Agosto de 1978. Uma vez mais a minha mulher e filho foram até à Barroca Grande – Minas da Panasqueira para passarem comigo o mês de agosto por ser o das férias da fábrica onde ela trabalhava há já vários anos.
Hospedados em casa do meu capataz na mina, José Mouro, a cuja família nos afeiçoámos, como se da nossa se tratasse. E como já vinha sendo hábito, a seguir, em setembro, voltava eu com eles para nossa casa de férias também, por ser essa a única fórmula possível de conseguirmos passar dois meses seguidos juntos, desde que tínhamos casado.
E foi nesse ano que, não sei como nem por quem, a minha mãe e a sua nora souberam que estava aberto concurso para admissão de guardas à GNR.
Cada uma delas à vez, foram “buzinando” aos meus ouvidos que aquela sim era uma vida decente, pois a de mineiro era viver como as toupeiras debaixo do chão sem ver a luz do dia, isto e aquilo.
Mais para deixar de as ouvir do que por convicção, lá fui tratar da papelada necessária ao Posto da GNR de Santo António das Areias onde fui atendido pelo guarda Pouca Roupa – hoje já falecido – na altura comandante interino porquanto o cabo estava de baixa por motivo de doença.
Preenchido e entregue o requerimento nunca mais me preocupei com aquilo, e aqui para nós, sinceramente, nunca tencionei enveredar por tal carreira pois não me via de novo fardado e muito menos de polainas nas pernas com uma espingarda às costas a patrulhar caminhos.
Regressei por isso em outubro às Minas e logo pus o meu chefe e grande amigo ao corrente do que tinha feito, confidenciando-lhe que fizera aquilo mais para calar a mulher e a mãe do que com intenção de mudar de vida.
Para meu espanto ele ficou um grande bocado calado a pensar. E respondeu-me:
- Amigo Zé Manel! Tenho mesmo muita pena que te vás embora porque nos afeiçoámos a ti, não só eu e a minha família, mas também todos os teus camaradas mineiros e amigos, o teu primo João e a família, o Antero e a sua família, o Zé Maria, o Pinto e todo o pessoal das Preparações que muito te estimam todos. Mas empenha-te nisso a sério e tenta entrar. A mina não te leva a lado nenhum. Vais é apanhar silicose e morrer novo como todos nós. Andas para aqui desterrado e longe da família, uma vez que a tua mulher não quer para cá vir morar. Por isso, pensa muito bem. É um futuro mais certo, mais limpo e menos arriscado...
Olhei-o com enorme gratidão pela clareza do raciocínio. Aquilo foi mais o sensato conselho de qualquer pai para um filho seu, do que de um chefe para um subordinado como nós éramos na altura.
E, como a Vida nunca parou de me surpreender, o requerimento para ingresso na GNR que preenchera em setembro foi deferido em pouco mais de quinze dias. Quando voltei a casa no fim de semana seguinte fui chamado ao posto de Santo António das Areias para ser notificado a ir prestar as provas de admissão em novembro seguinte.
Fui, prestei provas escritas e físicas sem qualquer dificuldade e logo notificado para me apresentar no Comando de Portalegre em 22 de janeiro de 1979 - pouco mais de um mês depois - para frequentar a escola de guardas.
Assim que regressei ao trabalho na Mina na segunda-feira seguinte entreguei cópia da notificação na Secção de Pessoal da Beralt Tin & Wolfram a solicitar rescisão do meu contrato de trabalho no prazo legal, afim de serem processados em tempo os honorários que me fossem devidos.
Fi-lo com infinita pena porque sentia no meu íntimo que se estava a encerrar um dos melhores capítulos da minha vida e que nunca mais iria encontrar amigos tão leais e verdadeiros como os que ali tivera o privilégio de conhecer.
Era uma mudança de rumo por mim decidida mas que me entristecia bastante não pela qualidade do trabalho, muito pelo contrário, porque o serviço do mineiro seja em que mina for é um serviço sujo sempre desempenhado nas profundezas da terra entre lama, humidade, poeiras suspensas, máquinas e escuridão.
Porém, a forma como fora acolhido pelos meus conterrâneos quando ali chegara cinco anos antes, a estabilidade financeira que se instalara na minha vida graças ao muito bem remunerado salário mensal, as sinceras amizades que se estabeleceram entre mim, a minha família e os mineiros mais as suas famílias também, bem como a minha enorme gratidão pelo conjunto de todas essas circunstâncias, tinham tocado no mais fundo do meu ser.
Não foi por isso nada fácil dizer-lhes adeus...
- Foto:
O meu Capacete do Grande Uniforme de Infantaria da GNR.