Quando
nasci, o meu pai contava já 42 anos. Casou tarde, aos 36, pese embora a minha mãe
tivesse apenas 20. Tão mais jovem do que ele, deduzo que se terá deixado
encantar por aquele modo meigo e afável que o caracterizavam e com o qual
conquistava a amizade de quase toda a gente que com ele lidava. Cresci por isso
a ver surgirem no seu rosto as primeiras rugas e no seu farto cabelo os
primeiros fios prateados.
Treze anos mais tarde fui integrar a sua equipa de trabalho na pedreira da Lajem do Sapato da qual ele era subempreiteiro por conta do Engº Ventura e também ali todos os seus camaradas eram cinquentões como ele. Foi com esses dignos mestres que aprendi o ofício de cabouqueiro e foi também seguramente entre eles que colhi muitos dos ensinamentos que me moldaram para a vida adulta.
Influenciado pela sã vivência com essa geração grisalha e de muito bom senso, habituei-me a ver o mundo pelo prisma deles, mas, sobretudo, a estimar e respeitar os mais velhos, aqueles a quem, por ser mais fino ou – dizem – menos agressivo, se definem agora como idosos. Mas eu continuo a chamar-lhes velhos como sempre chamei porque entendo que a velhice não é uma vergonha nem um castigo e não deve por isso ser maquilhada com brandas denominações para ser mais bem aceite. Em meu entender, chegar a velho é um privilégio, uma recompensa da Vida, uma bênção para quem conseguiu alcançá-la.
Os rostos enrugados dos anciãos, os cabelos prateados e a sabedoria adquirida no decurso das suas vidas merecem de mim todo o respeito e consideração. Admiro a sua inquestionável dignidade, paciência e conformismo, mas, sobretudo, a enorme generosidade com que aceitam ser esquecidos e a nobreza com que ainda por cima desculpam os filhos que passam meses sem os visitar nos lares onde por conveniência própria os depositaram para lá ficarem o resto dos seus dias.
É vulgar ouvir os gentis argumentos com que ainda quase defendem o indesculpável abandono:
- Coitados! Eles não podem cá vir, têm lá as suas vidas…
Na sua imensa bondade não só aceitam como perdoam e ainda acham que coitados são os que, por absoluto desamor, se esquecem que eles ainda estão vivos. Haverá porventura outras tristes histórias de vida de que todos já ouvimos falar em que os enjeitados foram os filhos por razões mais ou menos censuráveis e é natural que esses infelizes não sintam qualquer compaixão por quem os enjeitou, mas de um modo geral é meu entender que abandonar mãe ou pai, irmãos incapacitados, avós ou outros parentes próximos é uma vergonha, um desmazelo, uma injustiça, uma falta de compaixão, de solidariedade, de respeito e de carácter.
Quantos desses velhinhos sacrificaram toda a sua vida e juventude para darem o que podiam, quantas vezes mais do que aquilo que podiam, para que nada faltasse a quem agora os ignora?
José
Coelho in Histórias do Cota
*Excerto