terça-feira, 3 de novembro de 2020

A dignidade de chegar a velho

- Dos 06 aos 66 -

Quando nasci, o meu pai contava já 42 anos. Casou tarde, aos 36, pese embora a minha mãe tivesse apenas 20. Tão mais jovem do que ele, deduzo que se terá deixado encantar por aquele modo meigo e afável que o caracterizavam e com o qual conquistava a amizade de quase toda a gente que com ele lidava. Cresci por isso a ver surgirem no seu rosto as primeiras rugas e no seu farto cabelo os primeiros fios prateados.

Treze anos mais tarde fui integrar a sua equipa de trabalho na pedreira da Lajem do Sapato da qual ele era subempreiteiro por conta do Engº Ventura e também ali todos os seus camaradas eram cinquentões como ele. Foi com esses dignos mestres que aprendi o ofício de cabouqueiro e foi também seguramente entre eles que colhi muitos dos ensinamentos que me moldaram para a vida adulta.

Influenciado pela sã vivência com essa geração grisalha e de muito bom senso, habituei-me a ver o mundo pelo prisma deles, mas, sobretudo, a estimar e respeitar os mais velhos, aqueles a quem, por ser mais fino ou – dizem – menos agressivo, se definem agora como idosos. Mas eu continuo a chamar-lhes velhos como sempre chamei porque entendo que a velhice não é uma vergonha nem um castigo e não deve por isso ser maquilhada com brandas denominações para ser mais bem aceite. Em meu entender, chegar a velho é um privilégio, uma recompensa da Vida, uma bênção para quem conseguiu alcançá-la.

Os rostos enrugados dos anciãos, os cabelos prateados e a sabedoria adquirida no decurso das suas vidas merecem de mim todo o respeito e consideração. Admiro a sua inquestionável dignidade, paciência e conformismo, mas, sobretudo, a enorme generosidade com que aceitam ser esquecidos e a nobreza com que ainda por cima desculpam os filhos que passam meses sem os visitar nos lares onde por conveniência própria os depositaram para lá ficarem o resto dos seus dias.

É vulgar ouvir os gentis argumentos com que ainda quase defendem o indesculpável abandono:

- Coitados! Eles não podem cá vir, têm lá as suas vidas…

Na sua imensa bondade não só aceitam como perdoam e ainda acham que coitados são os que, por absoluto desamor, se esquecem que eles ainda estão vivos. Haverá porventura outras tristes histórias de vida de que todos já ouvimos falar em que os enjeitados foram os filhos por razões mais ou menos censuráveis e é natural que esses infelizes não sintam qualquer compaixão por quem os enjeitou, mas de um modo geral é meu entender que abandonar mãe ou pai, irmãos incapacitados, avós ou outros parentes próximos é uma vergonha, um desmazelo, uma injustiça, uma falta de compaixão, de solidariedade, de respeito e de carácter. 

Quantos desses velhinhos sacrificaram toda a sua vida e juventude para darem o que podiam, quantas vezes mais do que aquilo que podiam, para que nada faltasse a quem agora os ignora?

 

José Coelho in Histórias do Cota

*Excerto

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

02.11.2020

Desiderata

Caminha tranquilamente entre a inquietude e a pressa, desfrutando a paz que há no silêncio. Tanto quanto possível, sem te humilhares, vive em harmonia com todos os que te rodeiam.
Fala a tua verdade mansa e calmamente, e ouve a dos outros, mesmo a dos insensatos e ignorantes – também eles têm a sua própria história.
Evita as pessoas agressivas e transtornadas, elas afligem o nosso espírito. Se te comparares com os outros vais tornar-te presunçoso ou magoado, pois haverá sempre alguém inferior e alguém superior a ti. Vive intensamente o que já podes realizar.
Mantém-te interessado no teu trabalho, ainda que seja humilde, ele é o que de real existe ao longo de todo o tempo. Sê cauteloso nos negócios, porque o mundo está cheio de astúcia, mas não caias na descrença. A virtude existirá sempre.
Tu és um filho do Universo, irmão das estrelas e das árvores. Mereces estar aqui e mesmo que não possas perceber, a terra e o universo vão cumprindo o seu destino.
Muita gente luta por altos ideais e em toda parte a vida está cheia de heroísmos.
Sê tu mesmo e principalmente, não simules afeição nem sejas descrente do amor; porque mesmo diante de tanta aridez e desencanto ele é tão perene como a relva.
Aceita com carinho o conselho dos mais velhos, mas sê compreensivo aos impulsos inovadores da juventude.
Alimenta a força do Espírito que te protegerá no infortúnio inesperado, mas não te desesperes com perigos imaginários. Muitos temores nascem do cansaço e da solidão.
E a despeito de uma disciplina rigorosa, sê gentil para contigo mesmo. Portanto, vive em paz com Deus, seja como for que O concebas, e quaisquer que sejam os teus trabalhos e aspirações na fatigante jornada da vida, mantém-te em paz com a tua própria alma.
Acima da falsidade, dos desencantos e agruras, o mundo ainda é bonito, sê prudente, faz tudo para seres feliz...

Max Ehrmann
Rita Corre