quinta-feira, 1 de junho de 2023

Cinco tranquilos anos

O meu filho Manel com 14 meses nas Minas da Panasqueira, quando ia com a mãe passar as férias comigo em casa dos nossos amigos. Por detrás dos pinheiros do Cristo Operário vislumbram-se as encostas da Serra da Estrela. Penso que esta foto é da autoria da nossa querida amiga Patrícia Mouro que reside nos EUA.

 

Nas encostas serranas da Estrela, a Barroca Grande era uma aldeia muito maior que algumas vilas que conheço, um aglomerado enorme de edifícios de todas as tipologias com casas bonitas, modernas e funcionais, e, por isso mesmo, resultava muito difícil conseguir-se uma, para lá assentar de vez com a família.

Ainda assim estive prestes a ser contemplado com uma delas. Porém a minha Maria Manuela logo me informou perentóriamente que não queria deixar o seu emprego seguro e certo para ir viver para lá e muito menos queria também que eu continuasse naquele trabalho arriscado debaixo do chão.

Pedia-me insistentemente que eu regressasse a casa e arranjasse uma vida menos perigosa que nos permitisse estar permanentemente juntos como qualquer família normal.

Um ano depois de ser mineiro, decidíramos casar. Ela trabalhava na Celtex – Indústrias de borracha Lda em Santo António das Areias já havia dez anos e o meu ordenado ultrapassava e muito a média dos ordenados daquele tempo por Marvão, na medida que, trabalhando consecutivamente por turnos rotativos de oito horas, dois desses turnos apanhavam uma parte da noite o que originava um aumento significativo nos ordenados porque as horas de trabalho no interior da mina entre as 20 e as 08 horas eram pagas a dobrar.

Recordo que a Manuela ganhava já então dezoito contos mensais que nem era nada mau, mas eu conseguia trazer para casa sessenta contos limpos que eram mais do triplo da média dos ordenados que por aqui se praticavam.

Tínhamos um inconveniente enorme.

Eu só podia vir a casa de 15 em 15 dias. A viagem da Beirã para as Minas era uma aventura cansativa como já escrevi. Assim, optámos, eu e mais dois camaradas mineiros de Marvão, fazer um contrato com o senhor Augusto Chaves do táxi de Castelo de Vide para, de 15 em 15 dias, nos ir buscar por uma quantia pré-estabelecida que pagávamos entre os três, o que tornava a viagem muito mais rápida e confortável.

Entretanto, a Celtex onde a Manuela trabalhava, encerrava anualmente durante o mês de Agosto, para férias de todo o pessoal. E nesse mês a Manuela rumava às Minas para passar comigo esses 30 dias consecutivos em casa dos nossos queridos amigos Marvanenses.

No mês seguinte, Setembro, tirava eu os 30 dias de férias a que tinha direito. A Manuela regressava ao seu trabalho e eu ficava em casa, mas perto dela. Assim foi a nossa vida durante esses anos. Juntos apenas dois meses seguidos cada ano, além de mais um fim-de-semana de 15 em 15 dias.

Entretanto nasceu o nosso Manel e começou a ser muito complicado para mim viver longe dele e da mãe.

Mas gostava muito, quer do meu trabalho tão bem remunerado como de todo o ambiente de profunda amizade, solidariedade, camaradagem, simplicidade e disponibilidade mútua quer dos mineiros Marvanenses e suas famílias, quer de toda aquela boa gente da Beira Baixa que é seguramente das melhores do mundo.

Em nenhum outro lugar me senti tão bem em toda a minha vida e por isso mesmo foi muito fácil adaptar-me, apesar da rudeza e algum risco do trabalho.

Um mineiro quando vai para o interior da mina, é como o pescador quando se faz ao mar. Nunca sabe se regressa a casa pelo seu pé. Mas a compensação salarial era muito atrativa e eu habituei-me a ter dinheiro para tudo quanto nos fazia falta. Paguei sem dificuldade a mobília da nossa casa, comprámos eletrodomésticos, fizemos uma viagem de lua de mel por Madrid, Porto, Braga, Gerês, enfim, coisas inimagináveis se eu tivesse continuado por Marvão e não tivesse aceite a mão que generosamente o falecido primo João Gaspar me estendeu ao ver-me desempregado.

Já estão, ele e a esposa, junto de Deus. Mas a minha gratidão permanece intacta e reverencio até hoje a sua querida memória. A silicose adquirida pelos anos consecutivos de trabalho na mina matou o João aos cinquenta e poucos anos e a Maria José foi ter com ele pouco depois, vítima de um AVC.

Também já não tenho o grato prazer de me encontrar com o meu querido capataz José Mouro que recentemente nos deixou, mas continuo a reverenciar a profunda amizade que tenho pela sua esposa e filha mais nova que moram na encosta sul de Marvão, assim como pela filha mais velha que reside nos EUA e pelo filho que também vive longe, apesar de ter uma bonita casa de férias no Jardim, muito perto da dos seus pais.

Gosto tanto deles como gosto da minha família e não conseguimos esconder a grande amizade que nos une, sempre que nos encontramos, porque a toda esta boa gente fiquei a dever os anos mais decentes e tranquilos da minha vida. E também porque a gratidão é uma das virtudes que mais prezo...

 

José Coelho in Histórias do Cota