Foto copiada do Google
(...)
O meu pai deu duas ou três
grandes passadas, entrou logo atrás de mim e antes de eu poder fazer mais
qualquer coisa, agarrou-me pela blusa e jogou-me um chapadão tão grande que fui
arremessado contra a parede do corredor. Ainda não me tinha sequer refeito da
surpresa e… Bumba! Outro valente chapadão com aquela mão calejada que mais
parecia uma tábua. E os meus ouvidos a zunirem que pareciam duas campainhas… Tziiiiiiiiiing!
- Caraças que isto doeu…
Como em toda a minha ainda curta
vida e até àquele preciso momento nunca o meu pai me tinha tocado nem com um só
dedo – nem nunca mais tocou no resto da sua vida – fiquei deveras acagaçado e
só talvez ali é que comecei a perceber que tinha metido a pata na poça (…)
- Seu cabrão! Vociferava ele com
os dentes cerrados, completamente danado! Nesta casa somos pobres mas nunca cá
houve gatunos… Onde é que estão as pesetas que roubaste à professora?
- Ai agora! Pensei eu, ainda mais apavorado!
E lá tive que explicar-lhe como
as tinha gasto (no pirolito e nos tremoços) e que por isso já não as poderia devolver.
- Muito bem – respondeu ele – eu
vou à Virgínia comprar as cinco pesetas mas quem as vai levar à professora na
minha frente e pedir-lhe desculpa, és tu. E é agora mesmo!
Dito e feito, lá tive que ir
então atrás do ti Antónho Coelho, de rabinho entre as pernas envergonhadíssimo
e sem saber como encarar a professora, que, como vocês todos se devem ainda
lembrar, não era nada dada a meiguices e tinha também umas mãozinhas
muito lampeiras. E eu bem sabia, pois muitas vezes as tinha já experimentado!
- Vou papá-las dela tamém... Pensei, com mau agoiro.
Porém, enganei-me. A professora,
talvez pela presença do meu pai, não me tocou e apenas me disse muito
carrancuda:
- Fizeste uma coisa muito feia José Manuel e eu agora já não quero
as cinco pesetas. Mas vais entregá-las no próximo domingo na missa ao senhor
padre no cesto das esmolas à frente de toda a gente para toda a Beirã ficar a
saber…
- Jesus credo, “amalssoadas”
pesetas… Pensei em pânico.
Assim teve mesmo que ser. Foi
cá um destes vexames… O maior – e felizmente o único – em toda a minha vida.
Mas foi também, disso tenho
absoluta certeza, a melhor e mais dura lição que recebi. Nunca mais, mas mesmo
nunca mais, tive tentações de repetir tal esperteza.
Era assim que naquele tempo
educavam a gente (...)
Do Livro Histórias do Cota