Nesta época estranha em que quase
tudo o que me foi corretamente ensinado por quem me deu a vida, a educação, os
seus valores e princípios, todos eles muito mais valiosos do que as mordomias
atuais na sua generalidade, as quais eu não só aprendi como pratiquei ao longo
da minha vida, constantemente sou motivo de reparos e absurdas correções das
gerações que vi nascer e crescer, que ajudei naquilo que pude, assim como constantemente sou
surpreendido também com chamadas de atenção e corrigido pelo que estou a fazer, a
dizer ou a pensar, pois é antiquado porque hoje já nada é assim.
Pior que estranha, esta época é a
mais rara e absurda de que tenho memória, não por mero acaso, mas porque já é
bastante longa. E não. Não sou eu que faço, digo ou penso errado. Apenas
continuo a fazer, a dizer e a pensar o que aprendi e que tanto, tanto, tanto,
agradeço a quem na sua humildade, simplicidade e sabedoria, me ensinou. Não tenho
qualquer dúvida. E quem diz e pensa aquilo que sabe, a mais não é obrigado. Erradas
são a maioria das coisas a que hoje assistimos em quase todos os quadrantes do
nosso dia a dia ao nosso redor, os excessos de quase tudo, menos do bom-senso.
Aquele quase tudo que há
cinquenta anos a todos faltava em termos de qualidade de vida e abundância, é o
quase tudo que agora a todos sobra. Exceto no amor ao próximo, na amizade fraterna,
na honestidade de atitudes, na generosidade de uns para com os outros, na educação
e disciplina, no respeito mútuo, no trato, na delicadeza, enfim, de um modo
geral, na sinceridade, na humildade e na fraternidade. A começar pelas cúpulas hierárquicas
com responsabilidades governativas, administrativas, de chefia ou de comando, onde
o exemplo deveria ser regra inequívoca, mas onde, pelo contrário e invariavelmente, mais abundam a corrupção, o
compadrio, a ganância.
Na família, nas amizades, nos
empregos, no dia a dia comum ainda há felizmente mas não muitas pessoas com
bons sentimentos e princípios capazes de se equipararem aos seus antepassados
em quase tudo. Mas a maior percentagem é capaz de ser nossa amiga sim, de
querer ver-nos bem, mas nunca melhor do que elas. Porque se tal acontecer a
amizade é imediatamente substituída pela inveja e pelo “porquê ela e não eu”. Em
vez de ficar feliz com o nosso sucesso fica revoltada, em vez de nos felicitar vai
dizer-nos “vê lá a sorte que tiveste”, porque ninguém quer saber do esforço, do trabalho ou do empenho que foi
necessário para se conseguir alcançar essa “sorte”.
Senti isso na pele, no coração e
na alma quando, com o mínimo de habilitações literárias que possuía, me atrevi
a lutar pelos patamares mais elevados da minha carreira profissional, tendo em
vista, única e exclusivamente, melhorar as condições de vida pessoais e
familiares. Trabalhei como um condenado. Tive de vencer obstáculos e armadilhas
inenarráveis. Tive momentos de desânimo, de choro, de vontade de desistir e
mandar todos os meus sonhos às malvas. Mas aguentei. Cerrei os dentes e
consegui transformar aqueles desânimos em força e motivação, passei a dormir
menos e a estudar mais, mais, mais, aprendi a sorrir às provocações em vez de
me encher de raiva como esperava quem me provocava.
E venci. Porra. Venci, tudo e
todos.
Sem a puta da ajuda de ninguém e
muito pelo contrário.
E tive a honra e o prazer de
dizer cara a cara, olhos nos olhos, a quem veio estender-me a mão para me dar os
parabéns por eu ter conseguido chegar onde queria, deixando-o com a mão
estendida à porta do Posto de Socorros do AIP/GNR/Portalegre:
- Não aceito nem retribuo esse
seu gesto porque sou exatamente o mesmo homem que o senhor difamou, perseguiu e
tentou prejudicar de todas as formas. Passe bem e Deus lhe dê saúde.
Porque sou assim mesmo.
Ensinaram-me a não ser cobarde. A dizer o que tiver de ser dito na cara seja de
quem for e a não falar mal de ninguém nas suas costas. Ensinei exatamente o
mesmo aos meus filhos, continuo a ensiná-lo às minhas netas, e, mais importante
ainda, continuo a praticar essa maneira de ser e de estar na vida todos os dias.
Então, não é por ser já velho que tenho de mudar. Não é por a idoneidade e a
honestidade estarem fora de moda que eu estou errado.
Errado é este tempo sem rei nem
roque, onde assistimos ao almoço, ou ao jantar, no telejornal a guerras que
despontam por todo o mundo quais cogumelos de Outono, a sessões da Assembleia
da República com os Senhores Deputados da Nação a insultarem-se educadamente com
berros e insinuações soezes, maridos que mataram as mulheres, filhos que agrediram
os pais, padrastos que violaram enteadas, administradores que lesaram o Estado
em milhares de milhões, enfim, o filme de terror diário e permanente do caos em
que o nosso quotidiano se transformou e que de tão permanente se tornou
normalidade.
Por isso não, não tenho – não
temos – todos os que, sendo do meu tempo ou mesmo alguns mais novos, continuamos
a comportar-nos e a viver segundo as regras com que nos criámos, pese embora
estejam já visivelmente fora de moda.
Disse.
José Coelho