Na voragem dos dias que me
parecem cada mais céleres e à medida que vou envelhecendo dou por mim a pensar
inúmeras vezes que a vida nunca deixou de me surpreender. Outras, porém, tenho
a nítida sensação de que já vivi mais coisas boas e menos boas do que a maioria
das pessoas do meu tempo.
Após mais de 70 “quilómetros” de “caminhada” por uma vida repleta de experiências – cada uma mais inesperada que a outra – e rodeado pelas minhas queridas memórias, desfruto serenamente o dia a dia no sossego benfazejo da casa que reconstruí sobre a outra mais pequena da qual foi sábio “arquiteto” o meu saudoso Pai.
O silêncio que me faz companhia é apenas pontualmente interrompido pelo cantar dos galos da vizinhança ao raiar da aurora, pelo arrulhar das rolas e chilreio da passarada no arvoredo das redondezas durante o dia e ao anoitecer pelo monótono pio dos mochos e corujas que moram também paredes meias comigo, nos penedos da tapada. Todos estes pacíficos “vizinhos” me acompanham desde sempre, pois ouço-os desde que nasci.
É para profundamente benfazejo este lugar porque quotidianamente trás de volta ao meu imaginário a doce voz da minha mãe, o falar pausado e meigo do meu pai, o alegre e cristalino gargalhar das minhas irmãs. E à mistura com essas inesquecíveis lembranças, fácil é também reconstituir os aromas da ceia ao lume na sertã, do tabaco de mortalha que o tio “Antónho” fumava enquanto esperava a ceia, pacificamente sentado ao lume.
Apressados em viver a vida para alcançar as nossas metas, descuramos muitas vezes o valor intrínseco dos afetos ainda que sem má intenção, desvalorizando o que tínhamos de mais sagrado: A Família. Mãe, Pai, Irmãos, Avós, Tios, quiçá alguns bons Amigos até. Depois a vida passa, as metas nem sempre terão sido tão importantes como imaginávamos, quantas vezes não terão sequer sido alcançadas. Entretanto a Família foi diminuindo porque a vida de cada um deles no seu imparável percurso foi-se extinguindo.
E, como o acordar de qualquer sonho, inevitavelmente chega também o momento em que começamos – quase sempre tarde demais – a perceber que a vida já vai de vencida. Inutilmente olhamos então para trás em busca de tudo o que amávamos, e, que sem disso nos termos apercebido por havermos andado demasiado ocupados, era o que de mais importante e valioso possuíamos. Porém não há mais nada a fazer porque é impossível regredir no tempo, restaurar afetos, recuperar, enfim, tudo o que não soubemos avaliar no tempo certo.
Envelhecemos sem quase nos apercebermos e só quando uma dor numa articulação começa a ser frequente, o coração começa a trabalhar irregularmente, a necessidade de consultar o médico deixa de ser pontual e passa a ser recorrente, percebemos que estamos a atingir o ponto de não retorno. E aí sim, damos conta que a nossa vida é finita, que as coisas menos boas não acontecem só aos outros, que talvez ainda seja tempo de tentarmos viver.
Não sou, nem quereria ser, exceção. Este desabafo na forma escrita mais não é também do que um sincero “mea culpa”. Vivi intensamente a vida, olhando sempre mais para a frente do que para o lado ou para trás, apesar de não ter sido, de todo, nada fácil.
E nessa luta constante contra ventos por vezes bem agrestes, tentei como pude nunca esquecer o lado sagrado onde sempre estiveram e me apoiaram todos os que amava, amo e amarei incondicionalmente enquanto viver. A minha Família. Olhando hoje para trás, nem sempre consigo evitar a nostalgia que tantas vezes me invade. Porém, conhecendo-me como me conheço, sei que se voltasse a nascer faria tudo de novo exatamente como fiz até aqui.
Apesar de tantas dificuldades, tenho muito mais para agradecer à Vida, do que para lhe pedir. Porque sempre me deu saúde, a força anímica e a coragem suficientes para completamente sozinho e sem apoio de ninguém vencer os mais difíceis desafios, permitindo-me alcançar uma a uma todas as metas e objetivos que me propus, por mais inalcançáveis que muitas vezes aparentassem ser.
Essa mesma Vida que tanto me ajudou ensinou-me na primeira pessoa a razão Nelson Mandela tinha quando afirmou que:
- Tudo é considerado impossível, até acontecer…
José Coelho