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Na primeira metade da década de 50, aquela em que nasci logo
no ano segundo, a minha mãe tinha de levantar-se muito antes de nascer o sol para acompanhar o meu pai na labuta de semear, sachar, regar e colher,
pimentos, batatas, cebolas, tomates, melancias e melões, ora nas várzeas do Vale
do Cano, ora nas da Nave, ou nas do Matinho e Amendoeiras, onde ele foi durante grande parte da sua vida, hortelão-mor.
Levavam com eles a minha irmã Adelina já moçoila porque mais
velha que eu quatro anos e a mim deixavam-me na “mestra” – era assim que se
chamavam naquele tempo as senhoras que nos aceitavam em suas casas, transformadas em infantários da gaiatada dos trabalhadores rurais mediante o pagamento de uma modesta mensalidade.
(Quiçá tenha sido essa época o embrião dos sofisticados infantários e átêéles atuais)
Para nos manter sossegados a Senhora Vicência Olivença - era esse o seu nome - entregava-nos uma
ardósia e um lápis de pedra e punha-nos a copiar o a-e-i-o-u, os algarismos, a tabuada, em suma, as primeiras noções básicas da escola primária. De tal modo eu “encarrilhei” com tudo aquilo que aos 5 anos já sabia ler, escrever e contar.
Tanto assim foi que em outubro de 1958 quando entrei para a
Escola Primária Masculina da Beirã, a senhora professora D. Clarisse Quezada, ao
constatar o estado avançado dos meus conhecimentos básicos, colocou-me imediatamente
na fila destinada à rapaziada da 2ª classe.
Hoje isso não seria possível com certeza mas naquele tempo uma senhora professora era uma autoridade reconhecida, respeitada e obedecida por toda a comunidade, logo a seguir ao senhor padre e ao senhor regedor.
Foi esquisito à brava porque assim eu aprendi toda a matéria da segunda
classe logo no meu primeiro ano escolar, mas depois em junho, nas provas de
passagem, tive que fazer a Prova de Passagem da Primeira para a Segunda Classe que de facto me competia.
(Curiosamente tenho esses documentos ainda hoje em meu poder porque a senhora minha Mãe - que Deus a guarde - tinha tudo isso religiosamente guardado como se fosse um tesouro que eu encontrei quando vim viver definitivamente para cá em virtude de a casa já ser minha, mas ter sido por nós acordado por compromisso verbal à data da compra, o usufruto comum enquanto eles vivessem).
(Curiosamente tenho esses documentos ainda hoje em meu poder porque a senhora minha Mãe - que Deus a guarde - tinha tudo isso religiosamente guardado como se fosse um tesouro que eu encontrei quando vim viver definitivamente para cá em virtude de a casa já ser minha, mas ter sido por nós acordado por compromisso verbal à data da compra, o usufruto comum enquanto eles vivessem).
E assim se cumpriu escrupulosamente.
Mais esquisito ainda foi depois das férias grandes desse
meu primeiro ano escolar, em outubro seguinte, quando a D. Clarisse me colocou novamente na fila das
carteiras da malta da terceira classe, em virtude de eu já ter dado a matéria
da segunda.
Desse modo fiz pois todo o meu percurso escolar sempre um ano adiantado, mas a fazer as Provas de Passagem de Classe naquelas que me efetivamente me pertenciam,
coisa que em nada me favoreceu porque depois na
quarta classe tive de injustamente marcar passo dois anos sem nunca ter chumbado...
Apesar de já ter dado a matéria, oficialmente pertencia à
classe anterior, de onde nunca devia ter sido retirado, acho eu. De que me valeu o reconhecimento pela professora da minha aptidão se depois não me podia mandar a exame no final? Os meus companheiros foram a Marvão fazê-lo enquanto eu tive de ficar inutilmente a repetir tudo o que já sabia.
Ave rara desde que nasci - porque só eu varão em quatro partos muito bem sucedidos da Mãe Florinda - em 1969 enquanto metade dos jovens fugiam à tropa para não irem à guerra eu ofereci-me voluntário sabendo quase de certeza que ia lá malhar com os ossos. Tinha 17 anos. Sabia lá eu, provinciano ingénuo sem nunca daqui ter saído, o que era a tropa, o que a guerra, o que era o mundo.
Mas fui.
Safei-me, dou graças por isso. Olhando hoje para trás e revisando toda a minha vida enquanto o alzaimer não a apagar da memória, dou por mim muitas vezes a pensar:
- Ó Zéi - era assim que a minha santa mãe me chamava sempre - só te faltou mesmo seres rico, para poderes acreditar que a sorte existe!
José Coelho