quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Coisas que leio e gosto

Ocaso de mais um dia sobre o Maxial - Beirã

 

APOSENTAÇÃO E APOSENTADOS

Aposentados. Encontro matinal. Conversas de circunstância à volta de um café. Dar e receber, matar o tempo, iludir os ais da vida. Palestra-se e rabuja-se sobre isto e sobre aquilo, pomo-nos em dia com o mundo, entretemo-nos por uma hora bem contada e melhor passada. O convívio começou por acaso: encontrei um amigo que estava com amigos dele, que agora também são meus amigos. Tornou-se rotina. Uma rotina que me apraz. Quando o encontro acaba, recordo que no dia a seguir há mais e sinto-me bem. Quando falha, sinto-lhe a falta. Não há volta a dar: o bicho humano não se dá bem sem convivência, carece de camaradagem e amizade. O segredo para amenizar as desditas do nosso fado está na soma de pequenos nadas, de coisas e atos simples a que muitas vezes não outorgamos a real valia que têm.

Rotinas. Como nos podem enfadar! Mas fazem falta, porque nos mantêm ativos e entretidos, além de organizarem o nosso quotidiano. Passamos a vida a almejarmos hoje o que deixamos de apreciar amanhã, a detestarmos o que depois percebemos que não era tão mau assim. Nunca estamos bem com o que temos e fazemos, e resvalamos facilmente de uma opinião para o seu contrário. Somos complicados.

Desengane-se quem vislumbre a aposentação como uma maré de rosas. Ou como uma libertação, que é o que nos vem à cabeça naqueles momentos em que já estamos fartos do trabalho e da injustiça de nos pagarem menos do que achamos que merecemos. Bem sei: o reformado não tem grandes obrigações, brutos encargos com casa, filhos e carro, patrões e chefes para aturar, dores de cabeça com a falta de trabalho e a duração dos contratos, hora pra se levantar da cama e rigidez de horários a cumprir, o desgaste da jornada de trabalho – doces privilégios.

Mas os que anseiam por se aposentar descobrirão, a seu tempo, as amarguras da aposentação. A exiguidade das pensões obriga a malabarismos. A vitalidade esboroa-se. A saúde definha. Sente-se a falta da labuta diária que nos mantinha focados nas ocupações profissionais, que distraíam e nos faziam sentir realizados e úteis. Perde-se o contacto com companheiros de muitos anos. E não ficam por aqui os amargores. Quando lá chegarem, dar-se-ão conta de como é penoso gerir o tempo da inatividade e de como ela entedia e deprime e debilita, de como a vida perde sal quando o projeto se esgotou, de como precisamos da confraternização e das distrações que perdemos.

A reforma decorre na reta final da nossa existência, vultuoso senão. É quando mais nos apercebemos de que não somos eternos e de que a vida, dando-nos muito, muito nos tira, a velhaca. É quando a ausência dos que amávamos e já partiram, mais nos dói. É quando nos confrangem mais a saudade e a mágoa. É também quando, verdadeiramente, começamos a entender o que é a solidão. Os regalos da reforma compensam lá as perdas do reformado! Velhice é velhice, não se doire a desgraça.

Ai, a aposentação! As benesses e os senãos dela. É vivê-la. Um convívio mais, qualquer que seja, ajuda a afastar os demónios que nos atormentam a alma, e lembra-nos que estamos vivos e que urge aproveitar a bênção da melhor maneira possível, enquanto por cá andarmos.

Juvenal José

(Texto publicado no jornal «Diário da Região», em 08/03/2018)

Foto José Coelho