Sócha do Miradouro da Beirã
A propósito de uma "moda" que “a
malta” do meu tempo cantava ao desafio com as moças nos trabalhos do campo,
propus a um grupo de que fazia parte, umas “saias à moda antiga", deliberadamente
escritas na pronúncia característica da nossa região. Não são só os usos e
costumes, não é só a paisagem que tem características muito próprias. Também a fala é
património nosso e parte integrante do todo. Como tal, entendo que deve
ser preservada e defendida, sem motivo de escândalo ou complexos de inferioridade.
Contudo, ao apresentar aquela velhinha
cantiga, logo duas ou três vozes se levantaram para afirmar que “a gente nã
fala assim”. Ai fala, fala, reafirmei convicto. Poucas serão as pessoas que
pronunciam o “não” correctamente, e, em vez disso, dizem simplesmente “nã”. E também
o “eu” é pronunciado “ê”. Um “vais” é reduzido a “vás”, o “nem” dizemos “nim” um “dizem
que” resume-se a “diz que”, e muitas, muitíssimas mais palavras são reduzidas em parte das suas sílabas. É o nosso falar. Não há qualquer motivo para dele ter
vergonha ou gerar censura. Cada povoação, até num só concelho, tem o seu
sotaque próprio.
Nós, os da parte norte de Marvão, falamos
assim:
-
V’zinha atão há corse de carnaval est'ane?
-
Diz’que sim. Mas ê cá nã poss’ir. Nim "domingue" nim terça.
- Tu, vás?
-
Ê cá tenhe tençõns d´ir, se'Dês qu'sér…
Já na Escusa, do mesmo concelho
mas da parte sul, nasalam-se mais algumas sílabas:
-
Abalaste munto çôde?
-
Nasçô-me o sol ô Talaiã…
Mas
não somos só os Marvanejos que temos um falar muito nosso. Com os concelhos nossos
vizinhos sucede o mesmo. O meu Pai, nascido e criado no Bom Jesus em Castelo de
Vide, trouxe consigo para Marvão onde casou e viveu a maior parte da sua vida,
aquele seu falar característico que pronuncia o “a” em vez do “e” que origina chamar-se por aqui aos Castelovidenses “os da terra do bonáque”. Para ele nunca fui o seu Zé,
mas sim o seu Zá.
Tomara
eu continuar a ouvi-lo ainda hoje!
Também por Nisa onde trabalhei e convivi com aquela gente boa de todas as suas
freguesias, conheci um encantador e genuíno modo de falar que começa logo pela
exclamação “dé” a anteceder qualquer conversa.
E
não resisto a transcrever uma quadra popular Nisorra que por lá aprendi e acho
absolutamente fabulosa:
Os
olhos daquela àquela
Os
olhos daquela ali
Ou
tu le tens amezéde
Ou
ela tará ta ti
É o falar de cada terra, de cada um de nós. Tão nosso como tudo o que de mais genuíno existe por cá. E sinto o dever de defendê-lo como defendo as outras coisas todas, porque entendo que únicas e a merecer divulgação não são apenas as paisagens. Os
usos e costumes, entre os quais o nosso falar, completam o património de que devemos
orgulhar-nos e urge defender...
José
Coelho
Texto e foto