Foto José Coelho - 20. 06. 2023
No
silêncio e tranquilidade da minha casa, rua e aldeia só o canto da passarada que habita pelas árvores das redondezas, quebram o habitual sossego. As primeiras horas de cada manhã são por mim quase diariamente dedicadas à
leitura de alguns jornais diários em suporte digital para “espreitar” o mundo, e, de
vez em quando, escrever alguma coisa como estou a fazê-lo neste preciso momento, para o “Meu vício da escrita” ou redes
sociais.
Por companhia, apenas a brisa já meio morna deste início de verão que se filtra pelas venezianas
das janelas em direção às outras divisões da casa para se transformar numa suave corrente de ar que refresca o rés-do-chão de forma natural bem melhor do que muitos ares condicionados, na suave penumbra em que a dona da casa se empenha em a manter, como boa alentejana que é.
De
vez em quando uma voltinha ao quintal a ver como vai o crescimento dos novos limões no limoeiro, ou o das laranjas na laranjeira, ou o dos cachos na
latada, mudar a água dos baldes onde a
passarada bebe e trocá-la por água fresca, regar os trinta pés de couve galega já plantados para o outono, a
salsa, as dálias e as roseiras dos vasos, e pronto! Está feita a manhã. Segue-se o almoço com a minha companheira, depois escriturar
algumas coisas da contabilidade relativa aos compromissos a favor da comunidade
que assumo há vários anos e assim se passam as horas até ao cair da tarde.
Quando
me lembro o quanto aspirei pela reforma, quantas vezes pensei se algum dia lá
chegaria e as mil e uma coisas que iria fazer, estava tão, mas tão equivocado. O tempo é sem dúvida o melhor mestre.
Quando somos crianças ansiamos ser adultos. Quando somos adultos queremos ser maduros e quando atingimos a maturidade queremos voltar às nossas raízes,
começamos a planear como vai ser bom ter o tempo todo só para nós e longe de
todas as preocupações.
Puro engano. Quando alcancei o sonho, fartei-me dele
em três tempos. Os primeiros meses, foram, de facto, de puro deleite. Deitava-me à
hora que me apetecia sem preocupações para o dia seguinte, levantava-me quando
me dava na real gana sem olhar sequer para o exigente relógio que durante décadas me gritava
às sete da manhã:
- Levanta-te Zé…
Assim que tomava o pequeno almoço ia a correr para o quintal onde nenhuma erva tinha sequer
autorização de assomar à face da terra, quanto mais de crescer, porque eu andava quase de
binóculos a vigiá-las para as arrancar no momento seguinte. Depressa
percebi o ridículo do meu comportamento, porque ninguém pode impedir a erva de nascer ou os maios de florir. E aos poucos os malvados dias passaram a ser
enormes e enfadonhos. Raios partam a reforma - resmungava de mim para mim. Quem dera ter me levantar de novo cada manhã para ir trabalhar!
Vá lá a gente entender.
Nunca estamos satisfeitos com aquilo que temos.
Verdade mesmo...
No entardecer dos meus dias vejo-me assim rodeado apenas pelo silêncio
em que tudo à minha volta se transformou. Nem um grito de gaiato, nem uma mãe a
chamar "Ó Zéééiii" nem um apito de comboio nos agora inúteis carris
estendidos por quilómetros desde a Beirã até à Torre das Vargens ou a Valência de Alcântara. Bolas! Como pode
o mundo dar estas cambalhotas tão grandes que só faltou mesmo virar-se o norte para o
sul ou o nascente para o poente?
Recebi
dos meus pais e avós um mundo que não era de todo perfeito, mas sinto que vou
deixar para os meus filhos e netas outro mundo bem mais complicado e perigoso. Quando
era "pequeno" eu sabia o que me esperava quando fosse "grande". Estava escrito nas estrelas. Trabalhar, trabalhar,
trabalhar. No que quisesse. Padeiro ou sapateiro, cavador ou pastor, pedreiro
ou carpinteiro, ferroviário ou carteiro…
Mas o que foi feito de todos esses ofícios?
O que dizem hoje as estrelas aos nossos vindouros ou para que querem eles tantos cursos superiores se ao terminá-los ficam com o canudo debaixo do braço e têm de ir trabalhar para o que mais depressa lhes aparece, se aparece? Os sinais são cada dia mais inquietantes, pressinto por isso que o que espera as futuras gerações seja bem diverso daquilo que me esperava a mim ao nascer.
E pela lógica, não deveria ser assim.
Sei, tenho plena consciência de que alcancei todos os meus objetivos sem ajudas de ninguém,
guiado apenas pelo meu querer e à custa de muito trabalho. No mundo atual só consegue alguma coisa quem tiver ajudas e
padrinhos, só consegue singrar quem tiver quem lhe dê a mão e o puxe para cima, seja a
que preço for.
Boa semana!
José Coelho