sexta-feira, 8 de junho de 2018

Excertos...

Foto copiada do Google

(...)

O meu pai deu duas ou três grandes passadas, entrou logo atrás de mim e antes de eu poder fazer mais qualquer coisa, agarrou-me pela blusa e jogou-me um chapadão tão grande que fui arremessado contra a parede do corredor. Ainda não me tinha sequer refeito da surpresa e… Bumba! Outro valente chapadão com aquela mão calejada que mais parecia uma tábua. E os meus ouvidos a zunirem que pareciam duas campainhas… Tziiiiiiiiiing!

- Caraças que isto doeu…

Como em toda a minha ainda curta vida e até àquele preciso momento nunca o meu pai me tinha tocado nem com um só dedo – nem nunca mais tocou no resto da sua vida – fiquei deveras acagaçado e só talvez ali é que comecei a perceber que tinha metido a pata na poça (…)

- Seu cabrão! Vociferava ele com os dentes cerrados, completamente danado! Nesta casa somos pobres mas nunca cá houve gatunos… Onde é que estão as pesetas que roubaste à professora?

- Ai agora!  Pensei eu, ainda mais apavorado!

E lá tive que explicar-lhe como as tinha gasto (no pirolito e nos tremoços) e que por isso já não as poderia devolver.

- Muito bem – respondeu ele – eu vou à Virgínia comprar as cinco pesetas mas quem as vai levar à professora na minha frente e pedir-lhe desculpa, és tu. E é agora mesmo!

Dito e feito, lá tive que ir então atrás do ti Antónho Coelho, de rabinho entre as pernas envergonhadíssimo e sem saber como encarar a professora, que, como vocês todos se devem ainda lembrar, não era nada dada a meiguices e tinha também umas mãozinhas muito lampeiras. E eu bem sabia, pois muitas vezes as tinha já experimentado!

- Vou papá-las dela tamém... Pensei, com mau agoiro.

Porém, enganei-me. A professora, talvez pela presença do meu pai, não me tocou e apenas me disse muito carrancuda: 

- Fizeste uma coisa muito feia José Manuel e eu agora já não quero as cinco pesetas. Mas vais entregá-las no próximo domingo na missa ao senhor padre no cesto das esmolas à frente de toda a gente para toda a Beirã ficar a saber…

- Jesus credo, “amalssoadas” pesetas… Pensei em pânico.

Assim teve mesmo que ser. Foi cá um destes vexames… O maior – e  felizmente o único – em toda a minha vida.

Mas foi também, disso tenho absoluta certeza, a melhor e mais dura lição que recebi. Nunca mais, mas mesmo nunca mais, tive tentações de repetir tal esperteza.

Era assim que naquele tempo educavam a gente (...)

                                                                    Do Livro Histórias do Cota