Por vezes é preciso parar
Aqueles
que fazem a pausa-análise percebem que toda a sua vida, até àquele dia, foi
passada caminhando pelos passos dos outros e pelas vontades dos outros.
Percebem que aquela vida não foi (na sua maioria) escolhida por eles mas por
uma sociedade que os rodeia
Há um momento na vida em que
temos de parar. Um momento em que temos de largar todos os companheiros de
estrada, libertarmo-nos de todos pesos e amarras, sentar calmamente e analisar
a nossa vida e a nós próprios.
Desde muito cedo que seguimos
caminhos já trilhados por outros, caminhos pré-definidos. Os caminhos da nossa
vida encontram-se traçados, praticamente, desde o nascimento. Quatro meses após
abrir os olhos para o mundo e a maior parte de nós já entrou na rotina.
Começamos pelo berçário, infantário, pré-escola, primeiro, segundo e terceiro
ciclos, ensino secundário e, se a tanto nos chegar a vontade, a universidade.
Rotinas pré-definidas desde o início. Pelo meio surgirão alguns namorados e,
quando a idade for aquela que é considerada adequada, surgirá um namorado que
permanecerá na nossa vida mais tempo do que o habitual e seguiremos o caminho
natural que é o casamento. A seu tempo surgirão a casa, os filhos, o carro,
quem sabe até o cão. A completar este quadro está um emprego que, grande parte
das vezes, é rotineiro. Um emprego e uma vida que nos fazem contar os dias que
medeiam entre a segunda e a sexta-feira, os dias para o próximo feriado, os
dias para as próximas férias, ou os dias para ser realmente feliz.
E, um dia, acordamos e pensamos
que a vida não tem sido mais que uma vagarosa sucessão de dias: dias que
decorrem lentamente à espera de um “ser feliz” que não acontece. Percebemos que
a vida se está a tornar rapidamente insípida e sem cor. Percebemos que não
sabemos bem quem somos — nem quem fomos. Não sabemos para onde vamos. E é nesse
momento em que acordamos para a realidade que percebemos que parar é essencial.
Parar para pensar, parar para analisar, parar para fazer o balanço do que tem
sido a nossa vida, parar para nos encontrarmos ou, quem sabe,
reencontrarmo-nos.
Algumas pessoas percebem essa
necessidade à medida que vão atingido a maturidade. Outros há, porém, que nunca
irão dar esse espaço para parar e, como tal, nunca irão dar espaço para
encontrar o seu verdadeiro eu.
Aqueles que fazem a pausa-análise
percebem que toda a sua vida, até àquele dia, foi passada caminhando pelos
passos dos outros e pelas vontades dos outros. Percebem que aquela vida não foi
(na sua maioria) escolhida por eles mas por uma sociedade que os rodeia. E é
nessa tomada de consciência que muitas vezes as pessoas param e atiram uma vida
de segurança pela janela, mudando radicalmente a sua existência. Mudam de
emprego, divorciam-se, mudam de cidade ou até de país. Criam grandes alterações
na sua vida, a nível pessoal, profissional ou a todos os níveis. Por isso a
sociedade das regras, a sociedade dos caminhos trilhados e seguros considera,
muitas vezes, que aquela pessoa enlouqueceu. Só a loucura poderia explicar esse
acto de audácia e coragem! E poucos percebem que aquela pessoa não enlouqueceu.
Poucos percebem que ela apenas decidiu parar (porque sentiu essa imperativa
necessidade), para pensar e analisar a sua vida. E foi precisamente nesse
momento que percebeu que não estava a viver a sua vida mas a vida que outros
tinham pensado para ela. E revoltou-se contra esta situação. Decidiu
oferecer-se tempo para pensar e tomar as atitudes necessárias a fim de se
soltar dos pesos e amarras que lhe pesavam e começar a trabalhar, todos os
dias, para ser feliz.
Tomada esta atitude, percebe-se
que se adquiriu tempo e vontade para observar os caminhos que se quer seguir,
as encruzilhadas que se poderá encontrar. Sabe-se que a vida foi tomada nas
próprias mãos. A pessoa percebe que já não vive de acordo com as regras de uma
sociedade bacoca mas de acordo com as suas próprias regras. Trilha caminhos
desconhecidos. Só o poder de tomar esta decisão já lhe traz calma e felicidade.
É serena. Não sabe se é feliz a 100% mas sabe que trabalha todos os dias para
isso. Não se deixa cair na rotina e no marasmo.
A essa pessoa, e a todas aquelas
que perceberam que é preciso parar, que tiveram a coragem de reflectir nesse
momento de pausa e de mudar aquilo que não lhes fazia bem, apresento a minha
maior admiração. Merecem a felicidade que possuem nas mãos.
(Texto de Estefânia Barroso •
11/10/2017 - In Jornal Público)