quarta-feira, 31 de março de 2021

Parem de brincar (com a vossa vida e a dos outros)

´
Foto José Coelho - 31.03.2021


Há um ano atrás publiquei uma foto parecida com a que publico hoje, manifestamente surpreendido pela irresponsabilidade militante de quem subestimava as indicações das autoridades para se manterem em casa e dela saírem só quando estritamente necessário para se protegerem a si próprios mas também aos outros. Não sou, nunca fui de pieguices, não sou, nunca fui medroso. Mas sou, sempre fui e serei, obediente e respeitador, mas sou, sempre fui e serei, consciente dos meus direitos e deveres, enquanto cidadão. E para exigir uns, tenho de cumprir os outros.

Passou um ano depois daquela minha publicação. Só que passados 365 dias continuamos confinados à força por Lei, em consequência da irresponsabilidade de quantos teimaram antes e teimam sempre em desobedecer às indicações de quem sabe o que está a fazer. Não há volta a dar. Somos, como já os Romanos diziam há dois milénios "um povo que não se governa nem se deixa governar". E os resultados estão aí, só os não vê quem não quer.

Das muitas vicissitudes que a Vida guardou para mim, a dependência de ventiloterapia do sono, é apenas uma delas. Nada de dramático, nada de transcendente, mas não deixa de ser "um remendo" necessário que ajuda mas perturba, incomoda e adultera irremediavelmente o normal descanso de cada noite. 

Quantas vezes acontece nem apetecer ir para a cama apesar de acabarmos por nos adaptar à rígida máscara, ao arnês de elásticos que a sujeita sobre a boca e o nariz mas que também dá calor, incomoda e faz transpirar no verão, ou ao ar tão gelado que faz secar a boca nas noites de inverno, para impedir que os músculos das vias respiratórias se fechem e nos sufoquem.

Clinicamente é IRC (insuficiência respiratória crónica) e entre outras consequências mais ou menos gravosas, induz à apneia do sono.

Nas primeiras semanas a adaptação foi algo complicada - há quem nunca seja capaz de se adaptar - porque o ar a entrar pela boca e nariz davam-me a sensação inversa: em vez de conseguir inspirar e expirar naturalmente, parecia que ia engasgar-me com aquele fluxo contínuo de ar previamente programado em função da necessidade de cada momento durante o sono.

Se estar assim na nossa cama, no nosso quarto e em nossa casa, é às vezes desmotivante por termos que ser ventilados mecanicamente, imagino como será um doente de Covid querer respirar e não conseguir por ter os pulmões cheios do ranho da infeção e acabar por ter de ser internado, entubado até à traqueia e agonizar para demasiadas vezes perder a batalha, conforme testemunham os inaceitáveis números de fatalidades dos 365 dias que passaram desde o início da pandemia. 

O pico principal foi, dizem as autoridades e nós vimos, causado pelo desrespeito das regras na quadra natalícia. Vamos ver no que vai dar a xico-espertice dos muitos iluminados que na semana santa estão a repetir o mesmíssimo comportamento. Nós somos os donos do nosso nariz e temos o direito de fazer da nossa vida o que entendemos DESDE QUE ESSE COMPORTAMENTO NÃO PONHA EM RISCO A VIDA DOS OUTROS. Parem de brincar com coisas sérias.

José Coelho
31.03.2021

domingo, 28 de março de 2021

Meu vício de ler...


Navegar

 

Navega, descobre tesouros, mas não os tires do fundo do mar, o lugar deles é lá.

Admira a Lua, sonha com ela, mas não queiras trazê-la para a Terra.

Goza a luz do Sol, deixa-te acariciar por ele. O calor é para todos.

Sonha com as estrelas, apenas sonha, elas só podem brilhar no céu.

Não tentes deter o vento, ele precisa correr por toda a parte, e tem pressa de chegar sabe-se lá onde.

As lágrimas? Não as seques, elas precisam correr na minha, na tua, em todas as faces.

O sorriso? Esse deves segurar, não o deixes ir embora, agarra-o!

Quem amas? Guarda dentro de um  porta joias, tranca, perde a chave! Quem amas é a maior joia que possuis, a mais valiosa.

Não importa se a estação do ano muda, se o século vira, conserva a vontade de viver, não se chega a parte alguma sem ela.

Abre todas as janelas que encontrares e as portas também. Persegue o sonho, mas não o deixes viver sozinho. Alimenta a tua alma com amor, cura as tuas feridas com carinho.

Descobre-te todos os dias, deixa-te levar pelas tuas vontades, mas não enlouqueças por elas.

Procura! Procura sempre o fim de uma história, seja ela qual for.

Dá um sorriso àqueles que esqueceram como se faz isso.

Olha para o lado, há alguém que precisa de ti.

Abastece o teu coração de fé, não a percas nunca.

Mergulha de cabeça nos teus desejos e satisfá-los.

Agoniza de dor por um amigo, só sairás dessa agonia se conseguires tirá-lo também.

Procura os teus caminhos, mas não magoes ninguém nessa procura.

Arrepende-te, volta atrás, pede perdão!

Não te acostumes com o que não te faz feliz, revolta-te quando julgares necessário.

Enche o teu coração de esperança, mas não deixes que ele se afogue nela.

Se achares que precisas de voltar atrás, volta!

Se perceberes que precisas seguir, segue!

Se estiver tudo errado, começa novamente.

