Gosto da lua. Cresci a
saltar pedras e barrancos à sua luz, primeiro na "retouça" quando
gaiato, depois a fazer alguns biscates de contrabando já zagal e por fim nas
visitas semanais a casa das namoradas antes d'ir p'rá tropa.
Era muito bom poder ver onde
punha os pés nessas noites de namorico quando tinha de atravessar tapadas
e canchais desde a Beirã até aos Cabeçudos, ou até aos Aires, ou até à Torre,
para lá do Pereiro.
Não parava quieto!
É verdade que já nesse tempo
havia as estradas que há hoje, embora não tão boas, mas caminhar pelos
"atravessos" que havia por toda a parte tornava os percursos bem
mais curtos e menos cansativos, porque a brincar a brincar, eram sempre uns
bons quilómetros para calcorrear a penantes.
Havia por aqui muitas
histórias de medos, com ou sem culpas da lua. Por exemplo aquela da
galinha com pintos nas proximidades do cemitério que seriam um bando d'almas
penadas a pedirem rezas às pessoas que por ali passavam em noites de
lua.
A propósito dessa crença, certa
noite, quatro e tal de uma enluarada madrugada vinha eu de ir levar a
moça a casa no fim de um baile, quando ouvi um estranho resmalhar:
- Ressshhhh....
Ressshhhhh...
Depois aquilo parava. E eu parei também. Não com medo mas intrigado, decidido a ver e a entender de onde procedia aquilo.
Outra rabanada de vento e outra vez...
- Ressshhhh...
- Mau! Pensei.
- Q'ués ver qué a galinha c'os
pintos?
E mentalmente, continuando a
brincar com a situação, chamei:
- Pipi... pipi... pipi... conforme a minha mãe fazia a chamar as nossas galinhas para lhes dar o milho. De súbito e enquanto eu cogitava naquelas parvoíces todas, um novo ressshhh... quase, quase, ao pé de mim.
Olhei.
Prestei atenção.
E vi.
E
percebi.
E...
- Eureka! Pensei para comigo:
- "Télé lá" o
misterioso "resmalhar"?
- Homessa!
- Assim se inventava um
medo...
Eram apenas algumas folhas
secas dos enormes choupos que ladeavam naquele tempo a estrada. Porque era
outono, as árvores estavam a desfolhar-se. E as folhas secas, encarquilhadas, levadas pelo vento a serem arrastadas pelo alcatrão, faziam aquele barulho que o
silêncio da madrugada ampliava tornando-o estranho e de certo modo
inexplicável, pelo sossego da hora.
Caminhei ao seu encontro e pisei-as desfazendo-as debaixo dos pés para me certificar. Era mesmo aquilo. Um sopro mais vivo do vento e lá atrás outras irmãs daquelas que eu havia pisado, aprontavam-se para a sua viagem sobre o alcatrão até encontrarem aconchego e se acomodarem nalguma nesga entre os canchos:
- Ressshhh... Ressshhh...
Excerto de: "Contos da lua cheia" no Livro Histórias do Cota, págs.127 e seguintes.
José
Coelho