Sei
hoje melhor do que nunca, depois da tremenda crise Covid19, quanto devo a quem
me criou. Tudo o que o que me foi transmitido pelos meus pais na sua simplicidade,
no seu dia a dia, na grandeza dos seus corações que lhes permitia viverem em
paz apenas com o que podiam ter sem invejarem quem tinha mais e melhor do que
eles.
E também passaram muitos maus bocados.
Duas guerras mundiais que devastaram a humanidade espalhando miséria por toda a parte e uma guerra civil mesmo aqui ao nosso lado, para além da pandémica “gripe espanhola”.
E sobreviveram.
Para mim mais assustador que a Covid19 foi o egoísmo atroz que se apoderou de muita gente. Corridas desenfreadas aos supermercados para açambarcar tudo quanto vinha à mão sem qualquer critério de prioridades como se o problema fosse a falta de alimentos em vez de um vírus que infetava e matava ricos e pobres, velhos e novos, sem distinção.
Vi, pessoalmente, numa superfície comercial, um cliente encomendar no talho cinquenta bifanas, cinquenta costeletas, cinquenta pernas de frango, seguindo-se uma volta pelas prateleiras adjacentes cinquenta latas de atum, cinquenta pacotes de leite, arroz e massas, cinquenta rolos de papel higiénico, até uma caixa inteira de frascos de álcool.
Três carrinhos a abarrotar de mercadoria e… setecentos euros a pagar na caixa registadora.
Para mim já tenho, os outros que se desenrasquem!
Atitudes assim só revelam a ausência de respeito pelo próximo e que existem pessoas que apenas sabem olhar para o seu próprio umbigo estando-se nas tintas para as mais elementares regras de civismo em comunidade.
Pior que qualquer vírus mortal é constatar que estamos rodeados de pessoas que não valem um chavo enquanto seres humanos e se comportam pior que os javalis nos matos, porque esses, só mesmo a fome os faz predadores.
Jamais havia imaginado quão rude, primitiva e sem caráter pode ser a índole humana e dou graças por ter sido educado a nunca me comportar assim.
Mantivemo-nos em casa eu e a minha companheira, obviamente preocupados com toda a nossa família, inquietos com o caos nas urgências dos maiores hospitais do país, mas cientes de que não nos faltaria o suficiente para sobrevivermos sem passar fome e sem qualquer necessidade de armazenar produtos que poderiam fazer falta na despensa ou na cozinha de outras pessoas.
Pensar nos outros não é apenas um dever, é uma obrigação. É praticar a cidadania e a consideração pelo nosso próximo. É em momentos de crise coletiva como foi a Covid19 que vem à tona o melhor de muitas pessoas, mas também, infelizmente, o pior de muitas outras.
Presunção e água benta cada um toma a que quer e a carapuça só serve a quem a enfiar. Contudo, o mais relevante em tão grave situação, foi constatar-se que quanto mais humildes aparentavam ser as pessoas, mais evidente aparentava também ser a sua integridade de carácter e a generosidade do seu coração.
Como se não fosse já suficientemente mau o que estava a acontecer à nossa volta, assistimos ainda a outros atos de censurável egoísmo amplamente difundidos nos meios de comunicação social que denunciaram países ricos e supostamente amigos, a “desviarem” do seu percurso meios indispensáveis para salvar vidas em países mais pobres a braços com a falta desses meios que sorrateiramente eram desviados pelo poder do dinheiro.
Nem as leis naturais da selva são tão desumanas e ultrajantes.
Foi o salve-se quem puder, o espelho de uma geração que irremediavelmente vai perdendo os mais elementares valores e princípios herdados daquelas que nos antecederam. Aparentemente essa crise foi controlada. Contudo e apesar da minha modesta formação académica, não tenho grandes dúvidas que outras virão...
José Coelho
Foto publicada no DN em 16.01.2021