Para quem quiser ler e ficar a saber a sorte que eu tive
para ser sargento, faço questão de descrever a infinidade de disciplinas que compunham
os Cursos de Promoção na GNR no Centro de Instrução da GNR na Ajuda - Lisboa,
quer o de Soldado as Cabo com a duração de ano e meio, depois de Cabo a
Sargento com duração de dois anos, mais três meses de estágio que fui fazer no
Comando de S. João da Madeira.
Havia a parte de Educação física com Ginástica, Desportos e Luta de defesa pessoal. A meu ver esta era a disciplina mais benéfica de todas porque ajudava a descomprimir, a relaxar e a arejar a cabeça, cumprindo cabalmente a sua máxima: Mente sã em corpo são.
Depois a Parte Cultural tinha Português, Francês, Matemática, Física e Química, Ciências do Ambiente, História Universal, Geografia, Educação Cívica e Moral, de acordo com o programa oficial do 9º ano escolar civil vigente àquela época.
Seguia-se a Parte Militar que versava sobre Ordem Unida com arma, sem arma e descritiva, a Lei da Defesa Militar, Armamento, Regulamento de Disciplina Militar, Regulamento de Continências e Honras Militares, Táctica de Infantaria, Informação e Contra-informação, Topografia, Transmissões e Socorrismo.
Por sua vez a Parte sobre Legislação da GNR (e tinha que saber-se na ponta da língua) versava sobre o Estatuto dos Militares da Guarda, a Lei Orgânica da GNR, o Regulamento do Serviço Geral da Guarda, inúmeras Nep´s (normas de execução permanente), ordens de serviço e legislação interna diversa.
Finalmente a Parte Técnico-profissional, a mais complicada de todas pela imensidão de Leis, Decretos, Decretos-lei e Portarias com que este país se gere. Direito Penal, Direito Processual Penal, Código Civil, Constituição da República Portuguesa, Lei da Caça, Lei da Pesca, Lei do Funcionamento dos Estabelecimentos Comerciais, Lei dos Jogos de Fortuna e Azar, Lei dos Feirantes e dos Vendedores Ambulantes, Lei das Atividades Económicas, Código da Estrada, Regulamento do Código da Estrada, Regulamento de Transportes em Automóveis (que parecia uma bíblia), Lei Eleitoral, Lei da Trasladação de Cadáveres, Leis dos Incêndios Florestais, Leis dos fogos de Artifício, Lei das Armas de Defesa Pessoal, Lei do Transporte de Explosivos e mais algumas que já não consigo recordar.
Por cada disciplina tínhamos dois testes escritos em cada período escolar ou seja, uma média de 160 testes por cada ano letivo. Um cocktail de pilhas de nervos. E a coroa de glória, aquela que nenhum de nós podia controlar e se chamava “Mérito Pessoal” que só por si era eliminatório. Explico melhor; um aluno podia ter dezoito, dezanove ou vinte valores nos testes, podia ser um craque em atletismo ou um barra em todas as disciplinas mas se tivesse menos de 10 valores a Mérito pessoal era pura e simplesmente eliminado sem hipótese de recurso.
Essa nota era confidencial e atribuída por cada um dos instrutores militares e professores civis que nos iam avaliando individualmente ao longo de todo o ano escolar preenchendo cada um deles umas folhas próprias que traziam sempre consigo e nas quais atribuíam a cada aluno nota de 1 a 20 ao seu critério tendo em conta o atavio pessoal, a compostura individual, o interesse manifestado nas matérias, a educação e aprumo nas suas relações com os instrutores, a forma como se relacionava com os outros alunos, enfim, era uma autêntica espionagem aos nossos egos para depois entregarem, no fim de cada período, na Direção de Instrução.
Somadas posteriormente as avaliações dos professores referentes a cada aluno – no Mérito claro – se o resultado final fosse inferior a 10… Zás! Rua, que esta casa não é tua. E era de tal maneira rígida aquela avaliação que nunca as notas máximas excediam uns tristes onze ou doze vírgula qualquer coisa. Um treze a mérito seria equiparado a um vinte nas outras disciplinas. Mas acho que foi raro ou até mesmo inexistente, não sei porquê. Devia haver indicações superiores nesse sentido, penso eu. E, para agravar, essa nota somada com todas as outras notas do currículo já descrito é que fazia a nota final do curso. Por isso alunos que tinham médias de 17 ou 18 em todas as disciplinas, viam a sua nota final descer subitamente para um 14 ou um 15.
No meu diploma consta a nota final de 12,39, muito próxima da nota final do Curso de Cabos que foi de 12,60. Julgo que estes resultados serão reveladores do meu empenho que foi sempre o mesmo e por isso manteve praticamente inalterados os resultados finais nos dois cursos de promoção em 1983/1984/1985. Com a referida nota fiquei posicionado a meio da tabela classificativa, nem entre os primeiros, nem entre os últimos. Acho que fiquei no lugar que me competia porque não conseguiria de modo nenhum fazer mais nem melhor com a minha 4ª classe.
Felizmente hoje já não é nada assim e ainda bem, embora o currículo dos cursos mantenha a mesma complexidade, se não maior ainda. Porém os alunos têm atualmente um nível de formação académica muito superior, o que só por si é já uma enorme vantagem. Infelizmente a inveja e mesquinhez de muita gente que nos rodeia continua igual ou maior do que sempre foi, para continuarem a achar que as progressões nas carreiras profissionais caem do céu aos trambolhões e nunca por mérito, trabalho e empenho de quem as consegue alcançar.
José Coelho in Histórias do Cota