Herdei do meu pai o gosto de me ver rodeado pelos meus. Agora só já quase os filhos, noras e netas, mas tempos houve em que eram também as irmãs, cunhadas ou cunhados, sobrinhas e sobrinhos ou outros familiares, até mesmo alguns amigos considerados família, porque felizmente também os tenho. E a hora das refeições foi sempre, por norma, o momento de nos juntarmos todos no mais fraterno convívio, porque nas outras horas do dia cada um anda por onde necessita andar.
O culto da família, a meu ver, nunca devia deixar de ser seguido. Imaginem o desconsolo e solidão de quem não tem carinho algum de ninguém. É inquestionavelmente a herança mais valiosa que recebemos na vida. Mais importantes que todo o dinheiro do mundo são os afetos porque são eles que nos ajudam a adoçar os dias mais amargos e é na família que se encontra o melhor, o mais seguro porto de abrigo, o ombro amigo onde podemos reclinar a cabeça quando desanimados necessitamos recuperar do cansaço dos dias, quiçá também de algum inesperado tombo.
A Vida ensinou-me tudo isso, ninguém imagina o que me custou aprender, mas valeu a pena.
E não só sigo à risca esses ensinamentos como ainda procuro transmiti-los aos filhos para que também eles se esforcem por cultivarem entre si a fraternidade familiar e não permitam nunca que alguma vez se percam os hábitos que nos unem há décadas como família. Sou ainda mais apegado a eles desde que perdi o nosso pai mais a nossa mãe, pois a sua ausência fez-me entender quanto foram os dois tudo o que de melhor tivemos na vida.
Fomos sempre uma das famílias mais humildes desta aldeia, mas fomos também, em simultâneo, muito felizes nessa humildade. Quando nos juntamos, há sempre para recordar alguma peripécia daquelas que permanecem intactas na nossa memória, sem perderem a indelével doçura que então nos marcou.
O singelo arroz de bacalhau da noite de natal porque não havia uma posta para cada um. O galo tostado do almoço depois no dia de natal, porque não havia peru. As caixinhas de fósforos cheias de confettis coloridos que sabiam a anis e a mãe Florinda trazia às escondidas de Espanha quando lá ia às compras para ir juntando ao longo dos meses, na proporção do escasso dinheiro de que dispunha.
Sim, foi mesmo possível sermos felizes sem quase nada. Ensinaram-nos a não invejar os brinquedos e as roupas novas dos nossos amigos porque eles eram filhos de funcionários do estado e o nosso pai era um pacato camponês que mal ganhava para o pão nosso de cada dia.
Porque há coisas que o dinheiro não compra, quase me atrevo a apostar que éramos nós mais felizes ao amanhecer de cada uma dessas já longínquas manhãs de Natal com a caixa de fósforos cheia de confetis, do que eram eles com as suas prendas caras.
Hoje recordo tudo isso com imensa nostalgia pela fortuna sem tamanho que foi ter uns pais assim, umas irmãs tão amigas, uma família tão alegre e bem unida, apesar de possuirmos tão poucos bens materiais. É fácil ser feliz quando se aceita com humildade aquilo que somos e o que podemos ter.
Um dia iremos todos partir deste mundo com ainda muito menos:
- Sem nada. Ricos e pobres.