terça-feira, 24 de setembro de 2024

Uma imensa nostalgia

Foto Cardinho Ramos - Castelo de Vide 1962

 

Apressados em viver a vida para alcançar o que ambicionamos, descuramos muitas vezes o valor intrínseco dos afetos ainda que sem má intenção, remetendo para segundo lugar aquilo que temos mais sagrado: A Família. Quiçá até alguns Amigos verdadeiros. Depois a vida passa, as metas nem foram tão importantes como imaginávamos e quantas vezes não terão sequer sido alcançadas.

Entretanto a Família vai diminuindo porque a vida no seu imparável percurso vai-se extinguindo e vai levando aqueles para quem o tempo termina.

E, como no inevitável acordar de qualquer sonho, chega o momento – quase sempre tarde demais – em que começamos a dar-nos conta que a nossa existência também já vai de vencida. Inutilmente olhamos para trás em busca dos que amávamos e já não temos, pois andámos tão ocupados que nem percebemos serem eles o bem mais valioso e importante que possuíamos.

Porém nada mais há a fazer porque não é possível regredir no tempo, restaurar afetos, recuperar, enfim, tudo aquilo que não soubemos avaliar e desfrutar no tempo certo.

Envelhecemos sem quase nos apercebermos e só quando uma dor numa articulação começa a ser frequente, o coração começa a trabalhar irregularmente, a necessidade de consultar o médico deixa de ser pontual e passa a ser recorrente, percebemos que estamos a atingir o ponto de não retorno.

E aí sim damos conta que a nossa vida também é finita, que as coisas menos boas não acontecem só aos outros, que é tempo de tentar ainda e se possível, viver.

Não sou, nem quereria ser, exceção. Este desabafo na forma escrita mais não é também do que um assumir de responsabilidade. Vivi intensamente a vida olhando sempre mais para a frente do que para o lado ou para trás, apesar de não ter sido, de todo, nada fácil. Infância humilde onde faltou quase tudo menos o amor familiar, adolescência precoce que aos onze anos me pôs a trabalhar em vez de continuar a estudar como tanto gostaria de ter podido.

Inspeção militar aos dezassete anos, assentar praça aos dezoito, mobilizado para a guerra aos dezanove, mineiro aos vinte e dois, casado aos vinte e quatro e GNR aos vinte e seis, numa incessante procura por um lugar ao sol onde sempre e só pretendi alcançar o meu ganha-pão para constituir família e dela cuidar.

Numa luta constante contra ventos por vezes bastante agrestes, tentei sempre não descurar o tal lado sagrado onde sempre estiveram e me apoiaram todos os que amava, amo e amarei incondicionalmente enquanto viver. Olhando hoje para trás nem sempre consigo evitar a imensa nostalgia que tantas vezes me invade, mas conhecendo-me como me conheço sei que se voltasse a nascer faria tudo de novo exatamente como fiz até hoje.

Apesar das incontáveis dificuldades tenho muito mais para agradecer do que para pedir à Vida que sempre me deu saúde, força anímica e a coragem suficiente para vencer todos os desafios e conseguir alcançar metas a que me propus, por mais inalcançáveis que muitas vezes aparentassem ser.

Para terminar resta-me por hoje escrever que de todas as bênçãos que recebi, a que mais adorei e agradeço a Deus, foi o enorme privilégio de ter comigo os meus pais e avó materna nos seus últimos anos de vida para poder olhar por eles e retribuir-lhes todo o amor e carinho que sem conta peso e medida eles nos dedicaram toda a sua vida. Por isso de consciência e coração tranquilos, vou caminhando em paz sem pressa e sem medo, até ao dia em que o meu tempo se acabe também e possa finalmente ir ter com eles.

José Coelho