segunda-feira, 5 de junho de 2023

Desfrutem (os afetos) enquanto é tempo

Ponto de encontro onde se convive e repartem memórias
Foto Pedro Coelho - Natal 2022 na Toca dos Coelhos

Sou, definitivamente, um eterno defensor da união familiar, pese embora não seja já fácil nem frequente conseguir reunir uma Família nos dias de hoje. Herdei do meu pai este gosto de me ver rodeado pelos meus. Agora só já quase os filhos, noras e netas, mas antes eram também as irmãs, cunhadas ou cunhados, sobrinhas e sobrinhos ou outros familiares, até mesmo alguns amigos considerados família, porque felizmente também existem alguns. E a hora das refeições foi sempre, por norma, o momento de nos juntarmos todos no mais fraterno convívio, porque nas outras horas do dia cada um anda por onde necessita andar.

O culto da família, a meu ver claro, devia ser seguido por toda a gente. Que herança mais valiosa recebemos na vida? Mais importantes que todo o dinheiro do mundo são inquestionavelmente os afetos familiares. São eles que nos ajudam a adoçar os dias mais amargos e é na família que se encontra o melhor e mais seguro porto de abrigo, o ombro amigo onde podemos reclinar a cabeça quando desanimados necessitamos recuperar do cansaço dos dias, quiçá de algum inesperado tombo. A Vida ensinou-me tudo isso, ninguém imagina quanto, nem o que custou aprender, mas valeu a pena.

E não só sigo à risca esses ensinamentos, como ainda tento transmiti-los aos filhos para que também eles se esforcem por cultivar entre si essa fraternidade familiar e não permitam nunca que alguma vez se percam as tradições e os hábitos que nos unem há décadas como família. Sou tão apegado a eles que não há noite de natal cá em casa que não se entoe, quase sempre com a voz embargada pela saudade, aquele engraçado toque-toque-toque-vamos-a-são-roque que ouvi o meu pai cantar todos os natais que passei com ele nesta que foi a sua e nossa casa, porque ele mais a nossa mãe foram tudo o que de melhor tivemos neste mundo. 

Se éramos uma das famílias mais humildes da aldeia noutro tempo, éramos também em simultâneo muitíssimo felizes. Quando nos juntamos, há sempre para recordar alguma peripécia daquelas que permanecem intactas na nossa lembrança e sem perderem a indelével doçura que então nos marcou. O singelo arroz de bacalhau da noite de natal, porque não havia uma posta para cada um.  O galo tostado do almoço depois no dia de natal,  porque não havia peru. As caixinhas de fósforos cheias de confettis coloridos que sabiam a anis e que a mãe Florinda ia trazendo às escondidas de Espanha ao longo dos meses, na proporção do escasso dinheiro de que dispunha.

Sim, era possível ser-se feliz assim, sem quase nada. E nós fomos muito felizes mesmo. Ensinaram-nos a não ter inveja dos brinquedos ou das roupas novas dos nossos amigos porque eram filhos de funcionários do estado e o nosso pai era um camponês que mal ganhava para comermos. Quase me atrevo a apostar que éramos mais felizes nós no amanhecer de cada uma dessas já longínquas manhãs de Natal com aquela caixinha de fósforos cheia de confettis, do que eram eles com as suas mordomias. Hoje olho para trás com um misto de encanto e nostalgia pela fortuna sem tamanho que foi ter uns pais assim, umas irmãs tão boas, uma família unida, alegre e bem formada, apesar de não termos quase "onde cair mortos".

A Vida é tão surpreendente e deu entretanto tantas voltas que gente que naquele tempo era rico empobreceu, alguns magníficos palacetes jazem hoje arruinados, enquanto algumas casas humildes foram promovidas a chalés. Para quê vaidades, desuniões, invejas, brigas e intrigas, para quê ambicionar mais e mais quando o que já se tem é mais do que suficiente? É tão fácil ser feliz quando se aceita com humildade a nossa condição humana, quando se tem consciência que um dia iremos partir deste mundo exatamente como a ele chegámos. Sem nada. Entretanto e porque o que cá deixamos é essencialmente aquilo que fomos, somos e fizemos, eu vou tentando ensinar a quem amo aquilo que de mais importante aprendi:

A nossa maior riqueza - salvo muito raras exceções porque infelizmente também existem - é a Família, por isso, aproveitem-na enquanto é tempo...

José Coelho