quarta-feira, 14 de agosto de 2019

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

É tão fácil ser feliz

Foto - Avó Manuela

Avô e netas.
Final de tarde. 
Hora de regar as árvores do quintal. 
A escala de serviço determina que a Francisca vai regar a laranjeira e a Mariana vai regar o limoeiro. 
O avô regará as oliveiras, as couves e os espinafres. 
Cada neta cumpre a sua parte com perícia e engenho.
Cabe agora ao avô fazer o resto.
Subitamente, o fluxo de água da mangueira diminui e quase deixa de correr.
- Maria!!! Maria!!! Tás a mexer na torneira?
- Nãoooo... Porquê? Responde a avó.
Tá-se a acabar a água, não vês?
De súbito... Plufffff... Um esguicho enorme!!! A mangueira rebentou.
Olho para trás e....
Eureka!
O avô encontrou a súbita avaria.
A neta Mariana, na maior das descontracções a dançar zumba sobre a macia mangueira esborrachando-a e impedindo que a água passasse normalmente.
E por isso, com a pressaão acumulada da água canalizada...
Plufffff..
Explodiu e espirrou água por todo o lado
E a Mariana, feliz da vida, aproveitou para pisar a terra molhada para enlamear as sapatilhas e sair do quintal como se estivesse a sair do galinheiro depois de pisar o cocó de 100 galinhas...
Ai ó avó!!!
Igualzinha ao pai quando era como ela.
Só destinava coisas assim...
E a Francisca ria, ria, como uma desalmada.
Avô sofre...

domingo, 11 de agosto de 2019

O doutor...

1974

Foi colocado em meados desse ano de 1974 a chefiar a Alfândega da Estação da Beirã. Era um grande senhor e ainda melhor amigo. De seu nome, Teixeira Alves. Conhece-mo-nos no Clube Recreativo quando a malta por lá se reunia aos serões. Apesar do cargo importante que já exercia era um jovem pouco mais velho que eu. Tinha apetência para a política e nas suas horas livres ensinava e explicava muitas coisas sobre o recente golpe de estado que acabara com a ditadura, bem como tudo o que viria a seguir. Simpatizava com o MDP/CDE, um partido, dizia-se em surdina, filho do PCP. Era uma pessoa de linguagem tão simples que até os mais iletrados ouvintes a entendiam. E manifestava em todas as suas atitudes, uma postura simples e extremamente descomplicada.

Foi por acaso que nos tornámos amigos. Eu continuava sem conseguir ingressar em qualquer empresa pública em virtude das convulsões políticas dessa época e ia fazendo um ou dois meses de trabalho precário aqui ou ali, a “féga” da azeitona de novembro a fevereiro e pouco mais. Por isso o doutor pedia-me para o acompanhar quando ia fazer sessões de esclarecimento pelas localidades da freguesia em virtude de eu conhecer melhor a zona e inclusivamente as pessoas, as quais, muitas vezes, por terem mais confiança comigo do que com ele, me punham as questões e as dúvidas a mim para eu lhas transmitir e ele oportunamente esclarecer.

Foi este excelentíssimo senhor que incentivou a criação dos primeiros sindicatos que começavam também por aqui a surgir. Aquele que teve mais impacto e adesão imediata foi o sindicato dos trabalhadores rurais. Havia no entanto um enorme senão que era o analfabetismo em quase cem por cento desses trabalhadores. Sob a orientação do doutor foi alugada uma casa à entrada da aldeia, depois precariamente mobilada com móveis usados e oferecidos por algumas pessoas. Ali se fundou a primeira sede oficial desse sindicato. 

Procedeu-se depois a eleições entre os sindicalizados e foram eleitos três representantes. Nenhum deles sabia ler nem escrever. Em virtude disso, pediu-me o doutor se não me importava de passar diariamente pela sede do recém-criado sindicato para lhes fazer a escrita necessária que se limitava ao preenchimento das fichas individuais dos novos aderentes, escriturar as quotas mensais e receber o seu pagamento que posteriormente entregava aos elementos eleitos da Direcção.

Nunca auferi pagamento algum pelo que fazia assim como nunca assumi qualquer vínculo partidário. Não tinha pressa em me filiar em nenhum partido porquanto desconhecia completamente o que representavam, ou se aquilo que defendiam me interessava e convinha. Andava naquela fase de ver, ouvir e entender, para só depois decidir. Fui muitas vezes a Portalegre com o doutor, conheci e convivi de perto com algumas individualidades que mais tarde chegaram a deputados da Assembleia da República, mas nunca fui além de mero observador dessas “lides” políticas em que andavam envolvidas todas aquelas personalidades.

