domingo, 1 de junho de 2025

Um vazio cada vez maior


Somos cada vez menos. Nas casas, nas ruas, por toda a região. Nem vale a pena lamentar. Não há nada que possa reverter a “sangria desatada” de gente que "abala" para os grandes centros urbanos em busca de melhores condições de vida.

Ao contrário do que diz o velhinho Cante Alentejano... "Vou-me embora, vou partir mas tenho esp'rança" melhor será adaptarmos as nossas expectativas noutro não menos bonito que trauteia... "Ei-los que partem, velhos e novos, buscar a sorte, noutras paragens..."

Porque quem parte não voltará mais.
Os primeiros a "abalar", já mais velhos que novos, a única esp´rança que levavam na bagagem seria provavelmente a de encontrarem o modo de vida que aqui lhes foi negado, mercê de insensíveis decisões políticas do poder central que nunca me cansarei de censurar.
E levavam certamente também expectativas de futuro para os seus filhos, já que por estas bandas ele se tornou precário, se não improvável.

Um sufocante silêncio foi desde então invadindo as ruas.
É habitual durante toda a semana percorrê-las a qualquer hora do dia ou da noite sem que nos cruzemos com alguém para um simples bom dia, boa tarde ou boa noite.
Na missa vespertina dos sábados (que estranha parece uma missa dominical no sábado às seis da tarde) chama particularmente a atenção quase sempre o reduzido número de fiéis presentes em cada celebração.
No inverno até se percebe. População maioritariamente idosa, às seis da tarde é noite cerrada e muita gente evita andar pelas ruas desertas. A igreja é particularmente fria e a sua volumetria torna inútil qualquer tentativa de aquecimento artificial, fatores que originam celebrações onde são mais os bancos na nave da igreja do que as pessoas neles sentadas.
É apenas outro prenúncio do que se foi e não voltará.
Fico inevitavelmente melancólico.
Levo noventa por cento da minha vida, dedicado a esta aldeia, às suas gentes e seus costumes, sem ninguém dar por isso porque o bem deve fazer-se em silêncio.
Não só estabeleci cá a minha residência permanente assim que pude, como luto com todos os meios ao meu alcance para que não se percam as memórias, as raízes, os usos e costumes.
Considero que são eles a mais valiosa herança que os nossos antepassados nos deixaram e é preciso preservar. Nunca me conformei nem vou conformar com o abandono vergonhoso a que somos votados seja qual for a ideologia política de quem governe.
Para o meu coração, a capital da minha Pátria é a Beirã e tudo o que dela faz parte. Os seus monumentos mais icónicos chamam-se antas e menires que surgem um pouco por toda a parte desde o Paleolítico, a desafiarem com a sua milenar robustez as faraónicas obras do tempo presente.
Mas não só.
Sei, tenho disso plena consciência, que luto contra a indiferença generalizada de quem nos governa a todos os níveis do poder.
E também sei que vou continuar a fazer tudo quanto puder e souber por esta terra que me está no sangue.
Nunca ganhei um cêntimo que fosse, nunca pedi um favorzinho, um tacho, um benefício qualquer para mim ou para algum dos meus.
Pelo contrário.
Por uma questão dos valores e princípios que me foram ensinados, muito prezo e quero manter intactos.
E nada do que escrevo é mera retórica. Posso prová-lo, preto no branco.
Nem sequer me importa que algumas pessoas que julgava amigas me tivessem deixado sozinho. E que por falta de coragem para darem a cara, se afastassem.
Porque o que não nos faz bem, mais vale não ter.
E por cá continuo igual ao que sempre fui. De pé e de consciência tranquila.
Confesso, porque um homem não é de ferro, algumas vezes já dou por mim a sentir que o silêncio e o vazio das casas e ruas vai começando aos poucos a instalar-se também no meu coração.
Será porque estou a ficar velho?
Ou será porque a falta de vergonha e impunidade de quem tudo promete para depois nada cumprir, me parecem cada vez mais invencíveis?
Não sei. Talvez ainda porque já não consigo acreditar que alguém se importe seja com o que for, a não ser com aquilo que beneficie os seus interesses pessoais ou particulares.

Texto e foto