A celebração começou. Fui fazer a leitura que me tinha sido solicitada e voltei discretamente de novo para o meu lugar ao fundo do templo. A dado momento durante o ofertório realizado pelas crianças, enquanto uma delas estendia o cestinho para recolher as ofertas, uma outra criança oferecia a cada pessoa uma pequena tira de papel que trazia escrita uma mensagem de conteúdo litúrgico. E lá veio uma delas estender-me o cesto onde coloquei a minha oferta, enquanto a outra me entregava um “recado” numa tirinha de papel que aceitei e guardei, mas não sem primeiro ler a curta frase nele contida e que dizia assim:


Fiquei a olhar surpreendido para o minúsculo papel que me pareceu ser mais um sinal, só que desta vez bastante mais óbvio. E involuntariamente estremeci sentindo que me invadia um sentimento da mais profunda gratidão. Apenas consegui murmurar um “Bendito sejas Senhor”. Quando saí da igreja pouco depois, o meu coração navegava num mar de serenidade porque se sentia abençoado pela inabalável certeza de que as minhas súplicas tinham sido atendidas. E aquele papelito que levava no bolso era um prenúncio de esperança que ia muito além do que alguma vez imaginara encontrar.

Passaram mais de trinta anos. Trago, desde aquele dia, religiosamente guardada na minha carteira, aquela tirinha de papel já meio desfeita, pois para mim tem o valor de uma relíquia. E anda sempre comigo para a poder ler de novo naquelas horas mais agrestes da vida que todos temos de vez em quando. Para que não se desfaça nem deteriore mais, tive já que a resguardar com uma película transparente autocolante. E hoje digitalizei-a especificamente para a inserir neste relato para vocês a poderem ver também. Obviamente que não pretendo convencer e muito menos converter ninguém, mas também não tenho nenhum problema em mostrar e defender aquilo em que acredito e posso deste modo certificar. Contudo e como é obvio para quem me conhece, respeito sem qualquer dificuldade toda a gente. Crente ou não crente. Como gosto que me respeitem a mim.

Entretanto, coincidência ou talvez não, as coisas que tanto me perturbavam o espírito naquela época resolveram-se muito pouco tempo depois de forma inesperada e eficaz sem que eu nada tivesse feito para esse fim, a não ser prestar alguns esclarecimentos que me foram impostos e aos quais obrigatoriamente tive que responder, sem, no entanto, ter sido obrigado a ir mais além do que o estritamente necessário, escusando-me a lavar roupa suja ou a referir factos que me tinham sido confidenciados pelos próprios ofendidos sob sigilo, na amizade e na confiança mútuas, e que, por isso mesmo, me foi permitido omitir. Em meu entender, cabia aos próprios usarem do direito que os assistia de denunciarem ou não, todos esses factos, pois só a eles diziam respeito.

Pela veracidade e exatidão de tudo o que aqui escrevo e por muitos outros e diversos acontecimentos ao longo da minha vida, professo uma convicta fé que sinceramente me faz acreditar naquele ensinamento de Jesus aos Apóstolos:

- Pedi, e recebereis...

Também a situação que hoje aqui fica recordada refere apenas uma de muitas outras vezes em que no decorrer da minha vida me senti perdido e sem saber a quem pedir ajuda e por isso procurei na igreja abrigo e socorro. A sós, no silêncio benfazejo e acolhedor que ali fazem morada permanente. 

E sempre me senti acolhido. 

Sempre.


José Coelho 
in Histórias do Cota

terça-feira, 18 de outubro de 2022

Dose dupla

Covid + Gripe - Uma em cada braço, para não coxearmos!
Selfie José Coelho - 18.10.2022

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Malabarismos eleitorais ou uma mão cheia de nada...