De nada me valeram contudo as minhas reservas porque, entretanto, adquiri sem me dar conta disso, o estatuto de “comuna”. E passei a ser olhado com maus olhos por muito boa gente que julgava minha amiga. Ao doutor faziam vénias e lambiam as botas. A mim atiravam pedras. Pudera! Ele era o “senhor doutor”. Tornava-se por isso muito mais fácil dizer de mim o que ninguém se atrevia a dizer dele, não fosse o diabo tecê-las. Porém, como quem não deve não teme, nunca me preocupei muito com isso, apesar de, obviamente, me causarem alguma estranheza, tais atitudes.

Na continuação da autêntica saga que foi a minha vida depois de vir da tropa nesses meses pós 25 de Abril, houve necessidade de nomear provisoriamente três elementos para a Junta de Freguesia da Beirã com o fim de assegurar o funcionamento da mesma até às eleições livres que entretanto estavam a ser preparadas, uma vez que os anteriores membros foram tacitamente destituídos no momento em que o governo de Marcelo Caetano caiu.

Para a Câmara Municipal de Marvão sucedeu exactamente o mesmo, e, do seu elenco provisório, fazia parte um velho e querido conterrâneo, o nosso João Forte – o Barbas – amigo de toda a vida do meu pai. Foi este senhor que me pediu para integrar o elenco provisório da Junta de Freguesia da Beirã enquanto fosse necessário.

Confiadamente, aceitei. Sem hesitar. Dias depois fomos empossados oficialmente em Acta pública na Câmara Municipal de Marvão. Já não recordo a data mas decerto por lá estará registada, em livro próprio, essa nossa tomada de posse. Os nomes dos outros dois elementos não os vou mencionar porque já não se encontram entre nós. Um deles foi então nomeado para Presidente (provisório), eu fui nomeado Secretário (provisório) e o terceiro elemento Tesoureiro (provisório).

Pena que, quase sempre, essa minha permanente disponibilidade para colaborar em tudo o que me é solicitado, só me tem, quase sempre também, trazido enormes decepções. Nunca procurei quaisquer protagonismos, quaisquer vantagens pessoais ou pelouros (vulgo tachos) para os meus. Apenas me interessou sempre e só, o bem comum desta comunidade da qual faço parte e que muito prezo...

José Coelho in Histórias do Cota

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Bom fim de semana...


"O caminho não é fácil. Nem sempre as coisas acontecem quando queremos, quando precisamos ou quando merecemos. Às vezes, quando o sonho aparece à entrada para nos receber como anfitrião da nossa felicidade, a vida fecha a porta sem nos deixar entrar. Às vezes, quando estamos a chegar, temos de voltar para trás e voltar ao ponto de partida. Às vezes, muitas vezes, a vida prega-nos partidas. Faz-se noite a meio do dia. Levanta-se a tristeza de repente e tira a paz do sítio. É como a geada que cai sobre o fruto do trabalho e não lhe dá o tempo de ser o que deveria. Geada que queima por dentro. É assim. O caminho não é fácil. Nem sempre se deixa caminhar. É preciso ensiná-lo a ser o lugar dos nossos passos. Da nossa vontade. Terás de voltar ao início tantas vezes quantas forem precisas para que o caminho te deixe passar. Quando chegar a altura e mostrares que estás à altura do que sonhas, o caminho abrir-se-á à tua passagem e colocará na tua mão a chave dessa porta pela qual só tu podes entrar. O caminho não é fácil. Põe-te a caminho. Agora."

lado.a.lado - no Facebook

terça-feira, 6 de agosto de 2019

O aprendiz de xico-esperto...

Imagem copiada do Google

Teria oito ou nove anos. Era por isso já um franganote algo sabido – ou pensava que era – quando certa tarde a professora da Escola Masculina da Beirã a D. Clarisse Quezada me chamou e me mandou ir à Virgínia, da loja da ti Zabel no Largo da Fonte, com uma nota de 50 escudos para a trocar por pesetas. Era vulgar, naquela época, as senhoras finas da Beirã irem às compras a Valência de Alcântara. Bastava para isso pedirem autorização verbal ao senhor Doutor da Alfândega que por norma não se opunha e em seguida apanharem um dos muitos comboios que nesse tempo circulavam de dia e de noite numa ida e volta constantes entre as estações dos dois países.

