terça-feira, 29 de agosto de 2023

Coisas minhas...


Gosto da lua. Cresci a saltar pedras e barrancos à sua luz, primeiro na "retouça" quando gaiato, depois a fazer alguns biscates de contrabando já zagal e por fim nas visitas semanais a casa das namoradas antes d'ir p'rá tropa. 

Era muito bom poder ver onde punha os pés nessas noites de namorico quando tinha de atravessar tapadas e canchais desde a Beirã até aos Cabeçudos, ou até aos Aires, ou até à Torre, para lá do Pereiro. 

Não parava quieto!

É verdade que já nesse tempo havia as estradas que há hoje, embora não tão boas, mas caminhar pelos "atravessos" que havia por toda a parte tornava os percursos bem mais curtos e menos cansativos, porque a brincar a brincar, eram sempre uns bons quilómetros para calcorrear a penantes.

Havia por aqui muitas histórias de medos, com ou sem culpas da lua. Por exemplo aquela da galinha com pintos nas proximidades do cemitério que seriam um bando d'almas penadas a pedirem rezas às pessoas que por ali passavam em noites de lua. 

A propósito dessa crença, certa noite, quatro e tal de uma enluarada madrugada vinha eu de ir levar a moça a casa no fim de um baile, quando ouvi um estranho resmalhar: 

- Ressshhhh.... Ressshhhhh... 

Depois aquilo parava. E eu parei também. Não com medo mas intrigado, decidido a ver e a entender de onde procedia aquilo. 

Outra rabanada de vento e outra vez... 

- Ressshhhh... 

- Mau! Pensei. 

- Q'ués ver qué a galinha c'os pintos? 

E mentalmente, continuando a brincar com a situação, chamei: 

- Pipi... pipi... pipi... conforme a minha mãe fazia a chamar as nossas galinhas para lhes dar o milho. De súbito e enquanto eu cogitava naquelas parvoíces todas, um novo ressshhh... quase, quase, ao pé de mim. 

Olhei. 

Prestei atenção. 

E vi. 

E percebi. 

E...

- Eureka! Pensei para comigo:

- "Télé lá" o misterioso "resmalhar"?

- Homessa!

- Assim se inventava um medo...

Eram apenas algumas folhas secas dos enormes choupos que ladeavam naquele tempo a estrada. Porque era outono, as árvores estavam a desfolhar-se. E as folhas secas, encarquilhadas, levadas pelo vento a serem arrastadas pelo alcatrão, faziam aquele barulho que o silêncio da madrugada ampliava tornando-o estranho e de certo modo inexplicável, pelo sossego da hora. 

Caminhei ao seu encontro e pisei-as desfazendo-as debaixo dos pés para me certificar. Era mesmo aquilo. Um sopro mais vivo do vento e lá atrás outras irmãs daquelas que eu havia pisado, aprontavam-se para a sua viagem sobre o alcatrão até encontrarem aconchego e se acomodarem nalguma nesga entre os canchos: 

- Ressshhh... Ressshhh...


Excerto de: "Contos da lua cheia" no Livro Histórias do Cota, págs.127 e seguintes.

José Coelho