quinta-feira, 22 de maio de 2025

Um "falar" de todos nós

Sócha do Miradouro da Beirã 

A propósito de uma "moda" que “a malta” do meu tempo cantava ao desafio com as moças nos trabalhos do campo, propus a um grupo de que fazia parte, umas “saias à moda antiga", deliberadamente escritas na pronúncia característica da nossa região. Não são só os usos e costumes, não é só a paisagem que tem características muito próprias. Também a fala é património nosso e parte integrante do todo. Como tal, entendo que deve ser preservada e defendida, sem motivo de escândalo ou complexos de inferioridade.

Contudo, ao apresentar aquela velhinha cantiga, logo duas ou três vozes se levantaram para afirmar que “a gente nã fala assim”. Ai fala, fala, reafirmei convicto. Poucas serão as pessoas que pronunciam o “não” correctamente, e, em vez disso, dizem simplesmente “nã”. E também o “eu” é pronunciado “ê”. Um “vais” é reduzido a “vás”, o “nem” dizemos “nim” um “dizem que” resume-se a  “diz que”, e muitas, muitíssimas mais palavras são reduzidas em parte das suas sílabas. É o nosso falar. Não há qualquer motivo para dele ter vergonha ou gerar censura. Cada povoação, até num só concelho, tem o seu sotaque próprio.

Nós, os da parte norte de Marvão, falamos assim:

- V’zinha atão há corse de carnaval est'ane?
- Diz’que sim. Mas ê cá nã poss’ir. Nim "domingue" nim terça. 
- Tu, vás?
- Ê cá tenhe tençõns d´ir, se'Dês qu'sér…

Já na Escusa, do mesmo concelho mas da parte sul, nasalam-se mais algumas sílabas:

- Abalaste munto çôde?
- Nasçô-me o sol ô Talaiã…

Mas não somos só os Marvanejos que temos um falar muito nosso. Com os concelhos nossos vizinhos sucede o mesmo. O meu Pai, nascido e criado no Bom Jesus em Castelo de Vide, trouxe consigo para Marvão onde casou e viveu a maior parte da sua vida, aquele seu falar característico que pronuncia o “a” em vez do “e” que origina chamar-se por aqui aos Castelovidenses “os da terra do bonáque”. Para ele nunca fui o seu Zé, mas sim o seu Zá.

 - Zá! Oh Zá… Chega lá aqui, filhe…

Tomara eu continuar a ouvi-lo ainda hoje!

Também por Nisa onde trabalhei e convivi com aquela gente boa de todas as suas freguesias, conheci um encantador e genuíno modo de falar que começa logo pela exclamação “dé” a anteceder qualquer conversa.

E não resisto a transcrever uma quadra popular Nisorra que por lá aprendi e acho absolutamente fabulosa:

Os olhos daquela àquela
Os olhos daquela ali
Ou tu le tens amezéde
Ou ela tará ta ti

É o falar de cada terra, de cada um de nós. Tão nosso como tudo o que de mais genuíno existe por cá. E sinto o dever de defendê-lo como defendo as outras coisas todas, porque entendo que únicas e a merecer divulgação não são apenas as paisagens. Os usos e costumes, entre os quais o nosso falar, completam o património de que devemos orgulhar-nos e urge defender...


José Coelho
Texto e foto