Créditos de imagem - Freguesia Beirã
Por
ter visualizado algumas imagens publicadas numa rede
social onde apareço, interpelou-me, no seu habitual tom
bem disposto, a minha comadre do norte:
- Zé! Mas afinal tu és maestro ou cantor?
E
eu respondi, também com intencional humor:
-
Dois em um!
Tal
não é bem assim, comadre. Não sou dois em um coisíssima nenhuma, muito menos em
termos musicais porque em boa verdade não sei ler uma pauta nem conheço uma só
nota musical. Mas também é verdade que, quase desde o berço, ando metido em andanças
destas. Às vezes de cantor, às vezes de maestro, e até já, vê só, de autor. Mas sem
canudo, sem direito a ser tratado por doutor como agora se usa tanto assim
que qualquer jovem termina a sua licenciatura. Doutor pra cá, doutor pra lá! E tão orgulhosa fica a família ou os vizinhos, como ficam os "doutorados".
Não,
não estou a armar-me aos cucos, nem a querer usurpar categorias que nunca
alcancei por falta das competentes e indispensáveis habilitações académicas. Estou
só a levar a coisa para a paródia com a minha comadre a quem estimo muito há
muitos anos para lhe provar que continuamos a ser capazes de rir como antes,
que o passar das décadas nos levou muitas coisas menos a nossa habitual boa
disposição.
E passo a explicar melhor:
Comecei
“nestas andanças” aos cinco anos de idade. Estávamos nos finais dos anos 50. Ia
ser levado à cena, na Sociedade Recreativa Beiranense, um espectáculo de
variedades em que os “artistas” iam ser os miúdos da catequese. Como eu ainda
não andava na escola, obviamente não andava na catequese e por isso não fui “contratado”
para fazer parte do “elenco artístico”. Pois! Só que o "Caçapinho" – era assim
que me chamavam por ser filho do tio Coelho – não se conformou com a rejeição ao seu talento e logo no primeiro dia de ensaios fugiu à mestra e apresentou-se
lá.
Dito e feito…
A
“mestra” era naquele tempo um género de infantário onde os nossos pais nos iam
deixar manhã cedo antes de irem trabalhar e nos iam buscar à tardinha depois do
trabalho. Uma senhora tomava conta de um rancho de gaiatos todo o dia a troco
de certa quantia mensal. Mas eu consegui escapulir-me. Com tanta sorte que os “encenadores”
acharam graça à minha pequena figura e quiseram experimentar se eu seria capaz de
cantar uma cantiga com outra petiza do meu tamanho. E fomos capazes os dois.
Maria da Conxeixão
Oh que palavra tão doxe
Dava-te o meu coraxão
Xe o teu
amor leal foxe…
Foi
tiro e queda, contrato assinado logo na hora! O pior foi a tia Vicência – a bondosa
e querida mestra – que não achou graça nenhuma à minha ousadia e… Mas isso
agora não interessa nada… O que importa é situar a minha “estreia” como “cantor”. Aos cinco anos de idade, não é para qualquer um hein? Ah pois não, comadre Adriana!
Já vês que vem de longe a veia artística!
Depois,
bem mais tarde, veio a estreia como “autor”. E porquê? Porque eu era “festeiro”, ou
seja, fazia parte da Comissão de Festas nesse ano. E precisávamos arranjar
dinheiro para trazermos artistas e conjuntos musicais para animar as noites da
festa. E quisemos fazer um teatro com a “malta” jovem da comissão de festas
para angariar fundos. Então escolhemos mas consultámos primeiro a Sociedade Portuguesa de
Autores para podermos levar à cena aquilo que queríamos. E... 10.000$00 nos informou a SPA que seria a taxa a pagar.
Dez contos! Vai lá vai…
Rejeitado tão dispendioso projecto, meti mãos à tarefa de tentar escrever algo em substituição daquilo que
tínhamos pensado ensaiar. Foi assim que nasceu o "drama" “Coisas que acontecem". Então, com
a imprescindível ajuda de uma senhora maravilhosa que nos ensinou canções antigas
e danças folclóricas regionais, nasceu uma memorável noite de teatro e variedades que caiu no goto da gente da aldeia e tivemos que repetir, repetir, repetir. Consequentemente, os lucros a favor da festa, triplicaram também.
Alguns anos depois,
mercê das políticas da integração de Portugal na União Europeia, a fronteira
deixou de existir, o caminho de ferro deixou de ser necessário também e
encerrou, as pessoas que trabalhavam nessas áreas tiveram que buscar outros
rumos. Obviamente, a aldeia começou a definhar. Casas vazias em todas as ruas
também por isso desertas, ficámos meia dúzia de “carolas”residentes a lutar para
que “isto”não morra tudo. Assim, por não
haver rigorosamente mais ninguém que o queira fazer, senti-me no dever de assumir o papel
de “maestro” no coro da paróquia para, fazendo uso do pouco que sei, animar, e, sobretudo, dignificar, as celebrações religiosas do ano inteiro.
Não é fácil porque somos cada vez menos. Mas eu sou lá capaz de desistir seja do
que for, enquanto puder? Eis porque apareço por aí à frente dessas coisas em algumas fotos que se publicam nas redes sociais, comadre Adriana. Não sou cantor, não sou autor,
não sou maestro coisa nenhuma. Sou apenas um Beiranense que não se
rende…
José
Coelho
22jul’19