terça-feira, 22 de agosto de 2023

Uma pedra só, não faz parede

Foto Pedro Coelho - 16. 07. 2023

Passavam poucos minutos das cinco da tarde no penúltimo sábado deste final de Agosto quando entrei na Igreja para assistir à missa vespertina que substituiu a missa de domingo ininterruptamente celebrada durante mais de setenta anos nesta Casa que sirvo dedicadamente desde os seis anos de idade, quando o então reverendo e saudoso padre Joaquim Caetano me escolheu para seu sacristão, "ofício" que, feliz com a escolha, exerci até terminar a escolaridade obrigatória e só abandonei quando o meu pai me pôs a guardar um rebanho de ovelhas logo a seguir ao exame da quarta classe.

Fui propositadamente mais cedinho por saber de antemão que a escassa meia dúzia de pessoas que vai assistir à missa só começa a chegar quase em cima da hora e assim eu poderia ficar alguns momentos a sós com a Senhora do Carmo ladeada pelas imagens em miniatura dos Sagrados Corações de Jesus e de Maria, do Santíssimo Sacramento presente no Sacrário a Seus pés, assim como com todas as outras imagens entronadas nos altares laterais do templo: A Rainha Santa Isabel, a Senhora de Fátima, o S. José com o Menino, o Menino Jesus de Praga e a Senhora da Conceição na nave, mais o velhinho São João Baptista que discretamente preside à pia baptismal no Baptistério onde eu fui batizado há 71 anos, depois as minhas irmãs mais novas, a seguir os meus filhos, e, mais recentemente, as minhas netas.

Neste local sagrado casaram ainda os meus pais, casámos eu e as minhas três irmãs e casaram também os meus filhos. Como não hei-de sentir-me tão bem neste lugar que para além de Templo de Deus e da Senhora do Carmo é também o cofre onde guardo as mais doces recordações da minha vida, assim como, com toda a certeza, da vida de centenas de Beiranenses que vivem longe mas aqui continuam espiritualmente ligados. Existe por parte de todos uma mística muito especial de devoção à Senhora do Carmo, particularmente comprovada ano após ano no dia da sua festa, quando aqui comparecem às dezenas, vindos de todos os lugares para onde a vida os obrigou a irem viver pelas mais diversas razões, mas principalmente pelo encerramento da estação e via férrea.

Cedo me dei conta que a Beirã estava a esvair-se lentamente diante dos meus olhos e a Paróquia a seguir o mesmo caminho. Sem pessoas não há vida mas para a Paróquia era aparentemente mais ameaçadora a falta de presbíteros do que a falta de fiéis, pois os que teimámos em resistir e continuamos cá, particularmente no que a mim e à minha família diz respeito, tudo temos feito para colaborar e manter viva esta comunidade. Não tem sido fácil e nem importa sequer enumerar as dificuldades que foram substancialmente agravadas com a morte inesperada do Reverendo Padre Luís Marques que mudou tudo radicalmente. Se aos domingos não compareciam já muitos fiéis - porque já então éramos poucos - aos sábados "a coisa" ficou mais escassa. 

Há celebrações em que somos apenas seis ou sete presenças. E não há retorno possível.

Foi sobre tudo isso que comovido até às lágrimas, em silêncio e a sós, "conversei" mentalmente com Jesus do Sacrário e com a Senhora Sua Mãe neste sábado, antes de abrir as portas da igreja e preparar o ambão para as leituras da Palavra, porque os paramentos do pároco já estavam preparados na sacristia e as alfaias para a Consagração Eucarística sobre o altar, colocados poucas horas antes pela Maria Manuela Coelho que lá foi preparar tudo o mais, como faz semana após semana por já não haver acólitos. Custe ou não, a verdade é por demais evidente. Sacrificando a missa dominical com recurso à missa vespertina no sábado, o Senhor da messe providenciou o Pastor como foi possível para que a celebração semanal continuasse. Não é, portanto, a falta de presbíteros que está a deixar vazias as celebrações. 

É a falta de pessoas. 

E como dizia o meu pai, uma pedra só não faz parede.

Rendo-me à evidência. É tempo de mudar de pensamento e de vida, de procurar e encontrar alguma solução que torne menos deprimentes os dias que eventualmente ainda temos para viver. Há mais mundo, há mais vida, há opções que embora difíceis podem ser tomadas. Fiz o que pude, enquanto pude. Para quê lutar mais? Dom Quixote de la Mancha só houve um e na Beirã nem sequer existem moinhos de vento, existe agora uma áurea de euforia que são os AL's na tentativa de repovoar a aldeia com turistas. 

Oxalá seja duradoura, mas já não acredito muito em milagres...


José Coelho