Embarcámos no Aeroporto da Portela num Boeing 747 – grande luxo para a época – na chuvosa e fria noite de 7 de Março de 1972 agasalhados com aqueles fortes blusões de lã verde que mais pareciam de serapilheira e recordo a figura que fizemos ao sairmos do avião em Luanda oito horas depois, no meio de um calor tropical de 40 graus celsius. Que ridículos parecíamos agasalhados naquelas vestes que tão bem nos haviam aquecido oito horas antes na gelada Lisboa.
Logo a seguir fomos carregados em camiões Berliet – como se carrega no Alentejo o gado – e foram despejar-nos ao Campo Militar do Grafanil nos subúrbios de Luanda onde permaneceríamos mais 4 dias. Ali se deu a casualidade de eu cumprir o primeiro dos três aniversários que completei em África. Chegados na manhã do dia 8 de Março e sendo o meu aniversário a 10, lá completei os 20 com apenas dois dias de comissão, depois os 21 em 10.03.1973 no Belize, e ainda os 22 em 10.03.1974 já na cidade de Cabinda a aguardar evacuação para a Fazenda Tentativa, no Caxito, até ao almejado regresso a casa.
Naquele primeiro embate com o desconhecido a milhares de quilómetros de casa, porque querendo ou não, eu era ainda quase um gaiato além de nunca ter saído das minhas provincianas paisagens, valeu-me bastante o facto de ter tios e primos em Luanda – a irmã mais nova do meu pai, a tia Francisca Coelho que lá vivia com o marido e os filhos havia décadas – e me ter sido permitido pelos meus superiores ir passar esse dia e essa noite em casa deles.
Foi um aniversário deveras singular.
Primeiro, porque nunca tinha festejado nenhum pois os meus pais não tinham possibilidade nem tempo para celebrações aniversárias porque isso eram coisas de ricos. Segundo, porque o Augusto, o mais novo dos primos, com a sua esposa, a Fernanda Varela – ambos comigo na foto e hoje já falecidos – depois de jantarmos todos juntos em casa dos tios, levaram-me com eles à Casa de Fados “O Campino” onde a prima Fernanda era fadista e assim assisti à primeiríssima noite de fados da minha vida, o que só por isso, foi uma coisa de todo novidade para mim.
Nessa noite provei também pela primeira vez na minha vida, um uísque, uma bebida que só conhecia dos saloons nos inúmeros livros de cowboys e filmes que lera ou vira desde os 10 anos.
Foi porém sol de pouca dura, porque o dia imediato trouxe-me o início do tempo mais duro da minha vida. Numa “Ariete” marítima – espécie de plataforma achatada que flutua, também apelidada LDG – misturados com as nossas bagagens e por entre dezenas de caixotes de víveres para o comércio de Cabinda, rumámos do porto de Luanda à foz do Rio Zaire numa viagem de dois dias e uma noite com destino ao denso e sombrio Maiombe onde nos aguardavam os guerrilheiros – turras como vulgarmente lhes chamavam – da UPA – União dos Povos de Angola, do MPLA – Movimento Para a Libertação de Angola, e da FLEC – Frente de Libertação do Enclave de Cabinda, para nos fazerem a vida negra nos 670 dias que se seguiriam.
José Coelho – Histórias do Cota (excerto)