A minha primeira foto - Agosto de 1952
Celebrei mais uma data do meu aniversário. Nunca houve, no decorrer da minha vida, efusivas celebrações natalinas em minha homenagem e por norma não dou grande importância a esse evento anual que já soma mais de sete décadas.
Não tenho, por isso mesmo, grandes recordações desse dia, que sempre considerei igual a qualquer outro. Em boa verdade, entendo que importantes devem ser todos e cada um dos dias desta nossa caminhada pela terra, a qual todos sabemos quando e onde começou, mas ninguém sabe quando ou onde irá acabar.
Tenho por isso um hábito que a minha mãe me ensinou desde menino que é agradecer diariamente cada dia de vida, à noite quando vou para a cama.
Mas lá porque não lhe dou grande importância, respeito e concordo que haja quem decida fazer desse dia uma festa com pompa e circunstância. Cada pessoa tem a sua forma de estar na vida e é livre de fazer o que bem entende com a data do seu nascimento.
A única forma que pratico de assinalar essa efeméride, é, quando muito, juntar à mesa, cá em casa, os familiares mais próximos numa almoçarada ou jantarada sem grande aparato e em tudo semelhante a muitas outras que fazemos ao longo do ano, porque à semelhança do meu Pai, uma das coisas que mais gosto na vida é a de me ver rodeado dos meus entes queridos.
Se possível muitas vezes, o que infelizmente cada vez vai sendo mais raro, porque cada um foi já para seu lado.
Aquilo que se come ou bebe sempre foi irrelevante e absolutamente secundário. O importante mesmo foi, e continua a ser, o estarmos juntos e bem. Cumpridos esses requisitos, o resto com toda a certeza, foi e continua a ser sempre para lá de bom.
Aprendi isso desde o berço porque os meus saudosos velhinhos para além da sua humildade eram também umas santas criaturas que sem saberem ler nem escrever possuíam valores e princípios que nos souberam transmitir no dia a dia, tornando-se todos eles por isso mesmo parte integrante de nós, quase sem darmos por isso.
Tomaram muitos doutores e outras pessoas que se julgam muito finas terem aprendido um terço daquilo que nós aprendemos com os nossos iletrados mestres. Quando me lembro hoje da nossa vida naquele tempo com seis pessoas à mesa e recursos tão escassos, quase acredito que a minha Mãe conseguia fazer milagres.
Diz o ditado que "na casa cheia, depressa se faz a ceia" mas a nossa casa nunca foi cheia a não ser de amor e união. Porém, ainda assim, nunca deixou de haver ceia.
Celebrou-se então mais um aniversário do dia em que nasci. Dizia a minha Mãe toda orgulhosa que eu era "um colo cheio de gaiato", porque era um latagão. Sem grande esforço de memória fecho os olhos e consigo recordar algumas dessas datas celebrativas.
Até aos 15, 16 anos, dá para lembrar principalmente que fui feliz, muito e muito feliz no seio desta família a que me honro de pertencer. Mas lá fora nas ruas apinhadas de gaiatada naquele tempo, quais bandos de pardais em liberdade, fui também extremamente feliz.
Ainda hoje por aqui se encontram alguns desses velhos - como eu - protagonistas, se bem que já muito poucos, com quem continuo a manter laços de fraterna amizade e afeto.
Costumo chamar-lhes amigos-quase-família.
Depois aos 18 anos fui para a tropa. Incorporado aos 19 e quando fiz 20 tinha 3 dias de Angola. Os 21 e 22 foram "celebrados" no meio do mato e rodeado pela guerra e pela incerteza de cada amanhã. Foram talvez os piores. Mas tive a sorte de regressar para casa, coisa que muitos camaradas não tiveram.
Depois aos 18 anos fui para a tropa. Incorporado aos 19 e quando fiz 20 tinha 3 dias de Angola. Os 21 e 22 foram "celebrados" no meio do mato e rodeado pela guerra e pela incerteza de cada amanhã. Foram talvez os piores. Mas tive a sorte de regressar para casa, coisa que muitos camaradas não tiveram.
Casei aos 24 com a Companheira que desde então me atura, fui pai do primeiro filho aos 25 e do segundo aos 29. Um e outro foram as duas primeiras grandes prendas de aniversário na minha vida.
E digo "foram" porque agora, já entrado pelo outono da vida, fui contemplado com outras duas prendas - e os filhos que me perdoem - acho que de maior valor ainda. As minhas netinhas. Nunca imaginei que um dia ia conhecer este sentimento.
É inexplicável.
Se ser pai foi maravilhoso, ser avô é a maior benção da minha vida, inquestionavelmente. Sei agora e entendo melhor porque é que o meu pai deu sempre muito mais colo a todos os netos e olhem que eram muitos, do que nos deu a nós, seus filhos, quando éramos também pequenos.
Porque vinha mais cansado para casa? Falta de jeito? Nááá... Nós éramos quatro, mas os netos dele eram... Sete. E trepavam por ele acima, ralhava até conosco se nos via dar-lhes alguma palmada.
Agora percebo porquê! Mistério resolvido.
Tanta coisa me vem à memória por esta data. Uma vida inteira de recordações quase todas boas. É que já são muitos anos a pisar chão. Resta-me escrever que depois de 2014 o meu aniversário ficou já sempre mais triste.
Tanta coisa me vem à memória por esta data. Uma vida inteira de recordações quase todas boas. É que já são muitos anos a pisar chão. Resta-me escrever que depois de 2014 o meu aniversário ficou já sempre mais triste.
Falta-me o beijinho que me era tão querido e necessário de quem me ensinou tudo, menos como viver sem ela. A minha Mãe. Mas a vida continua. Tem que continuar mesmo. Só o tempo vai ensinar-me a gerir essa enorme perda.
Em cada 10 de Março pelas cinco horas da madrugada celebra-se uma data que nunca foi só minha. Era também dela. Aconteceu graças a ela. E com uma força atroz, a duras penas, estou a continuar a viver mas também a aprender o quanto é verdade aquela frase que a sabedoria popular inventou:
- Quem não tem Mãe, não tem nada...
- Quem não tem Mãe, não tem nada...
José Coelho