E lá fui eu contente e todo lampeiro fazer o recado. A Virgínia – muita gente se deve ainda lembrar dela – era a empregada da ti Zabel que atendia ao balcão da loja. Foi ela que fez as contas ao câmbio trocando a nota de cinquenta escudos portugueses por notas e moedas de pesetas espanholas que me entregou.

Um escudo valia mais ou menos duas pesetas “grosso modo” nesse tempo. Assim sendo e segundo o meu iluminado raciocínio, deveria ter recebido em troca, 100 pesetas. Porém e porque o câmbio sem que eu disso soubesse estava umas décimas mais favorável ao escudo, a Virgínia deu-me 105 pesetas e não apenas as 100 que eu havia calculado.

- Enganou-se! Pensei eu. Ora! Ainda bem…

Sem pensar duas vezes meti ao bolso as cinco pesetas que julgava virem em excesso por engano da Virgínia e entreguei apenas 100 à menina Júlia, a criada da D. Clarisse que, entretanto, foi quem veio atender-me quando bati de novo à porta. Não imaginava eu, fatela xico-esperto de meia tijela, que a transação estava corretíssima porque a peseta tinha desvalorizado e por isso o câmbio dava as 105 que me foram entregues.

Não vendo quase nunca a cor do dinheiro, aquelas preciosas cinco pesetas fizeram com que me sentisse milionário. E não perdi tempo em investir tão inesperada fortuna. Corri à taberna do senhor Joaquim Batista onde comprei um pacote de tremoços. Porém, como ainda sobraram umas perras-chicas daquelas que tinham um buraco no meio mas davam para uma gasosa, passei pela taberna do Senhor João Viegas para a comprar. E em seguida, não fosse algum amigo aparecer de improviso e eu ter que dividir com ele o meu inesperado “banquete”, marchei sozinho para as acácias à volta do cancho da cegonha no Penedo da Rainha para me alambazar.

Quando ao fim de quase duas horas de lá vim, qual não foi o meu espanto ao saber que o meu pai, coisa inédita, andava á minha procura! A D. Clarisse, conhecendo o câmbio da moeda, mal a criada lhe entregou apenas 100 pesetas, logo terá exclamado: “Isto está mal”… E mandou-a ir à loja da Virgínia reclamar. Como é lógico, a Virgínia, pessoa séria e de muito boas contas, explicou que tinha entregue ao portador 105 e não apenas 100 pesetas! Claro que, sem grandes dificuldades, deduziram a minha marosca.

O meu pai, para mal dos meus pecados, estava, entretanto, na taberna ao lado da mercearia da ti Zabel onde logo foi informado da minha xico-espertice. Escusado seria dizer que no momento seguinte andava ele à minha procura para me obrigar a devolver aquilo de que eu me tinha apropriado indevidamente, mas também para me “untar o faval” coisa que até esse dia, nunca tinha acontecido.

Verdade! Foi a única sova que o meu pai me deu, que eu me lembre.

Bem a mereci!

Assim que me viu aparecer ainda a lamber os beiços do sal dos tremoços e das borbulhas da gasosa, chamou-me e vociferou furibundo: 
- Anda lá a casa comigo que temos que fazer umas contas…
- Mau Maria… Pensei.

Nunca o tinha visto tão zangado! Mas logo comecei a cogitar como me havia de safar. Assim, ao cimo da ladeira do tanque antes de chegar à porta da nossa casa, larguei a correr rua abaixo dizendo-lhe:

- Vou à frente pai, vou ver de um lápis para fazermos as contas…

Xico-esperto de novo hein?!...

Eheheh…

Não me valeu a esperteza!

Em três grandes passadas entrou atrás de mim e antes de eu poder fazer mais qualquer coisa agarrou-me pela blusa e jogou-me um chapadão tão grande que fui arremessado contra a parede do corredor. Ainda não me tinha sequer refeito da surpresa e… bumba! Outro chapadão ainda mais valente que o primeiro com aquela mãozorra calejada que mais parecia uma tábua. E os meus ouvidos a zunirem que pareciam duas campainhas… 

- Tziiiiiiiiiing!

