sábado, 3 de junho de 2023

A culpa é minha, tua, nossa...

Escrevo, dou a cara e assino sempre por baixo.

Vivo num país que frequentemente me envergonha. Digo-o por mim e só por mim. Estou-me nas tintas que pareça mal ou pareça bem seja a quem for. Quem não gostar, ponha no bordo do prato. Vivo num país a abarrotar de corruptos sem puta de vergonha na cara, paridos por todas as esferas da sociedade a começar do cimo onde pairam CEO's, Administradores, Doutores e Engenheiros, Políticos e Banqueiros, as altas individualidades dos cagadouros dourados. E vai descendo, nível após nível, até bater no fundo, onde campeiam os xicos-espertos pobretanas que nem sanita usam e cagam agachados atrás das moitas, mas sabem como se viverem sem esforço, roubando ou trafulhando em menor escala, ou traficando umas ganzas adulteradas. Só muda porém, a sua condição social, porque os valores e princípios de uns e dos outros, são exatamente os mesmos. 

Zero.

Vivo num país a quem dei o melhor de mim sem nunca pestanejar nem hesitar. Toda a minha vida. Paguei as minhas contas a tempo e horas, os meus impostos e obrigações, sem falhar uma só vez. E continuo a fazê-lo ainda que já sem a convicção de estar a colaborar para o bem-estar comum daqueles que me rodeiam e amo, assim como dos meus concidadãos em geral. O oportunismo descarado e a ganância que campeiam por todo o lado, por todo o sector público, privado, ou público-privado é de tal ordem revoltante que, se pudesse, não pagaria nem mais um cêntimo, porque sei à partida que os meus impostos vão ser usados para tapar buracos de milhões que nunca devi a ninguém, para pagar altos ordenados e comissões a CEOS e Administradores, Doutores e Engenheiros, Políticos e Banqueiros, enquanto o meu vizinho resolveu desligar a luz de presença da campainha da sua porta para poupar na energia eléctrica que ele tem de pagar dos trezentos e poucos euros da sua pensão de reforma.

Vivo num país em que os pensionistas idosos atacados de moléstias passam horas nas urgências como se fossem meros móveis a decorar as salas de espera, torcidos nas suas cadeiras de rodas já sem posição de estarem por tantas horas ali sentados, em que o mais simples exame tem de ser analisado nas secretarias gerais para posteriormente ser autorizado (ou não) pela respetiva administração, e quando é, fica marcado para dali a seis meses. E o pensionista que trabalhou e descontou durante a sua vida inteira, alguns mais de cinquenta anos, que se aguente com as dores durante os seis meses de espera. Ou que morra. Assim evita-se a despesa.

Vivo num país em que a minha companheira desde há quase cinquenta anos, deu uma aparatosa queda em casa de um dos filhos. Por levar as mãos ocupadas não pôde amortecer a queda e caiu desamparada sobre a esquina viva da tábua da estrutura do assento de um sofá. De tal ordem que não conseguiu levantar-se já sozinha. Atendida nas urgências do Hospital de S. Bernardo de Setúbal por um Senhor Doutor Ortopedista brincalhão, foi grosseiramente ridicularizada com o apelido de“ a vítima do sofá”. Se calhar o intuito seria fazer rir, para amenizar um pouco as carrancas dos outros utentes, saturados de esperar pela sua vez há horas. Submetida a um vulgar RX o diagnóstico do doutor humorista foi… 

- Não tem nada partido. Vá comprar um analgésico e espere que deixe de doer.

Mas não deixou de doer nunca mais. Consultas e mais consultas, diagnósticos e mais diagnósticos, três ecografias, mais uma radiografia e…
- Está tudo normal...
Mas as dores intensas nas costas, essas, continuavam lá. Até que, cansado e triste de observar esgares de dor e ouvir tanto queixume, decidimos consultar um ortopedista num hospital particular. Incrédulo quando lhe foi explicado o sucedido e a fita do tempo, mandou de imediato fazer uma TAC à zona dorida. 

E… Eureka! 

Em apenas quinze minutos, o diagnóstico. Duro e inequívoco. Fratura de 6 mm nas vértebras 1 e 2. Colocação imediata de uma cinta de retenção com reforço,  para imobilizar a coluna, medicação adequada e voltarmos dali a umas semanas para sabermos qual iria ser a próxima sentença.

Seis meses de dor, de consultas, de inúteis e inadequados exames, resolvidos em apenas quinze minutos com o pior dos diagnósticos, num exame que custou a monstruosa quantia de quinze euros e sessenta cêntimos.

Entretanto, todos os dias pelos corredores daquele hospital particular onde decidimos pedir socorro, circulam CEO's e Administradores, Doutores e Engenheiros, Políticos e Banqueiros, os quais, do alto da sua importância olham para nós como se fôssemos insetos.  Claro que a vida deles e a dos seus é muitíssimo mais valiosa do que a nossa, porque eles cagam em sanitas douradas e nós se preciso for cagamos até atrás duma moita. Entretanto, por aqueles dias, houve uma personalidade que por excesso de velocidade se estampou numa auto-estrada. Imediatamente foi accionado um helicóptero, duas ambulâncias e três equipas médicas em quatro hospitais da zona, mesmo depois de se ter verificado que a dita-cuja personalidade só se queixava de uma dorzinha num ombro, causada pelo cinto do bólide ou talvez pelo disparo do airbag.

É neste país em que irremediavelmente eu vivo. E não me irei embora para outro, porque não quero. Porque este é que é o meu. E nenhum país não tem culpa de ser habitado por oportunistas ou outros bandidos. 

Quem tem culpa, somos nós. Todos nós…

José Coelho
03 Jun 2023