Nestes tempos estranhos de pandemias
e guerra que sem qualquer aviso prévio se tornaram rotinas nas nossas vidas, todos
os dias somos postos à prova e temos de ter a capacidade de aceitar.
Seja o que for.
Mesmo o que nos fere e aflige.
Porém uma coisa é termos de
irremediavelmente aceitar o que vem, outra coisa muito diferente, é sermos
capazes de o entender.
E as perguntas, inquietas, surgem no nosso íntimo.
Porque aparecem subitamente e de
onde vêm tantas coisas ruins? Pandemias raras, doenças incuráveis, guerra,
atentados, refugiados, fome, sofrimento humano indescritível onde os mais
atingidos serão sempre os mais frágeis.
Porque tem de haver pessoas a
nadarem na abundância, num absoluto contraste com aquelas que nem nada têm?
Porque existe a corrupção, o
oportunismo, a deslealdade, a ganância humana?
Porque…
Porque…
Porque…
Aflige-me assistir ao declínio
irreversível do meu distrito, do meu concelho, da minha aldeia, porque nunca
imaginei vê-los sucumbirem primeiro que eu, sentir o silêncio ensurdecedor a
instalar-se por toda a parte, mercê das políticas seguidas – de progresso dizem
eles – de todos os governos nas últimas décadas.
Não posso – nem quero – fazer pela
minha aldeia muito mais do que já fiz, a começar por ter decidido há trinta anos voltar
definitivamente para cá.
E não só.
Infelizmente as pessoas têm a
memória muito curta, mas isso são outros quinhentos.
Percebo e assumo hoje que essa terá
sido seguramente a decisão mais errada que tomei na minha vida e quanta razão e
bom senso tinha na altura a minha companheira de vida que não queria para cá voltar.
Muitos Beiranenses tal como eu,
tiveram de partir para outros destinos em busca de sustento para si e para os
seus. E naturalmente por lá foram ficando, agarrados aos filhos e aos netos, mas
também ao conforto de terem ao pé da porta todas as condições e mais uma para desfrutarem
de uma vida com mais qualidade e conforto.
E obviamente nunca mais quiseram voltar
porque sabiam sem sombra de dúvida que aqui nunca teriam aquelas condições.
Por isso, para cá, apenas voltaram alguns –
muito poucos – sonhadores como eu, mais os velhos que nunca de cá saíram e que,
à medida que se foram finando, foram as suas casas ficando fechadas e desabitadas
umas atrás das outras.
Porque há pragas irreversíveis.
E a desertificação é uma delas,
principalmente porque a indiferença de quem governa e só se preocupa com o
bem-estar dos eleitores do litoral é mortífera como um cancro para o interior
do país.
Cancro.
Disse bem.
Maligno, agressivo, incurável.
Por isso e por muito mais, tudo o que poeticamente planeei, noutro tempo, para a minha reforma e velhice, que imaginava tranquila e feliz nesta
freguesia linda outrora tão cheia de gente boa, ficou sem efeito.
Vivo hoje um dia de cada vez sem
acreditar já em nada, sem esperar também muito mais do que aquilo que me rodeia
e irá ser cada vez pior.
Ao menos que a saúde não faltasse,
pois sem ela até mesmo a vigorosa fé que sempre foi a minha força, às vezes já
vai quebrando.
E eu desistindo, deixando cair os
braços.
Porque não há volta a dar…
Chegou definitivamente o tempo de acordar de um sonho que
durou a minha vida toda.
José Coelho