- Caraças que isto doeu…

Como em toda a minha ainda curta vida e até àquele momento nunca o meu pai me tinha tocado nem com um só dedo – e nunca mais tocou no resto da sua vida – fiquei deveras acagaçado e só ali é que comecei a perceber que tinha metido a pata na poça até ao joelho…

- Seu cabrão! Vociferava de dentes cerrados completamente danado! Na nossa casa somos muito pobres mas nunca cá houve gatunos… Onde é que estão as pesetas que roubaste à professora?

- Ai agora!  Pensei eu, ainda mais apavorado!

E lá tive que explicar como as tinha gasto e que por isso já não as poderia devolver.

- Muito bem – respondeu ele – vou à Virgínia comprar as cinco pesetas mas quem as vai levar à professora na minha frente e pedir-lhe desculpa, és tu, agora mesmo!

Dito e feito, lá tive que ir atrás do ti Antónho Coelho, de rabinho entre as pernas, envergonhadíssimo e sem saber como encarar a Virgínia, a menina Júlia e, pior um pouco, a professora, a qual, como vocês todos se devem ainda lembrar, não era nada dada a meiguices e tinha umas mãozinhas muitíssimo duras e lampeiras.

- Vou papá-las dela também, pensei com mau agoiro.

Porém, enganei-me. A professora, talvez pela presença do meu pai, não me tocou nem com um só dedo. Apenas me disse muito carrancuda:
- Fizeste uma coisa muito feia José Manuel e eu agora já não quero as cinco pesetas. Mas vais ter que ir entregá-las no próximo domingo na missa ao senhor padre à frente de toda a gente para a Beirã ficar a saber o que tu fizeste…

- Jesus credo, “amalssoadas” pesetas… Pensei em pânico.

Mas assim teve mesmo que ser. Foi um vexame… O maior – felizmente o único – em toda a minha vida. Foi também, disso tenho absoluta certeza, a melhor e mais dura lição que aprendi. Nunca mais tive tentações de repetir esperteza semelhante.

Era assim que naquele tempo educavam a gente. E que eficácia tinha!

Coitado do meu pai que toda a sua vida se culpou por me ter dado aquelas valentes “orelhadas”. Vezes sem conta se arrependeu de me ter agredido daquela maneira porque não era mesmo nada dado a violências – quem o conheceu sabe que ele era a bondade em pessoa e incapaz de ser agressivo fosse com quem fosse, fosse pelo que fosse. Obrigado Pai. Eu precisava delas e aprendi a lição…

José Coelho
in Histórias do Cota

Por mais que nos doa...

20.07.2019

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas que já têm a forma do nosso corpo e esquecer os caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia. E, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."

Fernando Teixeira de Andrade

domingo, 4 de agosto de 2019

Meu vício de ler...

03.08.2019

Podes ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes, mas não te esqueças de que a tua vida é a maior empresa do mundo e que só tu podes evitar que ela vá à falência. Há muitas pessoas que te precisam, admiram e torcem por ti.

É importante que te lembres sempre que ser feliz não é ter um céu sem tempestades, caminhos sem acidentes, trabalhos sem fadigas, relacionamentos sem decepções.

Ser feliz é encontrar força no perdão, esperança nas batalhas, segurança no palco do medo, amor nos desencontros.

Ser feliz não é apenas valorizar o sorriso mas reflectir também sobre a tristeza. Não é apenas comemorar o sucesso mas aprender lições nos fracassos. Não é apenas ter júbilo nos aplausos mas encontrar alegria no anonimato.

Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver, apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.

Ser feliz não é uma fatalidade do destino mas uma conquista de quem sabe viajar para dentro do seu próprio ser.

Ser feliz é deixares de ser vítima dos problemas e tornares-te em autor da tua própria história. É atravessares desertos fora de ti mas seres capaz de encontrar oásis no recôndito da tua alma. É agradeceres a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.

Ser feliz é não teres medo dos teus próprios sentimentos. É saberes falar de ti. É teres coragem para ouvir um "não". É teres segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta. É beijares os filhos, estares com os pais e teres momentos poéticos com os amigos, mesmo que eles te magoem.

Ser feliz é deixar viver a criança livre, alegre e simples que mora dentro de ti. É teres maturidade para admitires: "eu errei". É teres ousadia para pedires "perdoa-me". É teres sensibilidade para confessar: "preciso de ti".

