APOSENTAÇÃO E APOSENTADOS
Aposentados. Encontro matinal.
Conversas de circunstância à volta de um café. Dar e receber, matar o tempo,
iludir os ais da vida. Palestra-se e rabuja-se sobre isto e sobre aquilo,
pomo-nos em dia com o mundo, entretemo-nos por uma hora bem contada e melhor
passada. O convívio começou por acaso: encontrei um amigo que estava com amigos
dele, que agora também são meus amigos. Tornou-se rotina. Uma rotina que me
apraz. Quando o encontro acaba, recordo que no dia a seguir há mais e sinto-me
bem. Quando falha, sinto-lhe a falta. Não há volta a dar: o bicho humano não se
dá bem sem convivência, carece de camaradagem e amizade. O segredo para
amenizar as desditas do nosso fado está na soma de pequenos nadas, de coisas e
atos simples a que muitas vezes não outorgamos a real valia que têm.
Rotinas. Como nos podem enfadar!
Mas fazem falta, porque nos mantêm ativos e entretidos, além de organizarem o
nosso quotidiano. Passamos a vida a almejarmos hoje o que deixamos de apreciar
amanhã, a detestarmos o que depois percebemos que não era tão mau assim. Nunca
estamos bem com o que temos e fazemos, e resvalamos facilmente de uma opinião
para o seu contrário. Somos complicados.
Desengane-se quem vislumbre a
aposentação como uma maré de rosas. Ou como uma libertação, que é o que nos vem
à cabeça naqueles momentos em que já estamos fartos do trabalho e da injustiça
de nos pagarem menos do que achamos que merecemos. Bem sei: o reformado não tem
grandes obrigações, brutos encargos com casa, filhos e carro, patrões e chefes
para aturar, dores de cabeça com a falta de trabalho e a duração dos contratos,
hora pra se levantar da cama e rigidez de horários a cumprir, o desgaste da
jornada de trabalho – doces privilégios.
Mas os que anseiam por se
aposentar descobrirão, a seu tempo, as amarguras da aposentação. A exiguidade
das pensões obriga a malabarismos. A vitalidade esboroa-se. A saúde definha.
Sente-se a falta da labuta diária que nos mantinha focados nas ocupações profissionais,
que distraíam e nos faziam sentir realizados e úteis. Perde-se o contacto com
companheiros de muitos anos. E não ficam por aqui os amargores. Quando lá
chegarem, dar-se-ão conta de como é penoso gerir o tempo da inatividade e de
como ela entedia e deprime e debilita, de como a vida perde sal quando o
projeto se esgotou, de como precisamos da confraternização e das distrações que
perdemos.
A reforma decorre na reta final
da nossa existência, vultuoso senão. É quando mais nos apercebemos de que não
somos eternos e de que a vida, dando-nos muito, muito nos tira, a velhaca. É
quando a ausência dos que amávamos e já partiram, mais nos dói. É quando nos
confrangem mais a saudade e a mágoa. É também quando, verdadeiramente,
começamos a entender o que é a solidão. Os regalos da reforma compensam lá as
perdas do reformado! Velhice é velhice, não se doire a desgraça.
Ai, a aposentação! As benesses e
os senãos dela. É vivê-la. Um convívio mais, qualquer que seja, ajuda a afastar
os demónios que nos atormentam a alma, e lembra-nos que estamos vivos e que
urge aproveitar a bênção da melhor maneira possível, enquanto por cá andarmos.
Juvenal José
(Texto publicado no jornal «Diário da Região», em 08/03/2018)
Foto José Coelho