Belize - Angola - 1973


Foi bandeira de Paulo Portas em tempo de eleições já lá vai tempo. "Coitados dos combatentes da guerra nas ex-colónias" e mais blá-blá-blá-blá porque éramos ainda um bom punhado de votos à época. Foi por isso pensa(pari)da uma compensação que pomposamente batizaram com o título de Acréscimo Vitalício de Pensão, extensivo a todos os ex-combatentes ou suas viúvas.
E como todos rejubilaram!
- Finalmente lá houve alguém que se lembrou dos desgraçados que foram mandados para aqueles cus de judas a comerem o pão que o diabo amassou em defesa da então, Pátria.
E vá de palmadinhas nas costas do candidato e pai do menino. Obrigado, obrigado. Assim é que é! E foi. E o que seria de todos nós, ex-combatentes, se não fosse o dito-cujo acréscimo a engrossar as nossas pensões. Eu por mim falo e cada um fale por si.
Incorporado em 1-5-71 no BC8 de Elvas, já com 10 meses de tarimba e especialista em transmissões fui mobilizado para Angola onde cheguei em 7-3-72 com destino ao Belize, no coração da floresta do Maiombe, Enclave de Cabinda, num período agudo do conflito armado que vitimou alguns camaradas meus.
Por lá permaneci 2 anos, 3 meses e 7 dias. Porém, como a Zona de Acção do Batalhão de Cavalaria 3871 era considerada 100% zona de guerra, o tempo de comissão foi bonificado também em 100%, o que me deu, para todos os efeitos legais, um total de 5 anos, 5 meses e 19 dias de tempo de serviço, somados também os 10 meses e alguns dias antes da mobilização.
É o que consta na minha folha de registos. Felizmente, ao contrário dos camaradas que lá perderam a vida, regressei a casa em Junho de 1974. Tive sorte. Mas muito do Zé que para lá foi, por lá ficou para sempre. E o mesmo sucedeu com todos os que comigo partilharam tantos meses de incerteza. Mas voltemos ao pomposo Acréscimo Vitalício de Pensão. De acordo com as decisões do governo eleito na altura, foram então atribuídos os respectivos montantes.
O embaraço de quem decidiu o valor a atribuir deve ter sido tão grande que, de mensal, como em princípio prometeram, passou a anual e a ser atribuído de uma só vez na sua totalidade, junto com a pensão de reforma do mês de Outubro. E de quanto é esse acréscimo? Uma brutidade! Que faríamos nós sem ele? A mim calharam-me… 7,79 € mensais. SETE EUROS E SETENTA E NOVE CÊNTIMOS por mês.
Então, para não parecer tão ridículo, vem todo junto em Outubro o que soma a já menos embaraçosa quantia de 109,08 €. Mas, há mais mas… Com o acréscimo desses 109,08 €, o escalão de descontos para o IRS nesse mês, passa dos normais 20,9%, para 22,4% e a incidirem sobre o montante total da pensão e não apenas na porcaria dos 109,08 €, o que origina um aumento nos descontos de mais 53 €.
Com um bocadinho de jeito, ainda me dava era prejuízo.
Contas feitas, recebo por ano 56,08 € líquidos de Acréscimo Vitalício de Pensão, o que, dividido pelas 14 mensalidades, dá, em números redondos, 4 € por mês.
Num país onde um político pode somar 10 000 € mensais de várias pensões a que tem direito, o que não discuto mas sublinho, onde um político com mais de três mandatos consecutivos - 12 anos como deputado - adquire direito a uma subvenção vitalícia na ordem dos milhares de euros que irá duplicar o seu valor mensal a partir do dia em que o beneficiário completar 60 anos, onde ainda alguns membros do governo moram em Lisboa mas mesmo assim recebem subsídios de alojamento além de outros subsídios para tudo e mais alguma coisa, isto é, sinceramente, gozar com o pagode.
- Toma lá sete euros por mês de AVP mas dá para cá três e meio para o IRS.
Ora f****se…
Só gostava de saber se os senhores governantes também descontam assim para o IRS, metade dos subsidiozorros que recebem, conforme eu os tenho de descontar do meu subsidiozinho. Pela parte que me toca, e repito que só por mim falo, bem podiam, em genuíno vernáculo alentejano, meter no cu a porra do Acréscimo Vitalício de Pensão.
Disse.
José Coelho
- 17Out’22

