quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Um Beiranense que nunca se rende

Créditos de imagem: Freguesia Beirã

Comecei “nestas andanças” com cinco anos de idade. Estávamos em finais dos anos 50 e ia ser levado à cena na Sociedade Recreativa Beiranense um espectáculo de variedades em que os “artistas” iam ser os miúdos da catequese. Como eu ainda não andava na escola, obviamente não andava na catequese e por isso não fui “contactado” para fazer parte do “elenco”. Pois! Só que o "Caçapinho" – era assim que me chamavam por ser filho do ti Coelho – não se conformou com a rejeição do seu talento e logo no primeiro dia de ensaios fugiu à mestra e apresentou-se lá. 

Dito e feito.

A “mestra” era naquele tempo um género de infantário onde os nossos pais nos iam deixar manhã cedo antes de irem trabalhar e nos iam buscar à tardinha depois do trabalho. Uma bondosa senhora tomava conta de um rancho de gaiatos todo o dia a troco de certa mensalidade. Mas eu consegui escapulir-me. Com tanta sorte que os “encenadores” acharam graça à minha pequena figura e quiseram experimentar se eu seria capaz de cantar uma cantiga beira-baixense com outra petiza do meu tamanho.

E fomos capazes os dois. Olá se fomos…

Começava eu:

Maria da Conxeixão/ Oh que palavra tão dôxe /Dava-te o meu coraxão/ Xe o teu amor leal fôxe

E ela respondia:

À beira do rio náxem/ Violeta’jáo comprido/ Já me viéron dijêre/ Que q’rias cajar comigo

Etc, etc, etc… que a cantoria era engraçada, mas grande.

Foi tiro e queda, contrato assinado na hora!

O pior foi a tia Vicência – bondosa e querida mestra – que não achou graça nenhuma à minha ousadia… Mas isso agora não interessa nada… O que importa é situar a minha “estreia” como cantor nos cinco anos de idade que não é para qualquer um!  

Como pode assim concluir-se,  vem de longe a veia artística!

Depois, bem mais tarde, veio a estreia como autor.

E porquê?

Eu era “festeiro” ou seja, fazia parte da Comissão de Festas desse ano. E precisávamos arranjar dinheiro para trazermos alguns artistas e conjuntos musicais para animar as noites da festa. E quisemos fazer um teatro com a malta jovem da comissão de festas para angariar esses fundos. Escolhemos então o Auto do Curandeiro, de António Aleixo, não sem antes consultarmos a Delegação da Sociedade Portuguesa de Autores em Portalegre para podermos levar à cena aquilo que queríamos.

E... 10.000$00 informou a SPA que seria a taxa a pagar pelos direitos de autor. 

Dez contos! Vai lá vai…

Rejeitado tão dispendioso projeto, meti eu mãos à tarefa de tentar escrever algo em substituição daquilo que tínhamos pensado ensaiar. Foi assim que nasceu o drama “Coisas que acontecem". E, com a imprescindível ajuda de uma senhora maravilhosa que nos ensinou e ensaiou canções antigas e danças folclóricas regionais, nasceu uma memorável noite de teatro e variedades que caiu de tal maneira no goto da gente da aldeia e tivemos que repetir, repetir, repetir.

Consequentemente, os lucros a favor da festa, triplicaram também.

Alguns anos depois, mercê das políticas da integração de Portugal na União Europeia, a fronteira deixou de existir, o caminho de ferro deixou de ser necessário e encerrou, as pessoas que trabalhavam nessas áreas tiveram que buscar outros rumos. Obviamente, a aldeia começou a definhar. Casas vazias em todas as ruas também por isso desertas, ficámos meia dúzia de carolas residentes a lutar para que isto não morra tudo. 

E por não haver rigorosamente mais ninguém que o queira fazer, senti-me no dever de assumir o papel de orientador do coro da paróquia para, fazendo uso do pouco que sei, animar, mas sobretudo dignificar as celebrações religiosas do ano inteiro. Não é fácil porque somos cada vez menos. Mas eu sou lá capaz de desistir seja do que for, enquanto puder? Eis porque apareço por aí à frente dessas coisas em algumas fotos que se publicam nas redes sociais.

Sem ser cantor, maestro, ou coisa alguma. Sou apenas um Beiranense que nunca se rende.

José Coelho