terça-feira, 9 de julho de 2019

Nem sempre se consegue...

Foto - Pedro Coelho

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Não tem sido fácil esquecer o sofrimento por que te vi passar nos últimos meses da tua vida, Mãe. Tenho no entanto plena consciência que tudo quanto humanamente esteve ao meu alcance e me foi possível fazer, fiz, para tentar ajudar-te e minimizar o teu desconforto. Sofri contigo cada segundo como nem imaginas. Doía-me profundamente assistir impotente à tua agonia dolorosa, lenta e irreversível, mas o teu coração tinha tanto de doce como de resistente e não se rendeu facilmente como tu também nunca te rendeste às tempestades e rudezas da vida. Que não foram poucas.

A ti devo tudo o que sou, Mãe. Na humildade do teu analfabetismo eras melhor professora do que muita gente licenciada que conheço. Os livros de onde nos ensinavas eram os exemplos diários e permanentes que nos transmitias repletos de conteúdo em vez de letras. Dona e senhora de enormes virtudes, o asseio e a arrumação eram a tua mais forte característica. Foste sempre de um brio excepcional como dona de casa, esposa e mãe. Trabalhaste continuamente durante toda a tua vida ajudando tudo e todos, e foste, inequivocamente, o pilar fundamental da nossa família. Eras também promotora e praticante da mais absoluta honradez e seriedade. Mereceste sempre, por tudo isso, a amizade o respeito e o carinho de toda a gente que te conheceu. 

Todos os dias me lembro de ti, Mãe. E sinto tanto a tua falta. A minha vida nunca mais foi a mesma desde o dia 28 de julho de 2014. Não por ter sido surpresa pois era um fim anunciado há tempo suficiente para estarmos preparados. Mas não foi bem assim. Percebi nesse dia que nunca estamos e nunca estaremos preparados para perder quem nos trouxe ao mundo. E se de verdade me doeu muito a partida do meu pai e teu companheiro de quase toda a tua vida, porque me doeu terrivelmente sim, mais verdade é que a tua partida me doeu infinitamente mais. Ele também perdeu a mãe dele e minha avó Adelina e por isso sei que, onde quer que esteja, o ti António Coelho me entende.

Se antes ia regularmente ao cemitério, agora que devia ir mais, vou menos. Ainda não consegui fazer o luto de ti por completo e fiquei demasiado perturbado as poucas vezes que lá fui. E tu sabes que eu não sou de grandes pieguices. Mas fui sempre muito agarrado a ti, Mãe. E tu a mim também. Amávamo-nos infinitamente um ao outro. O momento mais angustiante da minha vida ocorreu na casa mortuária poucas horas depois de teres partido. A família tinha ido não sei onde fazer não sei o quê e ficámos sozinhos os dois embora a sala estivesse repleta de gente vizinha e tua amiga que quis estar ali a acompanhar-te.

Foi nesse instante que um pranto profundo e incontível brotou finalmente da minha alma meio estupidificada desde as três horas da tarde quando deste o teu último suspiro agarrada à minha mão e à mão da mana Joaquina. Acho que só nesse instante me dei finalmente conta que te tinha perdido para sempre. E desatei a chorar possuído por uma dor inexplicável durante muito tempo sem conseguir e sem querer conseguir conter-me. Apenas me lembro de a vizinha Joaquina se ter levantado da sua cadeira para vir confortar-me dizendo baixinho “pronto, pronto, não chores já mais Zé Manel, a tua mãe deixou de sofrer e está agora em paz”.

Foi tão duro, Mãe.

Cá em casa o teu quarto mantém-se como quando tu o habitavas. E os “santinhos” e demais “coisinhas” que eram tuas continuam na cómoda do quarto algumas, na estante do meu escritório outras a fazerem-me companhia. Até os rebuçados de café que me davas continuam guardados no pequeno pote de vidro ao lado das tuas outras coisas porque ainda não consegui deitá-los fora pese embora cinco anos depois já não se devam poder comer. É, acho eu, uma forma de te manter ainda perto de mim.

Um dia irei conseguir diluir um pouco mais este gigantesco sentimento de perda. Será talvez apenas uma questão de mais algum tempo. Mas por enquanto ainda não consegui. Nada na minha vida voltou a ser como era. Até um dia, Mãe. Voltaremos a estar juntos. E dessa vez será para sempre...

José Coelho in Carta para a minha Mãe
09jul’19 – Republicado com alguns acertos