Se estiver tudo certo, continua.

Se sentires saudades, mata-as.

Se perderes um amor, não te percas! Se o achares, segura-o!

Circunda-te de rosas, ama, bebe e cala.

"O mais é nada"

 

Fernando Pessoa


segunda-feira, 22 de março de 2021

Mea culpa

A casa onde nasci e moro, e tudo à volta
Foto José Coelho - Fev 21


Na voragem dos dias que me parecem cada mais céleres e à medida que vou envelhecendo dou por mim a pensar inúmeras vezes que a vida nunca deixou de me surpreender. Outras, porém, tenho a nítida sensação de que já vivi mais coisas boas e menos boas do que a maioria das pessoas do meu tempo.

Após 69 “quilómetros” de “caminhada”  por uma vida repleta de experiências – cada uma mais inesperada que a outra – e rodeado pelas minhas tão doces quanto queridas memórias, desfruto serenamente o dia a dia no sossego benfazejo da casa que reconstruí sobre a outra mais pequena da qual foi sábio “arquiteto” o meu saudoso Pai.

Este silêncio que me faz companhia é apenas pontualmente interrompido pelo cantar dos galos da vizinhança ao raiar da aurora, pelo arrulhar das rolas e chilreio da outra passarada no arvoredo das redondezas durante o dia e ao anoitecer pelo monótono pio dos mochos e corujas que moram também paredes meias comigo, nos canchos da tapada. Todos estes pacíficos “vizinhos” me acompanham desde sempre, pois ouço-os desde que nasci.

É profundamente benfazejo viver neste lugar que quotidianamente trás de volta ao meu imaginário a voz doce da minha mãe, o falar pausado e meigo do meu pai, o alegre e cristalino gargalhar das minhas queridas irmãs. E à mistura com essas inesquecíveis lembranças, fácil é também reconstituir os aromas da ceia a ferver na sertã, do tabaco de mortalha que o tio “Antónho” fumava, enquanto aguardava pela ceia, sentado ao lume.

Apressados em viver a vida para alcançar as nossas metas, descuramos muitas vezes o valor intrínseco dos afetos ainda que sem má intenção, remetendo para segundo lugar o que temos de mais sagrado: A Família. Mãe, Pai, Irmãos, Avós, Tios, quiçá alguns bons Amigos até. Depois a vida passa, as metas nem sempre são tão importantes como imaginávamos, quantas vezes não terão sequer sido alcançadas. Entretanto a Família vai diminuindo porque a vida no seu imparável percurso vai-se extinguindo.

E como o acordar inevitável de qualquer sonho, chega também o momento em que começamos – quase sempre tarde demais – a  perceber que a vida já vai de vencida. Inutilmente olhamos para trás em busca de tudo o que amávamos, e que, sem disso nos termos apercebido por havermos andado demasiado ocupados, era o que de mais valioso e importante possuíamos. Porém não há mais nada a fazer porque não é possível regredir no tempo, restaurar afetos, recuperar enfim, tudo o que não avaliámos no tempo certo.

Vamos também envelhecendo sem quase nos apercebermos e só quando uma dor numa articulação começa a ser frequente, o coração começa a trabalhar irregularmente, a necessidade de consultar o médico deixa de ser pontual e passa a ser recorrente, percebemos que estamos a atingir o ponto de não retorno. E aí sim, damos conta que a nossa vida é finita, que as coisas menos boas não acontecem só aos outros, que é tempo de tentar – ainda e se possível – viver.

Não sou, nem quereria ser, exceção. Este desabafo na forma escrita mais não é também do que um sincero “mea culpa”. Vivi intensamente a vida olhando sempre mais para a frente do que para o lado ou para trás, apesar de não ter sido, de todo, nada fácil. Uma infância humilde onde faltou quase tudo menos o amor fraterno, uma adolescência precoce porque mal terminei a escola primária tive que ir guardar ovelhas em vez de continuar a estudar como tanto gostaria de ter podido.

Mais adolescente que adulto apresentei-me à inspeção militar como voluntario aos dezassete anos, assentei praça aos dezoito, fui mobilizado para a guerra aos dezanove, para mineiro aos vinte e dois, ingressei a duras penas nas forças de segurança aos vinte e seis, na minha incessante procura de um lugar ao sol onde sempre e só quis conseguir o ganha-pão para constituir família e dela cuidar.

Nessa luta constante contra ventos por vezes bem agrestes, tentei como pude nunca esquecer o tal lado sagrado onde sempre estiveram e me apoiaram todos os que amava, amo e amarei incondicionalmente enquanto viver. Olhando hoje para trás, nem sempre consigo evitar a imensa nostalgia que tantas vezes me invade. Porém, conhecendo-me como me conheço, sei que se voltasse a nascer faria tudo de novo exatamente como fiz até aqui.

Apesar das dificuldades, tenho muito mais para agradecer à Vida do que para lhe pedir, porque me deu sempre saúde, força anímica e coragem suficientes para completamente sózinho, sem qualquer outro apoio, vencer grandes e difíceis desafios, permitindo-me assim alcançar todas as metas e objetivos que tracei, por mais inalcançáveis que aparentassem ser. A mesma Vida que tanto me ajudou, ensinou-me ainda quanta razão tinha Nelson Mandela, quando afirmou:

 “Tudo é considerado impossível, até acontecer.”

 José Coelho