Da esquerda para a direita em cima: O meu Pai, a minha Mãe, a Avó Amélia e o Avô José Lourenço. Em baixo: A minha irmã mais nova Joaquina e a mais velha Adelina. Não sei porque não ficou também a irmã Luz. Foto de 1973 da autoria da minha amiga de infância Maria do Rosário Carvalho que me a enviou de surpresa pelo correio para Angola no meu 21º aniversário.
Já escrevi inúmeras vezes que a mais valiosa herança que recebi dos meus pais e avós não foi dinheiro ou outros bens materiais. Porquê? Porque muito mais valiosos que quaisquer outras riquezas foram os valores e princípios que enalteço e sempre os vi praticar, pelo que naturalmente me foram sendo ensinados no dia a dia através do seu continuado exemplo.
Ouvi aos meus avós contarem como ajudaram sempre, apesar dos seus limitados recursos, aqueles fugitivos da guerra civil espanhola que com medo de serem capturados por agentes da falange inimiga para os fuzilarem em praças públicas, se escondiam pelos canchos e matagais do Muro e do Monte Velho durante o dia e que para sobreviver lhes batiam à porta pela calada da noite a suplicar algum alimento.
Nenhuma dessas desconhecidas e amedrontadas almas de lá saiu alguma vez sem ser socorrida com algum pedaço de pão centeio, alguma caneca de café de cevada quente ou tigela de leite de cabra, do pouco que tinham para repartir.
De igual modo procediam os meus pais. Éramos uma família humilde na aldeia como eram quase todas as outras nossas vizinhas, na sua grande maioria gente do campo como nós. Mas também à nossa casa recolhiam os irmãos da minha mãe com as suas mulheres e filhos sempre que necessitaram de teto para se abrigarem temporariamente por motivos diversos. Aqui eram sempre acolhidos com carinho e instalados como era possível, dada a exiguidade da nossa casa nas suas quatro pequenas divisões.
Nunca ninguém ficou desamparado.
Do mesmo modo se repartia o quase-nada que havia com quem batia à nossa porta a pedir ajuda. As “malpiqueiras” – pedintes oriundas de Malpica – que pediam cinco tostões por um molho de chá de salva brava e “um bocadinhe de pã”, a ti Felicidade do Miguel da burra porque o homem bebia demais lhe batia e a punha na rua, a vizinha que estava de cama doente e por viver sozinha não tinha ninguém que lhe fosse levar um caldo quente, a senhora com um bébé ao colo que vinha no Lusitânia mas por não trazer passaporte foi posta fora do comboio na estação e deixada ao frio, e tantas, tantas outras pessoas que por um motivo ou outro acabaram acolhidas e sentadas ao nosso lume…
É a tudo isso que eu me refiro quando escrevo e reescrevo sobre valores e princípios ou sobre a antiga solidariedade, até mesmo entre as pessoas desta aldeia – e de todas as outras em redor – naquele tempo de tanta pobreza, porque hoje que já vivemos todos muito melhor pouco ou nada nos importamos uns com os outros.
Sem vaidade ou presunção sei que também sou, como os meus pais e avós, uma pessoa solidária e atenta ao meu semelhante, sempre pronto a dar a mão a quem dela necessita. Mas por outro lado não me preocupa minimamente o que faz ou deixa de fazer da sua vida o meu vizinho, porque ser solidário não quer dizer ser-se intrometido, abelhudo ou coscuvilheiro.
Estar atento ao próximo não é ser inconveniente. Pelo contrário, é agir com discrição, prestar auxílio se necessário, mas sem achar que por isso tem direito a dar sentenças ou palpites.
Cada pessoa sabe de si e só Deus sabe de todos.
Por isso respeito toda a gente e espero sempre que da mesma forma proceda “toda a gente” para comigo. Mantenho a verticalidade de princípios e valores que me foram incutidos, faço a minha vida sem sobressaltos e sem alterar o rumo do meu comportamento completamente indiferente aos juízos bons ou maus que de mim possam fazer A, B, ou C.
Do meu saudoso e querido pai que não sabia ler nem escrever, guardo este sábio conselho que eu entendi precioso e passei a praticar como lema de vida:
- Faz boa letra filho e o diabo que a leia…
José Coelho in Histórias do Cota (excerto)