Ser feliz é também ter a capacidade de dizer "gosto de ti".

Desejo que a vida seja um canteiro de oportunidades para ti. Que nas tuas primaveras sejas amante da alegria. Que nos teus invernos sejas amigo da sabedoria. E quando errares no caminho começa tudo de novo pois assim serás cada vez mais apaixonado pela vida. E descobrirás que ser feliz não é ter uma vida perfeita mas usar as lágrimas para irrigar a tolerância. Aproveitar as perdas que te são impostas para refinares a paciência, as falhas da tua personalidade para esculpires a serenidade. Usa a dor que te é imposta para lapidares o prazer e os obstáculos que não podes transpor para abrires as janelas da inteligência.

Jamais desistas de ti. Jamais desistas de ser feliz porque a vida é um espectáculo imperdível.

Porque tu és especial.

E as pessoas especiais sabem dividir o seu tempo com os outros. São honestas nas atitudes, são sinceras, compreensivas. E sabem que o amor é parte de tudo.

Pessoas especiais têm coragem de doar-se aos outros sem nenhum interesse oculto. Não têm medo de ser vulneráveis, acreditam que são únicas e gostam de ser quem são.

Pessoas especiais importam-se com a felicidade dos outros e ajudam-nos a conquistá-la.

Pessoas especiais são aquelas que realmente tornam a vida mais bela e mais feliz.

Augusto Cury

sábado, 3 de agosto de 2019

Não foi pera doce...

Imagem copiada do Google

Até ao dia em que comecei a ser mineiro pensava que o trabalho mais duro e sacrificado que existia no mundo era o trabalho no campo onde cada camponês tem que levantar-se de madrugada e só se deita alta noite se quiser tirar algum resultado do seu esforço. Por tudo quanto conhecia dessa minha anterior vida fiquei pasmado com a dureza do trabalho mineiro, muito mais perigoso sujo e imprevisível do que qualquer serviço agrícola. Nas primeiras semanas quando laborava nas profundezas da terra a mais de três mil metros da boca da mina iluminado apenas pelo pequeno farol encaixado no capacete e alimentado por uma pilha presa ao cinto das calças, mais de uma vez senti o desconforto claustrofóbico comum a todos os principiantes mineiros no meio de tanta humidade e escuridão, habituado ao ar puro dos campos onde eu sempre vivera até então.

Não foi fácil mas acabei por me adaptar e por lá fiquei nos cinco anos seguintes. Obviamente, também não era fácil para quantos lá trabalhavam mesmo já há anos, mas toda a gente acabara por se habituar, salvo raras excepções, pois também acontecia de vez em quando aparecer um ou outro principiante que entrava uma vez na mina e no dia seguinte desistia do emprego não voltando lá mais. Não é por acaso que os mineiros mais velhos morrem quase todos pouco depois dos 50, vítimas de silicose pulmonar. Pela minha parte comecei por ser ajudante do destemido Castelovidense José Maria mais conhecido pela alcunha de “Mocho”. Bom rapaz sem dúvida, mais ou menos da minha idade, marteleiro de chaminés e tão aventureiro que acabou por morrer esmagado em 1980 debaixo de um liso enorme que se desprendeu da abóbada de uma galeria poucos meses depois de eu ter deixado as minas para ingressar na GNR.

E o que eram as ditas chaminés?

Nada mais do que poços abertos de baixo para cima afim de ligarem verticalmente as galerias do nível 3 às do nível 2, ou do nível 2 às do nível 1. As Minas da Panasqueira têm dezenas de quilómetros de galerias em níveis sobrepostos a cada 100 metros de profundidade, o que quer dizer que o nível 3 se encontra à profundidade vertical de 200 metros. Mas depois cada um desses níveis tem uma imensa rede de galerias paralelas ligadas entre si que avançam serras adentro por mais de cinco quilómetros na horizontal.

Marcado pelos topógrafos o local exacto onde era preciso abrir a nova chaminé, começava por se abrir um buraco redondo no tecto da galeria com um martelo pneumático vertical movido a ar comprimido. Depois de todos os buracos feitos com brocas de 1,20 m, eram carregados pelo Zé Maria, ajudado por mim, com velas de dinamite previamente preparadas com detonadores ligados entre si e cujo fio condutor ligávamos depois já longe da chaminé a um sistema eléctrico central que a uma determinada hora iria ser explodido por controle remoto. Assim avançavam, de baixo para cima, aqueles poços ao contrário.

