Fazer da cal o
bilhete de identidade. Comer o primeiro u de Augusto. Às Marias chamar Bias.
Petiscar ao fim do dia. Acreditar em Deus e no Partido Comunista. São coisas de alentejanos.
Explicar Deus como “alguém que manda” nisto. Casar
pela Igreja. Baptizar os filhos. Ser indiferente à missa. Não faltar à
procissão. Desprezar a confissão. Cantar ao Menino pelos Reis. Chamar magana à
morte. Dizer dos familiares que lhe morreram: “o meu pai que Deus tem” ou “a
minha Joaquina que Deus tem”. Tirar o chapéu diante do cemitério. Temer as
trovoadas como os gauleses do Astérix. Benzer o pão antes de entrar no forno.
Não derramar azeite. São coisas de alentejanos.
Estar apaixonado quando está triste. “Andar atrás
de” quando está apaixonado. Chamar boda ao casamento e ao copo d’água função.
Anteceder os nomes dos filhos do pronome possessivo meu ou minha: o meu João, a
minha Ana. Da mulher dizer apenas “a minha”, ignorando-lhe o nome. Não ter trambelho
para os trabalhos domésticos. Enforcar-se quando se vê viúvo. São coisas de
alentejanos.
Ver cair a geada. Chamar charoco ao frio e
busaranho ao vento gelado. Dizer que está aspereza quando há temporal. Ao Sol
chamar “o astro”, como se fosse o único no céu. Ao calor chamar calma. Viver
com o Suão. Chamar às planuras descampados. Cerros aos outeiros. À floresta
arvoredo. Olhar o horizonte e saber ter vagar. Dizer: estou à
espera de me ir embora. Declarar com solenidade: devagar que tenho pressa.
Abalar no comboio da Cuba. A Lisboa chamar aldeia grande. Ter parentes na
Brandoa. São coisas de alentejanos.
Estar de roda do lume. Sentar no chão para
conversar. Parar no largo ao olhinho do sol. Ter sempre a navalhinha
petisqueira no bolso das calças. Condutar o pão, o vinho e a vida. Beber só em
companhia. Cantar quando os outros também cantam. À seca chamar desgraça.
Querer a barragem de Alqueva. São coisas de alentejanos.
Porque sim!
Pedro Ferro - Público, Outubro de
1995