Resolvemos, muitas vezes, eu e a minha companheira de vida há já 49 anos, calçar as sapatilhas para rumarmos aos campos desertos da nossa Beirã e desfrutarmos não só do ar puro como também da sedutora beleza que desponta por toda a parte.
Tudo o que nos rodeia é a paz e harmonia da natureza com suas cores e odores.
Na Primavera o vistoso amarelo das maias das giestas negrais ao desafio com a alvura das maias das giestas alveirinhas, os odorosos rendilhados das flores dos pilriteiros – carapeteiros – inundam o ambiente com o seu inebriante e característico perfume para o qual contribui ainda também a abundância de rosmaninho associado a uma infinita variedade de lírios e outras flores silvestres.
Não há templo mais belo nem mais harmonioso no mundo, não há outro lugar onde nos sintamos tão próximos do Criador e parte do Universo.
Foi por aqui que os meus avós viveram e foram felizes, os meus pais se conheceram. Por estes campos a minha avó, mãe, tias e primas mondaram trigo, sacharam milho, cantaram quando felizes ou choraram quando tristes, semeando neste chão muitas gotas do seu suor e cansaço ou as lágrimas dos seus olhos magoados por alguma dor.
Estes campos e paisagens fazem parte de mim como a minha própria sombra. Por isso sou rústico como eles. Desde sempre, nos momentos mais complicados da minha vida me refugiei na sua benfazeja solidão em busca de paz de espírito, ou de equilíbrio emocional, ou ainda daquelas respostas complicadas que só o silêncio nos consegue dar.
Passei horas caminhando sem destino por estes cabeços e vales sem dar conta do passar do tempo, outras vezes sentado no cimo de algum cancho a ouvir o estalar do restolho pela correria de algum javali, raposa ou saca-rabos que desde que me conheço sempre abundaram por estas paragens.
Lá longe onde o sol castiga mais quando senti receio não voltar para casa, prometi a mim mesmo que se voltasse nunca mais de cá sairia. E quase cumpri essa promessa. Mas tive de ausentar-me de novo para poder cumprir a minha missão de chefe de família já que aqui não foi possível cumpri-la.
Mas voltava amiúde.
E assim que pude, regressei de vez. Tudo está hoje muito diferente porque quase tudo a vida levou. Entes queridos, vizinhos, até os quotidianos de outrora se extinguiram inexplicavelmente.
Restam pouco mais do que as memórias, mas mesmo essas se irão apagando irreversivelmente. E aquele silêncio que antigamente só se “ouvia” nas profundezas da raia, invadiu casas e ruas de todos os povoados desta região, passando a viver dia e noite paredes meias com o que resta dos seus habitantes.
Ainda assim naquilo que depender apenas de mim é aqui que desejo terminar os meus dias.
Quero continuar a deslumbrar-me com cada por do sol que em nenhum outro lugar do mundo são tão magníficos. A ouvir o terno trru-trru das rolas turcas em cada alvorada. A encantar-me com a ousadia dos melros, pintassilgos e outros “vizinhos” alados que teimam em fazer os ninhos nas árvores do nosso quintal sem receio de serem incomodados.
Se depender de mim. Porque o amanhã ninguém sabe...
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