Cheguei ao hospital uma hora antes da consulta mas na sala de espera não havia lugares vagos para sentar-me porque estava cheia. Como o ato médico fora marcado meses antes pelo próprio médico, a senha indicava: “Aguarde a chamada ao gabinete” não sendo necessário ser atendido primeiro no guichet, o que, dada aquela inédita afluência de gente, demoraria bastante.
Com ares de superioridade, a olhar para todo nós como se fôramos insetos.
Quando finalmente foi chamada ao guichet na ordem de chegada marcada pela máquina, voltou a exaltar-se com a funcionária que a estava a atender, não percebi bem porquê – se calhar pensou que estava a falar para a sua empregada lá de casa – e no meio da verborreia de falas finas bem mal-educadas, vociferou um “sim, porque nós pagamos a pronto”.
E prosseguiu: “É uma vergonha um hospital particular de topo a atender pessoal da ADSE”.
Ninguém fez caso do seu histerismo mas a mim apeteceu-me dizer e disse, que, não sendo beneficiário da entidade que tanto a incomodava, sou de uma congénere, mas tal como ela tinha pago a pronto também todos os exames e do mesmo modo iria naquele dia pagar a consulta do médico na sua totalidade.
Eis senão quando quando irrompe na sala de espera outro personagem aparentemente da mesma linhagem “fina” só que desta vez no masculino, o qual, sem sequer olhar para a máquina de marcação do atendimento como faz toda a gente quando chega, se dirigiu de rompante a um dos guichets onde estava outra pessoa a ser atendida e aos berros vociferou:
- Preciso ser atendido já, porque venho à rasca.
E a senhora do guichet, que no entender de todos quantos ali estávamos à seca lhe deveria ter dito que ali não era o banco das urgências, amavelmente disse-lhe que fosse à máquina e tirasse uma senha prioritária, a última das opções que lá constava.
E ele foi.
Soube exatamente para que era aquela máquina para a qual não tinha sequer olhado, bem como o que fazer.
Mais caricato ainda, já de senha prioritária na mão, foi de imediato encaminhado para um dos gabinetes, provavelmente o do médico especialista daquilo que ele vinha à rasca, passando à frente de quem ali estava há mais de hora e meia a aguardar pela sua vez.
Porém o mais extraordinário daquela xico-espertice – porque outra coisa não foi – é que após ter sido atendido “do que vinha à rasca” saiu de lá fresco que nem uma alface e ficou a tagarelar com pessoas provavelmente suas conhecidas, com as quais ainda continuava a conversar quando eu saí do consultório onde entretanto tinha sido chamado e estive meia hora.
Ninguém refilou, ninguém disse nada.
Mas eu, incapaz novamente de me conter - porque detesto xicos-espertos - enquanto esperava a chamada ao guichet para pagar a consulta, dirigi-me ao “dondoca” para dizer-lhe olhos nos olhos:
- Como é evidente, o senhor vinha mesmo muito à rasca! Só hoje fiquei a saber porque é que se diz que gente fina é outra coisa!
O gajo olhou para mim com o mesmo ar de superioridade do alto da sua arrogância tal como a “tia” nos tinha mirado a todos ao chegar e perguntou:
- Quem é você?
Calmamente – porque curiosamente quando me sinto desafiado costumo ficar estranhamente calmo – respondi-lhe quase num sussurro.
- Sou o José, um Alentejano, e com toda a certeza muito mais bem formado do que o senhor!
Não obtive qualquer resposta.
E naturalmente mais nada disse também.
O gajo deve ter percebido a razão do meu reparo direto, mas entretanto fui chamado ao guichet e fui pagar.
Quando de lá saí olhei em volta e já não o vi na sala.
Foto Maria Coelho