À medida que íamos subindo em direção à galeria superior onde iria certeiramente terminar, 100 metros mais acima, tínhamos que ir também todos os dias chumbando à parede, de um dos lados do poço, umas grades de aço com cremalheira lateral onde encaixavam as rodas dentadas do elevador dobrável movido também a ar comprimido e onde levávamos sempre tudo de uma vez. O martelo e as brocas, mais uma grade para acrescentar outro metro e meio de ascensão ao elevador, a dinamite para depois carregarmos os novos furos, os detonadores e os fios elétricos para os armadilhar. Cada equipa de cada frente trabalhava sempre e só no mesmo sector. Não havia misturas por questões óbvias de segurança.

O pequeno elevador era de plataforma redonda como a chaminé (ou poço) e com o diâmetro adequado para ir subindo sem problemas pelo buraco acima. Tinha um “chapéu” metálico tipo sombrinha que se abria e nos protegia dos calhaus que ficavam suspensos no rebentamento dos explosaivos e se iam desprendendo do tecto pela trepidação causada pelo elevador à medida que este ia subindo. O estrépido dos calhaus a baterem na chapa de ferro a um palmo das nossas cabeças era ensurdecedor. E atemorizante também, apesar de todo aquele equipamento ter sido pensado para proteger quem lá tinha que trabalhar.

Chegados finalmente lá acima, a primeira coisa que tínhamos que fazer era chumbar a nova grade do elevador à parede para ele poder subir e aproximar-nos mais do tecto afim de conseguirmos escombrar convenientemente as pedras ainda soltas até ficar só rocha firme para furar de novo e voltar a carregar. Confesso que pensei algumas vezes que não tendo “cascado” no Maiombe ainda iria acabar os meus dias ali nas entranhas da terra. Pelo sim pelo não era meu hábito proteger sempre com o corpo a dinamite e os detonadores agachando-me sobre eles não fosse alguma pedra ao soltar-se do tecto fazer ricochete na parede do poço e cair-lhes em cima provocando o seu rebentamento. Já dizia a minha avó que cautela e caldos de galinha, nunca fizeram mal a ninguém…

O Zé Maria ria, ria, divertidíssimo com os meus receios pois andava naquilo há 3 ou 4 anos e tratava as pedras, os explosivos e o perigo por tu. Por isso se calhar morreu, coitado! Por excesso de confiança menosprezou a sua segurança. O nosso capataz era, por sua vez, um ilustre Marvanense. Do Jardim. Grande homem e mineiro de mão cheia. Tão audaz e aventureiro que um dia ia ficando sem um braço. Ao accionar um daqueles tais elevadores das chaminés, inadvertidamente deixou prender a manga do casaco nos dentes mecânicos. E até conseguir parar o elevador, este quase lhe arrancou o braço. Teve que ser submetido a várias intervenções cirúrgicas e a parte do braço que o elevador lhe arrancou teve que ser substituída por um enxerto retirado de outra parte do seu corpo.

Mal tomou conhecimento que eu era também de Marvão logo tratou de me tirar do perigoso serviço das chaminés para me nomear escriturário para fazer o ponto escrito dos mineiros de cada turno naquele sector à sua responsabilidade. Era o Sector das Preparações que consistia em avançar com os túneis serra dentro para preparar o acesso à exploração do volfrâmio que viria atrás, transformando os nossos primeiros pequenos túneis em autênticas catedrais abobadadas, imensas galerias de onde era extraído o minério. Suponho que ainda hoje será assim embora provavelmente com métodos mais sofisticados e menos perigosos dos de então.

Era também o meu chefe um Marvanense muito famoso pela sua experiência profissional dentro da mina. Dizia-se por lá naquele tempo que ele, juntamente com o meu primo João Gaspar – o que me levou para lá e já faleceu - os dois melhores mineiros das Minas da Panasqueira. Tinham, por isso mesmo, um estatuto muito particular junto dos engenheiros e de todo o staff da administração do couto mineiro. Foi pela mão de ambos que eu também consegui vingar e adaptar-me àquela vida ao ponto de ter decidido pouco depois casar e procurar casa para me estabelecer ali definitivamente com a família...

José Coelho 
in Histórias do Cota

sexta-feira, 2 de agosto de 2019