Escrevo, dou a cara e assino sempre por baixo.
Vivo
num país que frequentemente me envergonha. Digo-o por mim e só por mim. Estou-me
nas tintas que pareça mal ou pareça bem seja a quem for. Quem não gostar, ponha no bordo do prato. Vivo num país a abarrotar de corruptos sem puta
de vergonha na cara, paridos por todas as esferas da sociedade a
começar do cimo onde pairam CEO's, Administradores, Doutores e Engenheiros,
Políticos e Banqueiros, as altas
individualidades dos cagadouros dourados. E vai descendo, nível após nível, até bater no
fundo, onde campeiam os xicos-espertos pobretanas que nem sanita usam e cagam agachados atrás das moitas, mas sabem como se viverem sem esforço, roubando ou trafulhando em menor escala, ou traficando umas ganzas adulteradas. Só muda porém, a sua condição social, porque os valores e princípios de uns e dos outros, são
exatamente os mesmos.
Zero.
Vivo
num país a quem dei o melhor de mim sem nunca pestanejar nem hesitar. Toda a
minha vida. Paguei as minhas contas a tempo e horas, os meus impostos e
obrigações, sem falhar uma só vez. E continuo a fazê-lo ainda que já sem a
convicção de estar a colaborar para o bem-estar comum daqueles que me rodeiam e
amo, assim como dos meus concidadãos em geral. O oportunismo descarado e a ganância que campeiam por todo o lado, por todo o sector público, privado, ou
público-privado é de tal ordem revoltante que, se pudesse, não pagaria nem mais
um cêntimo, porque sei à partida que os meus impostos vão ser usados para tapar
buracos de milhões que nunca devi a ninguém, para pagar altos ordenados e
comissões a CEOS e Administradores, Doutores e Engenheiros, Políticos e Banqueiros,
enquanto o meu vizinho resolveu desligar a luz de presença da campainha da sua porta para poupar na energia eléctrica que ele tem de pagar dos trezentos e poucos euros
da sua pensão de reforma.
Vivo
num país em que os pensionistas idosos atacados de moléstias passam horas nas urgências como se fossem meros móveis a decorar as salas de
espera, torcidos nas suas cadeiras de rodas já sem posição de estarem por tantas
horas ali sentados, em que o mais simples exame tem de ser analisado nas
secretarias gerais para posteriormente ser autorizado (ou não) pela respetiva administração, e quando é, fica marcado para dali a seis meses. E o pensionista que trabalhou e
descontou durante a sua vida inteira, alguns mais de cinquenta anos, que se
aguente com as dores durante os seis meses de espera. Ou que morra. Assim evita-se a despesa.
Vivo
num país em que a minha companheira desde há quase cinquenta anos, deu uma aparatosa queda
em casa de um dos filhos. Por levar as mãos ocupadas não pôde amortecer
a queda e caiu desamparada sobre a esquina viva da tábua da estrutura do assento de um sofá. De
tal ordem que não conseguiu levantar-se já sozinha. Atendida nas urgências do
Hospital de S. Bernardo de Setúbal por um Senhor Doutor Ortopedista brincalhão, foi grosseiramente ridicularizada com o apelido de“ a vítima do sofá”. Se calhar o intuito seria fazer
rir, para amenizar um pouco as carrancas dos outros utentes, saturados de esperar
pela sua vez há horas. Submetida a um vulgar RX o diagnóstico do doutor humorista foi…
- Não tem nada partido. Vá comprar um analgésico e espere que
deixe de doer.
Mas
não deixou de doer nunca mais. Consultas e mais consultas, diagnósticos e mais
diagnósticos, três ecografias, mais uma radiografia e…
- Está tudo normal...
Mas as
dores intensas nas costas, essas, continuavam lá. Até que, cansado e triste de observar esgares de dor e
ouvir tanto queixume, decidimos consultar um ortopedista num hospital
particular. Incrédulo quando lhe foi explicado o sucedido e a fita do tempo, mandou de imediato
fazer uma TAC à zona dorida.
E… Eureka!
Em apenas quinze minutos, o diagnóstico.
Duro e inequívoco. Fratura de 6 mm nas vértebras 1 e 2. Colocação imediata
de uma cinta de retenção com reforço, para imobilizar a coluna, medicação adequada e voltarmos dali a umas semanas para sabermos qual iria ser a próxima sentença.
Seis
meses de dor, de consultas, de inúteis e inadequados exames, resolvidos em
apenas quinze minutos com o pior dos diagnósticos, num exame que custou a
monstruosa quantia de quinze euros e sessenta cêntimos.
Entretanto, todos os dias pelos corredores daquele hospital particular onde decidimos pedir socorro, circulam CEO's e Administradores, Doutores e Engenheiros, Políticos e Banqueiros, os quais, do alto da sua importância olham para nós como se fôssemos insetos. Claro que a vida deles e a dos seus é muitíssimo mais
valiosa do que a nossa, porque eles cagam em sanitas douradas e nós se preciso for cagamos até atrás duma moita. Entretanto, por aqueles dias, houve uma personalidade que por excesso de
velocidade se estampou numa auto-estrada. Imediatamente foi accionado um
helicóptero, duas ambulâncias e três equipas médicas em quatro hospitais da zona, mesmo depois de se ter verificado que a dita-cuja personalidade só se queixava de uma dorzinha num ombro, causada pelo cinto do bólide ou talvez pelo disparo do airbag.
É neste país em que irremediavelmente eu vivo. E não me irei embora para outro,
porque não quero. Porque este é que é o meu. E nenhum país não tem culpa de ser habitado por oportunistas ou outros bandidos.
Quem tem culpa, somos nós. Todos
nós…
José
Coelho
03 Jun 2023