Caminho agora já muito menos, principalmente pelos ermos onde não passa ninguém durante meses, anos talvez, porque não é seguro nem recomendável andar sozinho por lugares desabitados e tão longínquos aos 70 e tal anos a saltar paredes, a subir e descer calhaus, a furar por baixo do mato para conseguir avançar.
Um pé mal posto, uma queda imprevista, sei lá...
Dizia a minha prudente mãe que "à má hora, não ladram cães", o que queria dizer que as coisas ruins nunca avisam antes de acontecer e por isso mais vale prevenir.
Mas tenho saudades.
Dos ciclópicos amontoados graníticos que se sucedem uns após outros até à linha do horizonte. Dos sobreiros e giestais que tantas vezes me acolhiam no seu silêncio cúmplice para ouvirem os meus desabafos sempre que precisei.
Porque esses lugares eram o cofre seguro dos meus mais íntimos segredos, de lá voltei para casa sempre com o coração em paz.
Bastava-me apenas ficar atento ao sussurro das folhas dos sobreiros a serem tocadas pela suave brisa dos entardeceres, ao tranquilo arrulhar das rolas bravas, ao monótono canto do cuco e da poupa, ao afinado gorjeio dos rouxinóis que ainda continuam a morar nas orlas frescas do Ribeiro da Cavalinha e na Fonte da Murta.
A vida tem princípio e fim. Sei, tenho consciência, que o meu tempo, agilidade, força, energia e capacidades, estão a diminuir a cada dia que passa. Não fui tão feliz quanto desejei, mas fui feliz o suficiente para afirmar que valeu a pena ter nascido.
Não tive tudo quanto quis e precisava ter, mas tive o suficiente para olhar hoje para trás e dizer com absoluta serenidade:
- Obrigado Vida!
Como toda a gente, tive bom e tive mau. Como toda a gente, ri quando fui feliz, chorei quando algo ou alguém me maltrataram. Como (quase) toda a gente tentei sempre não prejudicar ninguém, não ter inveja do que os outros tinham e eu não podia ter, ajudei em tudo o que esteve ao meu alcance quem me pediu ajuda, ou voluntariamente quando foi necessário.
Ajudei até, tomem nota, quem não merecia e nunca mereceu. Mas como essas pessoas não trazem escrito na testa que não prestam, agi de boa fé.
E sim, escrevi propositadamente entre parêntesis (quase) porque sempre conheci e continuo a conhecer ainda hoje, pessoas velhacas que vivem para infernizar a vida de outras pessoas, são invejosas, mentem, enganam, vigarizam e ofendem até mãe e pai se preciso for.
Humano que sou, errei também, sim. Tantas vezes! Mas com toda a certeza, nunca o fiz com intenção deliberada de prejudicar, magoar, ofender ou maltratar fosse quem fosse. E pedi desculpas sempre que foi necessário, assim como emendei esses erros sempre que pude e foi possível emendá-los.
Resumindo:
Tive apenas o que pude e consegui ter, aceitei e agradeci sempre o que me foi concedido, mas nunca, nunca, nunca, deixei de lutar nem de sonhar que iria ser capaz de alcançar mais e melhor.
E fui...
José Coelho
Texto e foto