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Fim de tarde raiano

Foto José Coelho - 11.10.2022

 

Meus poetas favoritos

Foto José Coelho

Outono.
(A palavra é cansada...)
Tudo a cair de sono,
Como se a vida fosse assim, parada!
Nem o verde inquieto duma folha!
O próprio sol, sem força e sem altura,
Olha
Dum céu sem luz e levedura.
Fria,
A cor sem nome duma vinha morta
Vem carregada de melancolia
Bater-me à porta.

Miguel Torga

terça-feira, 11 de outubro de 2022

Santa (?) tapona!

O António. Não temos fotos dos tempos de crianças



E foi assim:

Embora só tenha três irmãs tive também um quase-irmão. É ele o principal protagonista desta história que hoje trago à baila! Foi meu primo em segundo grau e afilhado dos meus pais. Por isso mesmo se chamava António como o padrinho. Filho mais novo da irmã mais nova da minha avó Amélia, a tia Joaquina Brito, que era mãe solteira de dois rapazes. Do Manuel, o mais velho, já homem feito naquele tempo e ainda hoje vivo e com saúde nos seus mais de 80 anos, assim como também do António, dois anos apenas mais velho do que eu e que infelizmente faleceu em finais dos anos 70 vítima de um trágico acidente de viação com apenas 27 anos.

Além de trabalhar no campo para angariar o sustento para si e para os filhos, a tia Joaquina “Carroleta” sua mãe, era também contrabandista, como eram muitas outras mulheres por estas bandas naquele tempo. E foi numa fria madrugada a carregar com o bebé António ao colo e várias dúzias de ovos numa cesta à cabeça que foi apanhada pelos carabineiros espanhóis. Detida na mesma hora, foi conduzida à cadeia de Valência de Alcântara de onde transitou para a de Cáceres e lá ficou presa várias semanas por tão "gravíssimo" crime.

Entretanto por a cela ser bastante húmida e fria o pequenito contraiu tosse convulsa. Sem as mínimas condições para o tratarem "en la cárcel" e sem tencionarem libertar a aflita mãe, conseguiram, contudo, que ele fosse entregue aos cuidados da madrinha, a qual, naquela genuína generosidade que sempre a caracterizou, logo se prontificou para ficar com o petiz para o tratar e cuidar dele, ao mesmo tempo que cuidava de mim, bebé também nessa altura. Provavelmente por isso, o António eu e a minha mãe gostávamos muito uns dos outros e isso acabou por nos unir aos três numa profunda e fraterna amizade.

Como não havia um pai presente em sua casa e a vida era muito complicada nesse tempo, o António não tinha brinquedos, como aliás eu também tinha poucos, apesar de ter o meu pai presente, assim como a maior parte das crianças de então, principalmente os filhos dos camponeses pobres como nós. Porém, nesse ano pelo Natal, o padre Caetano arranjou, não me lembro já muito bem como nem de onde, alguns brinquedos para serem distribuídos pelas crianças mais necessitadas que frequentavam a catequese. O António nunca lá punha os pés por ser um miúdo um pouco rebelde, por a catequista lhe não ser simpática, talvez também por ser um rapazote mais crescido e com pretensões a sentir-se já dono do seu nariz.

Consequência direta: o António não teve direito a receber nada, apesar de ainda andar na escola. Sucedeu, no entanto, que depois de todos os brinquedos distribuídos sobraram ainda alguns. E entre eles, uma pequena bola de borracha pouco maior que uma laranja que o António cobiçava e lhe fazia até brilhar os olhos. Primos e amigos inseparáveis como sempre fomos, aproveitei o acesso privilegiado que tinha a tudo em redor do pároco por ser o seu sacristão, peguei na bola sem dar cavaco a ninguém e ofereci-lha de presente, na ingénua esperança que ninguém fosse dar pela falta.

