O teste de topografia em que indevidamente fui desclassificado correra-me muito bem. Tenho ainda hoje e passados todos estes anos - porque as injustiças nunca se esquecem - a noção exata do que fiz. Não deixara nem uma só pergunta sem resposta, logo, era impossível uma classificação tão baixa, até porque e por sensatez, nunca, em teste algum, respondi a nenhuma pergunta sem ter a certeza de aquela ser a resposta correta.
Se alguma dúvida ensombrava o meu espírito passava à frente deixando a resposta em branco e continuava a responder às questões que se seguiam até à última. Só depois voltava de novo atrás para tentar responder àquelas que deixara em branco, porque, inúmeras vezes, as questões seguintes tinham alguma coisa a ver com as anteriores e isso ajudava a um melhor raciocínio.
Quis muitos anos depois o destino que a última década da minha carreira profissional fosse passada como instrutor de futuros guardas onde tive oportunidade de ver em pormenor, quão justos e imparciais eram sempre os critérios para corrigir e classificar quaisquer testes escritos, em todas as provas dos cursos de formação. Cada um deles era concebido para o seu todo resultar numa média aritmética de valores na escala de zero a vinte, distribuindo-se os mesmos equitativamente pelas questões a resolver, raramente ultrapassando a fasquia de 1,5 valores cada resposta certa.
Corrigi centenas deles nesses dez anos e sei por isso que naquele em que fui passado de 17 para 13 valores inesperadamente, e tendo como tenho até hoje a convicção exata daquilo que fiz, jamais poderia haver uma quebra de 4 valores, exatamente os que eram aritmeticamente necessários para que outro camarada – que nada teve a ver com isso – passasse de 2º para 1º classificado.
Fiquei assim a saber as filhadeputices de que muita gente é capaz. Fiquei também a saber o que se sente quando somos injustiçados, perseguidos e caluniados por pessoas que não demonstram em nada serem melhores do que nós, sendo a razão da sua força apenas os galões ou divisas que ostentam nos ombros ou os cargos que ocupam e dos quais fazem, demasiadas vezes, indevido e impune uso.
Quem dera que muitos dos novos e inexperientes guardas ou polícias colocados longe da família e das suas bases de apoio, após os cursos de formação por esse país fora, conseguissem ser fortes o suficiente para aguentarem a pressão tremenda das injustiças de que são vítimas, como eu felizmente consegui aguentar. E capazes de agir também como eu consegui agir sempre de cabeça fria, ainda que, sabe Deus à custa de quantas almofadas húmidas de choro pela calada da noite.
Preocupa-me imenso o que vejo e ouço nos telejornais acerca do suicídio inexplicável de tantos homens das forças de segurança e estremeço sempre que me lembro de tudo aquilo que eu próprio passei. Por isso tentei sempre ser mais um amigo com quem os guardas podiam sempre contar, do que apenas o seu omnipotente "chefe" que escalava o serviço e tinha de gerir com eficácia a missão de garantir a segurança das populações a nosso cargo.
Mas porque a ingratidão existe e nunca conseguiremos agradar a todos, há também pessoas que mais depressa condenam qualquer falha nossa, do que agradecem o bem que lhes foi feito. Ainda assim, as manifestações de apreço e de sincera amizade que me são dirigidas algumas vezes por velhos camaradas passados mais de vinte anos na reforma, ajudam-me a acreditar que cumpri o meu dever.
Aos que me recordam e estimam ainda, a minha sincera gratidão. A quem ajudei e se esqueceu disso, tenha a certeza que se o tempo voltasse atrás eu voltaria a ajudá-los de novo, mesmo sabendo que iriam esquecer-se. Cada pessoa é como é e cada um dá o que tem para dar.
O homem que tive a sorte de de ser meu pai dizia frequentemente:
- Faz boa letra, filho. E o diabo que a leia...
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AIP/GNR/PORTALEGRE