Encostado à parede do forno, um dos baldes com água para a passarada
Deabulam pelo quintal sem cerimónia e comiam até a meias com a nossa Suri, a rafeira alentejana que já se finou, servindo-se do granulado que ela comia, escolhendo aquele que melhor ou mais mal conseguiam levar no bico e iam depenicá-lo para os ramos das árvores mais próximas.
Era interessante ver como nos vigiavam à sucapa e sempre a postos à hora das refeições da cadela, estrategicamente empoleiradas entre as folhas da figueira ao lado do canil. E assim que nós voltávamos costas esvoaçavam discretamente para a cerca em frente do mesmo e dali lá para dentro, para partilharem as refeições para as quais não eram convidadas.
Garganeiras agarravam-se às vezes a granulado maior do que o alcance do seu bico e não raro a vizinha Joaquina Brites a dizer-me que lhe aparecia granulado da Suri espalhado pelo seu quintal vinte metros acima do nosso. Eram elas ao voarem para as árvores do outro lado da parede que o deixam cair por não conseguirem segurá-lo.
Quem são estas personagens? Um bando de lindíssimas e melodiosas rolas turcas vindas não sei de onde - há quem diga que foi o Parque Natural da Serra de S. Mamede que o repovoou desta resiliente espécie - e se instalaram nos arredores da nossa casa há mais de duas décadas não sei se como moradoras, se como hóspedes, ou apenas como vizinhas permanentes, porque nunca mais daqui arredaram pé, nem de verão nem de inverno.
Despertador certo e seguro assim que raia o dia, empoleiram-se em cima das nossas chaminés a anunciar a alvorada e cantando em competição com os galos da vizinhança. Só há uma coisa que que me irrita um pouco. Nas horas de maior calor esvoaçam silenciosas entre as árvores do quintal para esgaravatarem e se espojarem como os burros em volta das plantas - salsa, hortelã, coentros, alfaces e outras - a fim de se refrescarem na terra regada de fresco e às vezes estragam.
Como bom anfitrião, bom hospedeiro e bom vizinho que me prezo de ser, cuido desta "malta" toda com esmero o ano inteiro. Durante o verão há sempre no quintal dois baldes cheios de água fresca para beberem quando necessitam. E todos os dias à hora de maior calor mudo a água já morna e renovo-a com água fresca. Até as toalhas da mesa das nossas refeições diárias a minha companheira sacode sempre para o quintal para comerem as migalhas.
As rolas e toda a outra passarada.
Há duas famílias a fazerem ninho na nossa latada e nas oliveiras todas as primaveras. Uma de verdelhões, outra de pintassilgos. Assim que me apercebo que já estão a construí-los quase nem me acerco do local para não os perturbar, até os filhos voarem. Esta primavera uma rabanada de vento mais forte quase derrubou o do verdelhão. Não fosse eu ver o desastre iminente e correr a amarrar a pernada que tombou, com um bocado de ráfia, lá se iam os ovinhos todos estatelar no chão.
Os melros preferem o limoeiro por ser mais fechado. As rolas a laranjeira, por ser mais aberta. Até já no loureiro um casal fez ninho também sem eu me ter apercebido e só ao cortar alguns ramos dei com ele já vazio, mas pela quantidade de excrementos deu para perceber que ali procriaram em absoluto sigilo.
Ainda assim e no meio desta "malta" toda há também os indesejáveis predadores. Pardais, carriças e estorninhos. Depenicam as couves e deixam-nas tão esburacadas que em vez de folhas para caldo verde mais parecem alinhavados de Nisa. Vão à caça dos insetos que por ali habitam e de caminho comem-nos com a verdura para a dieta ficar mais completa.
Não acho graça nenhuma, mas sempre ouvi dizer que roubar para comer nunca deverá ser considerado crime...
José Coelho