Feliz da vida, em vez de esconder a irregular “oferta”, o sacana exibiu o troféu a toda a gente numa atitude bacoca de desafio como que a dizer “não me deram nada mas já cá canta um brinquedo” originando que a notícia chegasse num ápice aos atentos ouvidos do padre a quem não deve ter sido difícil somar um mais um, para chegar à conclusão lógica de como a bola fora parar às mãos daquele indomável rebeldezito que nunca punha os cotos na catequese nem tinha pai que o obrigasse a ir, mas queria ter as regalias dos outros que nunca faltavam.

Poucos dias depois, lá fui eu “chamado a capítulo”:

- Coelhinho, chega aqui – ordenou o sacerdote com um ar muito carrancudo.

E perguntou a olhar-me nos olhos:

- Onde está aquela bola verde que estava aqui?

Não havia volta a dar!

Numa secreta esperança de a confissão do delito reverter em meu benefício, respondi amedrontado:

- Dei-a ao meu primo António, sr padre!

- E com ordem de quem? Voltou ele a inquirir…

- De nin-ninguém se-senhor pa-padre…

- Fo-foi porque ele na-não te-teve nenhum bri-brinquedo no Natal - tentei justificar apavorado com o semicerrar de olhos do furibundo padre.

- Záááásss… 

Uma estrepidosa e dolorosa bofetada na minha face com aquela mãozorra pesada toda aberta!

- Isto é para aprenderes a não ser atrevido – vociferou o padre.


Até vi candeias a bailarem diante dos olhos, tal foi o estaladão.

Enxuto, com a cara em fogo, papei-a e calei-me, não fosse o diabo tecê-las, pois se a mãe Florinda soubesse, ia de certeza acrescentar mais algumas! 

Ai ia, ia...

O padre "malhou-me" mas o que fiz foi com boa intenção - pensei.

Que se lixasse!

O António ganhou a bola dele! Olá se ganhou. Já ninguém lha tirou e ficou mesmo com ela.

Porra! Podia era ter calado o bico, não?

Amigo, primo-quase-irmão, quantas lembranças e saudades! Onde quer que estejas, sabes com certeza que se fosse hoje, eu voltaria a fazer exatamente o mesmo.

Porque tu merecias.

Mais tapona, menos tapona, que se lixasse outra vez! Dada pelo padre, até deve ter sido santa!

E… 

Olha lá: 

-Aqui só para nós, aquilo não foi roubar, pois não?


José Coelho - Histórias do Cota

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Coisas qu'escrevi

 Por do sol por detrás do Monte da Broca
Foto José Coelho

Desassossego

Saio, é tardinha, vou caminhando e vejo,
coberto de silvas e giestas, o montado
e a brisa morna do meu Norte Alentejo,
traz no seu ventre um leve balir de gado.

Subo a um cerro e sento-me no seu cume,
rodeado de paisagem e imponência,
estala o restolho como lenha a arder no lume,
e à minha volta só o abandono é evidência.

Eu inda cá moro, mas muitos já se foram,
Beirã amada esculpida no cancho agreste,
lembrada és sempre por quantos te adoram,
estranho feitiço que em nós sempre exerceste.

Espreita ao longe, de Castela a serrania,
por fundas margens serpenteia o Sever,
rumando à raia envelhece a férrea via,
progresso d'ontem que hoje deixou de ser.

Se o ribombar deste silêncio dói no ouvido,
o abandono e a solidão esmagam o peito,
o piar do velho mocho parece mais um gemido
e até o rouxinol, do seu trinar mudou o jeito.

Fontes secaram com os estios e maus cuidados,
matagais encheram as hortas, pomares e olivais,
e os alcatruzes das noras, jazendo enferrujados
miram-nos tristes por já não regarem mais.

Que progresso foi este que matou,
tudo o que na minha terra era vida?
Pouco nos trouxe, pouco nos fez, mas deixou,
o silêncio, o abandono e tanta ilusão destruída.

José Coelho – Outubro 2016