Gaspacho
Açorda
Batatas de salada
O gaspacho e a açorda são irmãos, mas um é confecionado com água fresca e a outra com água a ferver. O gaspacho leva pão cortado em cubos, alho e poejo pisados com sal, vinagre e legumes frescos da horta - tomate, pimento verde, cebola e pepino, além do azeite. Normalmente acompanha-se com azeitonas de salmoura curtidas no pote de barro. Já a sua irmã açorda tem por temperos o azeite, um ramo de poejos ou de coentros pisados com alho e sal, pão cortado em cubos e água a ferver onde se escalfa sempre um ovo por cada comensal para a tornar mais nutritiva.
As "batatas de salada" são apenas primas-irmãs das outras duas iguarias porque em vez de pão cortado em cubos são feitas com batatas cozidas inteiras com a pele em água e sal que depois de cozidas serão peladas e cortadas às rodelas, adicionando-se-lhes tomate, pimento e cebola em pedacinhos, mais umas folhas de alface finamente migadas. Em parceria com o gaspacho é comida de verão e têm em comum a adição de vinagre para além do azeite e a água fresca que dantes se ia buscar às fontes, noras ou poços existentes um pouco por toda a parte, mas que hoje vamos comodamente buscar ao frigorífico. Há até quem goste de juntar alguns cubos de gelo. Eu não gosto de o fazer porque a água gelada em demasia faz coalhar o azeite e fica desagradável.
Foram estas três humildes comidas inventadas pelos camponeses do Alentejo que pouco mais tinham por onde escolher, mas tinham de sobreviver. Com o possível. Pão, água, ervas aromáticas, um toque de azeite e vinagre. Estou ainda convicto que a principal finalidade do gaspacho e das batatas de salada para além de saciarem a fome, seria também a de refrescarem os corpos suados, ajudando na sua agradável frescura a combater a canícula que se fazia sentir no meio das searas onde se ceifava o pão, pelas tapadas onde o mato era limpo à força de braços com enxadões na preparação das terras para as sementeiras do outono seguinte, ou pelos prados onde se gadanhava feno para encher os palheiros com as forragens dos gados para o inverno. Não havia máquinas para coisa nenhuma e as mil e uma tarefas agrícolas eram feitas por ganhões ou jornaleiros a par das mulheres sachadeiras, ceifeiras e mondadeiras, por conta dos senhores das terras.
Em Espanha, aqui mesmo ao lado, todos os ingredientes do gaspacho são depois triturados e fica apenas uma caldeta meio espessa que pode até beber-se a copo. Mas no Alentejo fica tudo inteiro e sólido para abastecer o estômago porque para os alentejanos é um almoço e não um refresco gourmet. Por seu lado a açorda é uma comida muito mais aconchegante para os frios do inverno, pese embora seja atualmente servida também no verão nas festas e romarias porque parece ter virado moda aquilo que foi criado pela mais absoluta necessidade de sobrevivência dos nossos antepassados.
Cá em casa esses "comeres" são sempre confecionados e servidos com a devoção e o respeito que lhes é devido. Talvez com mais devoção e respeito do que um arroz de marisco ou um belo bife do lombo. Porque eu não esqueci, não esqueço nem vou nunca querer esquecer a minha humilde origem. Pelo contrário. Ela é... O meu mais valioso e respeitado património.
José Coelho
(Texto e fotos)