Apressados em viver a vida para alcançar o que ambicionamos, descuramos muitas vezes o valor intrínseco dos afetos ainda que sem má intenção, remetendo para segundo lugar aquilo que temos mais sagrado: A Família. Quiçá até alguns Amigos verdadeiros. Depois a vida passa, as metas nem foram tão importantes como imaginávamos e quantas vezes não terão sequer sido alcançadas.
Entretanto a Família vai
diminuindo porque a vida no seu imparável percurso vai-se extinguindo e vai
levando aqueles para quem o tempo termina.
E, como no inevitável acordar de qualquer sonho, chega o momento – quase sempre tarde demais – em que começamos a dar-nos conta que a nossa existência também já vai de vencida. Inutilmente olhamos para trás em busca dos que amávamos e já não temos, pois andámos tão ocupados que nem percebemos serem eles o bem mais valioso e importante que possuíamos.
Porém nada mais há a fazer porque
não é possível regredir no tempo, restaurar afetos, recuperar, enfim, tudo aquilo
que não soubemos avaliar e desfrutar no tempo certo.
Envelhecemos sem quase nos
apercebermos e só quando uma dor numa articulação começa a ser frequente, o
coração começa a trabalhar irregularmente, a necessidade de consultar o médico
deixa de ser pontual e passa a ser recorrente, percebemos que estamos a atingir
o ponto de não retorno.
E aí sim damos conta que a nossa
vida também é finita, que as coisas menos boas não acontecem só aos outros, que
é tempo de tentar ainda e se possível, viver.
Não sou, nem quereria ser,
exceção. Este desabafo na forma escrita mais não é também do que um assumir de responsabilidade. Vivi intensamente a vida olhando sempre mais para a frente do que para o
lado ou para trás, apesar de não ter sido, de todo, nada fácil. Infância
humilde onde faltou quase tudo menos o amor familiar, adolescência precoce
que aos onze anos me pôs a trabalhar em vez de continuar a estudar como tanto
gostaria de ter podido.
Inspeção militar
aos dezassete anos, assentar praça aos dezoito, mobilizado para a guerra
aos dezanove, mineiro aos vinte e dois, casado aos vinte e quatro e GNR aos vinte e seis, numa incessante procura por um lugar ao sol onde sempre e
só pretendi alcançar o meu ganha-pão para constituir família e dela cuidar.
Numa luta constante contra ventos
por vezes bastante agrestes, tentei sempre não descurar o tal lado sagrado onde
sempre estiveram e me apoiaram todos os que amava, amo e amarei
incondicionalmente enquanto viver. Olhando hoje para trás nem sempre consigo
evitar a imensa nostalgia que tantas vezes me invade, mas conhecendo-me como me
conheço sei que se voltasse a nascer faria tudo de novo exatamente como fiz
até hoje.
Apesar das incontáveis dificuldades tenho muito mais para agradecer do que para pedir à Vida que sempre me deu
saúde, força anímica e a coragem suficiente para vencer todos os desafios e conseguir
alcançar metas a que me propus, por mais inalcançáveis que muitas vezes
aparentassem ser.
Para terminar resta-me por hoje escrever
que de todas as bênçãos que recebi, a que mais adorei e agradeço a Deus, foi o
enorme privilégio de ter comigo os meus pais e avó materna nos seus últimos
anos de vida para poder olhar por eles e retribuir-lhes todo o amor e carinho que
sem conta peso e medida eles nos dedicaram toda a sua vida. Por isso de consciência
e coração tranquilos, vou caminhando em paz sem pressa e sem medo, até ao dia
em que o meu tempo se acabe também e possa finalmente ir ter com eles.
José Coelho